BC x governo: a crise que não houve


A entrevista do presidente do BC no Roda Viva deu fim a uma crise criada pelo presidente da República em torno do assunto da “independência” do BC e do nível dos juros.

Era uma daquelas crises desnecessária, nas quais o presidente atravessa rua para arrumar uma briga, faz um papelão, muitos fingem que é um “debate necessário”, mas tudo fica como estava.

Mas vamos ao mérito, para o qual há dois assuntos: de um lado, a organização institucional da moeda (é o que está em jogo quando se discute a “independência” do BC) e de outro, a dosagem do remédio prescrita pelos especialistas responsáveis pelo delicado assunto da estabilidade da moeda.

São comuns as diferenças de opinião sobre a dosagem. É claro que cada um tem a sua percepção. Mas há doutores especialmente formados e treinados para esta decisão, como em qualquer agência reguladora.

Certamente não é o tipo de coisa que se decide pelo número de clicadas, ou pelo voto popular. São os doutores a decidir, e por isso mesmo é complexo o “debate” sobre a existência de uma ciência e de uma competência específica sobre o assunto. Desqualificar o profissional especializado é o caminho que nos leva à pseudociência e à pregação antivax.

Também perigoso é retroagir nos progressos institucionais duramente alcançados nos últimos anos no tocante aos mecanismos decisórios da política monetária.

Felizmente, na mesma semana do Roda Viva, reuniu-se a Comissão Técnica da Moeda e do Crédito(Comoc), e no dia seguinte o Conselho Monetário Nacional (CMN), o “órgão superior” do sistema financeiro. Não houve reunião do Copom em fevereiro, conforme o calendário oficial.

Ao que tudo indica, nada de muito importante se alterou na estrutura decisória que define a governança da moeda.

Foram muitos anos de tentativa e erro, na verdade, uma quantidade absurda de erros, até chegarmos ao sistema que temos hoje, no qual coexistem diversos colegiados — o CMN, a Comoc, o Copom e a CVM —, envoltos em rituais e sutilezas que poucos conhecem. O próprio ministro se confundiu com essa siglas, ainda que reconhecendo a sua importância.

O desenho de hoje para o CMN e para o Copom é o mesmo do Plano Real: CMN tem rês membros (dois ministros e o presidente do BC) e o Copom é a diretoria do BC em sessão temática.

A Comoc, a menos conhecida dessas siglas, foi a única que mudou, e para pior. Eram nove (cinco do BC, a CVM e três secretários de ministérios), e agora são 11, com o acréscimo de dois secretários do ministério da Fazenda.

A perda da maioria por parte do BC pode ser vista como uma redução muito sutil e talvez sem consequência no grau de independência da instituição, conforme habitualmente medido. Ou um sinal para mudanças piores no futuro. A ver.