Brasil não pode replicar fórmula fiscal dos EUA


O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, fez um estudo que mostra os limites de replicar no Brasil a estratégia do presidente americano, Joe Biden, de aproveitar os juros estruturalmente baixos para estimular a economia com um gigantesco programa de gastos públicos.

A base teórica para o pacote fiscal é um recente trabalho do professor de Harvard Jason Furman e do ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Larry Summers que mostra que, devido a uma queda estrutural dos juros, o governo americano pode ter uma dívida pública mais alta.

 

Bacha replicou a metodologia de Furman e Summers para o Brasil, levando em conta a queda dos juros ocorrida nos últimos anos e a tendência de alta da dívida pública. Sua conclusão é que, embora o governo tenha ficado mais endividado nos últimos anos, o custo para carregar essa dívida está em níveis historicamente baixos.

Mas essa folga não deve durar muito: o mercado financeiro já espera uma alta de juros por aqui. Bacha calcula que o peso do pagamento de juros, comparado com o tamanho da economia, deverá dobrar até 2023. “Isso significa que o respiro será temporário”, diz o economista, no estudo. “O melhor é se preparar para consertar as contas fiscais antes que o tempo se esgote.”

Um dos métodos tradicionais de medir se um país tem as contas fiscais sustentáveis é por meio do tamanho da chamada dívida bruta do setor público em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Entre os economistas, há um receio de que, quando a dívida pública se aproxima de 100% do PIB, o risco de insolvência do governo aumente muito e caia a capacidade de crescimento da economia. A dívida bruta brasileira fechou o ano passado em 89,3% do PIB, segundo dados do Banco Central.

Furman e Summers escreveram em novembro um comentado trabalho (“Reconsideração da Política Fiscal na Era de juros Baixos”, numa tradução livre) que propõe a troca da relação dívida/PIB como principal indicador de solvência fiscal por um outro, a relação entre o pagamento de juros sobre a dívida e o PIB.

O argumento central é que nas últimas décadas os juros americanos caíram de forma estrutural devido a uma redução nos investimentos (fatores como avanço tecnológicos reduziram a necessidade de capitais para novos projetos) e a um aumento da poupança (devido a fatores como concentração de renda nos mais ricos, que guardam mais dinheiro, e reformas nos sistemas previdenciários).

No Brasil, os juros medidos pela taxa Selic se reduziram desde o pico de 2016, quando estavam em 14,25% ao ano, para o percentual atual de 2% ao ano. Muitos economistas argumentam que, por trás desse recuo, há fatores estruturais, como a redução do crédito direcionado e as aprovações do teto do gasto público e da reforma da Previdência. Em termos reais, o pico dos juros foi em 2017, quando chegaram a 6,7% ao ano – no ano passado ficaram um pouco acima de 1% ao ano, considerando a taxa efetiva no período.

Ao mesmo tempo, a dívida bruta entrou em uma trajetória de alta. Desde 2010, início do período analisado por Bacha, até o ano passado, essa medida de endividamento apresentou uma expansão de 62%, considerando os valores médios apurados ao longo do ano.

Apesar da alta do endividamento, a conclusão do economista é que a queda das taxas de juros, até 2020, mais do que compensou o aumento do endividamento. Ou seja: o país tem uma dívida maior, mas os encargos em relação ao PIB caíram, devido à queda da taxa de juros. Essa despesa era de 2,8% do PIB em 2010, subiu a um pico de 4,9% do PIB em 2017 e caiu a estimado 1,1% do PIB em 2020.

“Do ponto de vista do custo da dívida, a posição fiscal do Brasil é menos preocupante do que a relação dívida/PIB sugere”, escreve Bacha. “Essa é a parte boa da história.” A parte ruim é que os juros vão subir. Caso se confirmem as previsões dos economistas e o que dizem os juros negociados em mercado, a despesa chegará a 2,9% do PIB em 2023.

Os cálculos levam em conta aos dados até novembro do ano passado, antes de o Banco Central reestimar a dívida de anos recentes com base em novos dados do PIB divulgados pelo IBGE. Essa revisão do PIB provocou uma queda de dois pontos percentuais na dívida bruta, mas a diferença é pequena para mudar as conclusões do trabalho de Bacha. O texto está disponível no site da Casa das Garças.