Alvoroço: Mundo e Brasil


“Não existe nada estável no mundo: o alvoroço é a nossa única música”, escreveu o poeta John Keats a seu irmão em 1818. A frase faz sentido, a julgar pela experiência dos últimos 200 anos, e segue relevante, hoje, para o mundo e para o Brasil neste final do surpreendente ano de 2016. Afinal, não é todo ano que temos a eleição de um Trump, um Brexit, nacional-populismos e tiranias em ascensão no mundo e, no Brasil, o fim do ciclo do “projeto” petista.

O alvoroço (“uproar” no original inglês) não é a nossa única música, (existem as boas) mas os graus de incerteza na política, na economia e, particularmente, na interação entre ambos – nos âmbitos nacional, regional e global – vem aumentando de forma assustadora. E não foi algo que ocorreu de repente, não mais que de repente. Não se trata apenas de um fenômeno cíclico, passageiro. Não existe este tal de “novo normal” à frente, que alguns procuram – em vão – identificar. André Lara Resende está correto ao insistir na observação de que tanto no Brasil como no mundo, “nunca a conjuntura foi tão pouco conjuntural”.

Segue um breve comentário sobre o contexto global e sobre o Brasil de hoje e desafios à frente, em particular para o crucial biênio 2017/18 no qual definiremos boa parte da próxima década.

Sobre o mundo: o rearranjo de placas tectônicas  que ocorreu no início dos anos 90, após a queda do muro de Berlin, a  reunificação alemã, o colapso do império soviético, a emergência da China como potência econômica, a decisão europeia de lançar o euro e os déficits externos crescentes do EUA, permitiram que o mundo experimentasse aquilo que Rogoff chamou de o mais longo, o mais intenso e o mais amplamente disseminado ciclo de expressão de história moderna, que se estendeu do início dos 90 até crise de 2008/2009. Segundo o FMI, cerca de 600 milhões de pessoas se integraram à economia global como trabalhadores e consumidores urbanos entre 1990 e 2007. Desde então, o mundo experimentou tanto as consequências da crise quanto das necessárias respostas à mesma.

Mas os eleitores, em particular na Europa, vinham expressando insatisfação com o que consideravam relativa perda de soberania nacional há muito, tanto em plebiscitos como em eleições regulares. Na raiz do problema, indivíduos sentindo-se inseguros, ameaçados, prejudicados ou mesmo já vitimizados pelos efeitos sobre empregos domésticos, derivados de importações de bens e serviços, de imigrações, e não menos importante, com os efeitos da rapidez avassaladora das mudanças tecnológicas e da globalização sobre a demanda por mão de obra.

A frase de Keats que abre este artigo é uma das epígrafes de um belíssimo livro de Thomas McCraw sobre Schumpeter: “o Profeta da Inovação e a Destruição Criadora”. Esta última expressão – destruição criadora – era segundo Schumpeter o “elemento essencial” do funcionamento do que chamava de “a máquina capitalista”.  Imbatível na geração de renda e riqueza, mas como os ventos e as aguas, sujeita a inconstâncias, instabilidades e disrupções o que pode gerar – e gera – mal estar e descontentes.

 

Tão ou mais importante, a máquina capitalista, se imbatível na geração de renda  riqueza, não o é na distribuição de renda e riqueza, o que levou a intervenção de governos no processo e  às  hoje chamadas economias sociais de mercado, das quais existem inúmeras variedades, com os mais distintos graus de eficácia na tentativa de preservar a inovação e de limitar os experimentos  que podem se mostrar, como bem o sabemos, como verdadeiras “criações destrutivas”, de emprego, renda, riqueza, crescimento – e  de solvência fiscal.

 

O Brasil, sempre sujeito aos ventos do mundo, se encontra hoje – como raras vezes em nossa história – em um destes angustiantes momentos – definidores de sua trajetória futura. É obvio que não há soluções simples; e as que parecem sê-lo estão erradas, na economia como na política. Não haverá uma grande batalha que tudo definirá. Não há uma panaceia e nem haverá um dia D. Não há um(a) salvador(a) da pátria, como o Brasil, espero, tenha aprendido.

Mas é imperativo procurar acelerar o processo de ampliação do espaço das convergências possíveis. Para tal, é preciso um sério esforço por evitar que a polarização atual se agrave com a intolerância daqueles que consideram qualquer interlocutor potencial ou bem como um cumplice de suas ilusões, ou como um inimigo a ser abatido.

Concluo com meu comentário sobre uma observação de Jared Diamand: “Mesmo quando uma sociedade foi capaz de antecipar, perceber, e tentar resolver um problema, ela pode ainda fracassar em faze-lo, por óbvias razões possíveis: o problema pode estar além das suas capacidades; a solução pode existir mas ser proibitivamente custosa: os esforços podem ser do tipo muito pouco e muito tarde, e algumas soluções tentadas podem, agravar o problema”.

É verdade, mas a meu ver, por mais difíceis que sejam, os problemas do Brasil não estão além de nossas capacidades, as soluções podem ter custos mas, com definição de prioridades, estes podem ser mitigados e não tornados proibitivos pela procrastinação e pelo “too little too late” e, por último, algumas soluções tentadas podem agravar o problema, como bem o sabemos, mas é sempre possível aprender com a experiência e não incorrer em velhos erros, como no nosso passado recente.

Vem daí a minha esperançosa confiança no futuro. Por que há hoje, talvez devido a crise, uma maior consciência da natureza dos desafios a enfrentar. Na macroeconomia, em especial na área fiscal (três níveis de governo), na promoção do investimento privado em infraestrutura, nos setores de óleo, gás e energia elétrica, na fundamental área de educação, na previdência, na saúde e na busca de igualdade de oportunidades – e perante a lei. Mas alvoroço, algazarra e algaravia continuarão conosco – e com o mundo – pelos próximos anos.

Feliz Natal!