Hiato de produto e de informação


O hiato do PIB – a diferença entre o PIB potencial e o crescimento efetivo do produto da economia – é uma medida essencial para o acompanhamento da economia, exercícios de projeção da inflação e determinação da política monetária. O termo em si – hiato – refere-se a um nível de produto inferior ao que seria possível do ponto de vista da capacidade de crescimento da economia, partindo de seu estoque de capital e força de trabalho. Entretanto, por ser uma variável não observada, existe bastante debate e incerteza em torno de seu nível, sugerindo que cálculos em torno da mesma e suas aplicações na determinação de cenários para a política monetária devem sempre ser cercadas de muita cautela.

Entre 2015 e 2016 o Brasil passou  uma recessão que viu seu PIB diminuir 7,5%, e onde o investimento recuou 25%. A recuperação que se seguiu foi moderada, com um crescimento médio de cerca de 1% entre 2017 e 2019, mas que parece estar ganhando tração no final deste ano. Ainda assim, o ritmo de crescimento médio do investimento atingiu apenas 1,3% no mesmo período, fazendo com que o nível da formação bruta de capital fixo esteja quase 20% abaixo dos patamares pré-recessão, e a razão investimento/PIB atingisse 17%. É portanto questionável a qualidade do estoque de capital remanescente, após um período prolongado de contração no investimento e de deterioração da infraestrutura por conta de limitações fiscais. Segundo o IBGE, entre 2014 e 2017 foram fechadas 30 mil empresas do setor de indústrias de transformação, uma queda de 7%. Se compararmos com 2013, auge do crescimento econômico, a destruição no número de empresas industriais é de quase 11%. Estes dados não incluem ainda o que ocorreu em 2018, ano em que novamente o crescimento foi frustrado e o cenário econômico difícil. Estas estatísticas são importantes porque as medidas de utilização da capacidade instalada usualmente acompanhadas pelos economistas se referem apenas à indústria, e medem apenas o espaço de produção das indústrias sobreviventes, não incorporando portanto a informação acerca da capacidade produtiva destruída ao longo destes últimos anos.  

No departamento econômico do Banco BOCOM BBM calculamos diversas medidas de hiato do produto – algumas com “estrutura econômica” e outras que dependem apenas de medições econométricas simples da taxa de crescimento potencial. Nossas medidas ao longo deste ano têm se agrupado em dois grupos com movimentos distintos: um que mostra recuperação mais acentuada do hiato em direção a patamares positivos e outro grupo que mostra fechamento apenas moderado do hiato ao longo do ano. Como o caminho do meio costuma ser o mais sábio, costumamos acompanhar a média desses hiatos, que parece ter uma trajetória mais compatível com a história inflacionária recente e a intuição econômica. A média dos modelos aponta para um hiato de cerca de 2,3 pps ao final do primeiro semestre (veja gráfico abaixo), após ter atingido 5pps em 2016. Aponta também que desde o início de 2018, período em que o crescimento médio da economia foi de cerca de 1% ao ano, o hiato teria “fechado” cerca de 0,9 pps. Esta evolução sugere que o ritmo potencial de crescimento da economia talvez seja bem mais baixo do que imaginamos. Novamente de acordo com a média dos modelos, o crescimento médio anual do PIB potencial desde 2014 estaria abaixo de 1%. Com a divulgação do PIB do terceiro trimestre, a medida de hiato teria recuado para 1,9 % – o menor patamar desde o primeiro semestre de 2015. Se nossa previsão de crescimento do PIB de 2,1% em 2020 se concretizar, projetamos que o hiato deve recuar substancialmente em 2020, se aproximando do ponto de neutralidade na virada para 2021.

Neste ambiente, em que a incerteza acerca do nível de crescimento potencial da economia e da qualidade de seu estoque de capital são particularmente elevadas, e onde o “efeito histerese” leva as habilidades dos trabalhadores a serem depreciadas por um ciclo longo de desemprego (25% dos trabalhadores estão desempregados há mais de dois anos), é imprescindível tratar com cautela projeções sobre crescimento e inflação futuros. Do ponto de vista do Banco Central, a cautela é essencial. 

Por isso, acreditamos que a política monetária deve começar a ser normalizada no fim de 2020, com a taxa Selic subindo para cerca de 6,5% em 2021. Tal movimento se justifica no sentido de garantir que os atuais patamares benignos de inflação em torno das metas se consolide para os próximos anos, uma vez que a real capacidade de crescimento da economia só ficará clara à medida que a recuperação ganha corpo.