Hamilton e o orçamento secreto


Muitos dos assuntos do orçamento secreto têm a ver com a polícia. Mas há outros que evocam Alexander Hamilton, o primeiro secretário do Tesouro e um dos chamados “pais fundadores” dos EUA, homenagem à sua atuação em encontrar soluções para as tensões entre o local e o federal.

A fama mais recente de Hamilton tem que ver com o multipremiado musical escrito por Lin Miranda, todo cantado em rap, a propósito da trajetória desse extraordinário personagem nascido em Nevis, nas Antilhas, em 1755, e morto em 1804 num duelo com o vice-presidente dos EUA.

Compreensivelmente, o musical não trata das contribuições de Hamilton para o desenho dos incentivos econômicos para o bom funcionamento de uma federação. Mas este é o assunto central do histórico voto da ministra Rosa Weber sobre o orçamento secreto.

 

A solução brasileira para as tensões entre o local e o federal possui uma denominação exótica (contingenciamento), cuja explicação Hamilton entenderia perfeitamente: consiste simplesmente em deixar que os senhores parlamentares façam tantas emendas quanto bem entenderem na lei de orçamento, todas de interesse estritamente paroquial, pois o Executivo, ao fim das contas, é quem vai escolher quais serão executadas.

Esta tem sido a fórmula essencial para o funcionamento do presidencialismo de coalizão, como bem reparou o voto da ministra: é na política que se dá a harmonia entre o regional e o nacional.

Em 2015, todavia, com a Emenda Constitucional 86, o sistema foi sacudido por uma novidade perturbadora: a obrigatoriedade de execução das emendas individuais e de bancada, ainda que sujeito a um limite global.

Para as emendas individuais fora desse limite, bem como para os outros tipos de emenda, prevalece a sujeição ao contingenciamento. Existem diversas outras restrições ao escopo das emendas, e a ministra Rosa Weber encontrou diversas irregularidades nas emendas do relator, sobretudo no quesito da transparência.

Não está na Constituição que os parlamentares tenham direitos iguais a emendas, como se fossem verbas de gabinete. Melhor assim.

Se Alexander Hamilton estivesse acompanhando esse debate, certamente estaria preocupado com o conceito de execução “equitativa”, entendida com a proibição de tratamento desigual entre parlamentares: é muito difícil que uma federação seja politicamente funcional quando a maioria governista não consegue levar para seus distritos mais gasto público do que a minoria.