Arminio não se arrepende de voto em Lula, mas alerta para ‘velhas ideias’


Ex-presidente do Banco Central diz que decisão de apoio na eleição não foi econômica e que está preocupado com aumento agressivo de gastos

Bloomberg — Arminio Fraga quer ser claro: ele não se arrepende da decisão de apoiar publicamente a candidatura vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência da República.

Mas Arminio, um dos investidores mais famosos e bem-sucedidos do país e um aclamado ex-presidente do Banco Central, não esconde a angústia que sente ao ver Lula e sua equipe econômica traçarem um plano para aumentar agressivamente os gastos do governo em 2023.

O dinheiro extra que Lula quer distribuir para cumprir as promessas de campanha e reforçar os programas de bem-estar social estimulará a demanda do consumidor, alertou ele, e atrasará os esforços para domar a maior alta da inflação que o país já viu em duas décadas.

“Vejo velhas ideias que nunca funcionaram para nós”, disse Arminio, 65 anos, em entrevista no Rio de Janeiro, onde está sediada sua gestora Gávea Investimentos.

Antes de assumir o cargo em 1º de janeiro, Lula busca a aprovação do Congresso para aumentar o teto de gastos em R$ 145 bilhões ao menos em 2023. Não será a primeira vez que a principal âncora fiscal do país será quebrada. O presidente Jair Bolsonaro fez isso primeiro durante a pandemia e novamente neste ano para melhorar suas chances de reeleição.

Mas agora “estamos prestes a ver uma expansão fiscal massiva em uma economia que não está mais em crise”, disse Arminio. “O mercado de trabalho está ficando apertado, a inflação está alta.”

Em poucas palavras, a intenção do novo governo de continuar injetando estímulos, provavelmente levando o déficit primário para quase 2% do Produto Interno Bruto no ano que vem, “não faz sentido”, disse ele.

Armínio Fraga, como muitos dos economistas mais proeminentes do país, apoiou Lula no segundo turno das eleições, já que as preocupações sobre o impacto de mais quatro anos de Bolsonaro na jovem democracia brasileira uniram até mesmo ex-críticos do líder de esquerda.

“Não foi uma decisão econômica”, disse Fraga, que comandou o banco central de 1999 a 2003.

Ainda assim, os investidores foram abalados nas últimas semanas pelas escolhas de Lula, 77 anos, para sua equipe econômica. As preocupações de Fraga estão alinhadas com um sentimento crescente no mercado financeiro de que os primeiros passos do presidente eleito sinalizam que seu terceiro mandato será de gastos inflacionários e maior intervenção do governo na economia.

O novo ministro da Fazenda de Lula, Fernando Haddad, tentou amenizar tais temores ao prometer apresentar uma proposta para estabilizar os níveis da dívida no início do próximo ano.

Mas com a arrecadação provavelmente em queda em 2023, junto com os preços das commodities e a expectativa de desaceleração econômica, Fraga enfatiza que um plano abrangente precisa ser anunciado em breve.

O novo governo tem pouco tempo para colocar as contas públicas em ordem porque, com a dívida pública bruta em torno de 75% do PIB, inflação anual de 5,9% e taxa básica de juros de 13,75% ao ano, a situação fiscal do Brasil é muito mais frágil do que muitos dos seus pares de renda média, disse ele.

“Qual é o prazo para transformar esse déficit em superávit?”, afirmou. “Não podemos apenas esperar o melhor.”

As preocupações com os gastos aumentaram ainda mais quando Lula deu a Haddad e a Aloizio Mercadante, escolhido para comandar o BNDES, a tarefa de ajudar a “reindustrializar” o país.

Um dos principais temores é que o novo governo volte a conceder elevados níveis de crédito subsidiado por meio dos bancos estatais. O BNDES ofereceu bilhões de reais em empréstimos a taxas abaixo das de mercado durante muitos governos, e a ex-presidente Dilma Rousseff levou a prática a novos patamares, causando distorções econômicas e complicando o trabalho do Banco Central.

Ele disse não acreditar que tais empréstimos voltariam a níveis semelhantes, mas qualquer movimento nessa direção seria preocupante. Na pior das hipóteses, se os gastos não forem controlados, Lula corre o risco de perder mais a confiança dos investidores e até de recessão, segundo ele.

Arminio Fraga também apontou oportunidades para o Brasil, como atrair investimentos muito necessários para a infraestrutura, o que traria capital privado. A reforma tributária, que a equipe de Haddad se comprometeu a realizar, também impulsionaria significativamente o crescimento, disse.

Claro que muito dependerá de como o novo governo procederá nos primeiros dias.

“Esta é uma situação instável em que estamos”, disse Arminio. “Não há margem de manobra, não há margem de segurança.”