Euforias no meio da crise


O centro das atenções no Brasil está voltado para a política. As reformas e os ajustes fiscais necessários para destravar a economia estão paralisados. O déficit primário este ano já oficialmente pode atingir 1,6% e pode ser ainda maior. Com esse déficit, a dívida bruta deve chegar a 73% do PIB no fim do ano. Enquanto isso, os mercados vivem um interregno de euforia. O estímulo dos bancos centrais no mundo conseguiu reverter o pânico do início do ano e reanimar os mercados globais. No Brasil, os mercados parecem acreditar num cenário de fácil resolução dos problemas políticos e econômicos locais. A inflação e o déficit externo em queda ajudam nessa crença. O que esperar do futuro próximo? Qual deveria ser a atuação do Banco Central (BC) nesse contexto?

No Brasil, o cenário local é binário. Num cenário de paralisia política e, portanto, econômica, os ajustes e reformas não ocorreriam e a economia ficaria à deriva, torcendo para não bater numa pedra que a faria afundar. Os déficits continuariam elevados e as dívidas crescentes, com a incerteza mantendo o crescimento em baixa e o desemprego em alta. A alternativa seria um cenário em que algum consenso político permitiria aprovar medidas e reformas que mudem a trajetória crescente da dívida, reconquistem a confiança e levem à retomada do crescimento. As perspectivas para o câmbio, risco país, juros e crescimento seriam muito distintas nesses dois cenários. Embalados pelo estímulo externo, os mercados querem hoje acreditar no cenário mais positivo, talvez minimizando as dificuldades políticas e econômicas (inclusive de implementação) nos próximos anos.

Enquanto isso, a economia continua sofrendo com a pior recessão da sua história, e o desemprego subindo.

Nesse contexto, a economia tenta encontrar seu caminho, com consequências interessantes. A inflação começa a ceder e o balanço de pagamentos a se equilibrar frente à nova situação.

Até pouco tempo atrás, o receio era o inverso. A memória das décadas hiperinflacionárias voltou a assombrar os analistas. Uma espiral inflacionária seria a solução natural da incapacidade de controlar as contas públicas. Como no passado, a inflação crescente seria o imposto que faltava para resolver o entrave fiscal. Como consequência, as expectativas de inflação se elevariam não somente neste ano, mas também nos próximos. A expectativa era que os juros fossem subir ainda mais. Buscava-se, no passado, a solução para o presente.

Mas, no atual contexto, a inflação não resolve o problema. O dragão inflacionário tem pouco impacto nas contas públicas por causa da indexação formal e informal. Um exemplo claro é a indexação de vários gastos ao salário mínimo, que, pela regra atual, está atrelado à inflação passada. Um cálculo singelo sugere que, a cada 10% de surpresa inflacionária, o ganho seria apenas em torno de 0,4% do PIB.

E a inflação não deve sair do controle tão facilmente. O contexto global é de inflação baixa demais. Os bancos centrais das economias desenvolvidas temem mais a deflação do que a inflação. A hiperinflação do presente é a inflação à la Argentina de 30-40%. Não mais alta.

A inflação, na verdade, está recuando, depois de atingir 10,7% no ano passado. Tudo indica que a trajetória de inflação pode atingir 7% este ano, já mostrando inflações mensais comparáveis com a média dos últimos anos (5,5%, em termos anualizados, entre 2006 e 2014).

A razão para a desinflação é simples: não há forças inflacionárias no sistema. A pior recessão da história – e a consequente queda forte nas vendas – tirou a capacidade de reajuste de preços na economia. No ano passado, a sobrevivência exigia o repasse dos custos advindos do aumento significativo de preços administrados (50-60% de energia elétrica!) e da depreciação cambial (quase 100% acumulados). Mas este ano, não há ajustes relevantes de preços administrados e o câmbio permanece estável (na verdade, apreciando-se significativamente no curto prazo).

A estabilidade (ou apreciação) da taxa de câmbio é favorecida pela percepção de que o ajuste externo está ocorrendo de forma acelerada. Há pouco mais de um ano o déficit em conta corrente chegou a U$ 105 bilhões. Estimamos que já no ano que vem (ou até o fim deste ano), não haverá mais déficit em conta corrente.

O risco para a taxa de câmbio e a inflação é uma possível saída forte de recursos do País. Porém, com juros baixos no mundo, investimento direto resiliente e mais de 20% do PIB em reservas cambiais à disposição do BC, o risco dessa possibilidade é menor. No entanto, a incerteza política não nos permite descartá-la por completo: uma guinada populista inconsequente, por exemplo, poderia alterar a frágil situação atual de estabilidade e levar a uma forte depreciação com consequências inflacionárias.

O mais provável, na ausência de políticas extremas, será a continuidade da queda da inflação. Já se observa queda na inflação presente, e as coletas de preços de curtíssimo prazo indicam continuidade do processo no futuro próximo.

Em algum momento, o BC deverá reduzir os juros ratificando essa trajetória de queda da inflação, provavelmente ainda este ano. Mas não é o caso de reduzir imediatamente (este semestre) os juros, com risco de sancionar otimismos exagerados no mercado. Importante garantir antes a desinflação.

Da mesma forma, não é o momento de sancionar uma apreciação cambial. É o momento de remar contra a corrente, recomprando dólares (via redução do estoque de swaps existente no BC) enquanto o mercado quiser vendê-los.

Não é o momento de sancionar euforias no mercado. Elas advêm de um contexto internacional temporariamente favorável, conjugado com um otimismo local frágil, por basear-se em cenários de muita incerteza, com dificuldades de implementação consideráveis. Faz bem o BC em atuar na direção contrária.

Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.