Intolerância


“Se há algo de único ao animal humano é que ele tem a capacidade de expandir o conhecimento em ritmo acelerado e de ser, ao mesmo tempo, cronicamente incapaz de aprender com sua própria experiência”

John Gray, The Silence of Animals

 

Cinquenta pessoas mortas em Orlando. Antes delas, centenas na França e na Bélgica. Os criminosos, pessoas nascidas nos países de seus conterrâneos brutalmente assassinados, movidos por ideologia tóxica. Hoje, o radicalismo islâmico. Em outras épocas nem tão distantes, a xenofobia do nazismo, o comunismo nacionalista do Khmer Vermelho. Em comum, o autoritarismo, o ódio, a loucura, a tragédia, o isolamento econômico. O nazismo e o comunismo suicida-homicida no Camboja, nascidos da política. O terror do radicalismo islâmico, de fundamentalismo religioso deturpado. A barbárie alimentada pela incapacidade do ser humano de aprender com sua própria experiência.

 

Donald Trump, candidato Republicano à Presidência da República, homem incapaz de ver além de seus preconceitos, ecoa a intolerância de seus antecessores em outros países e continentes. Derramando vitupérios, como a insinuação ao programa da Fox News, em que disse: “Somos liderados por um homem que é muito…veja, somos liderados por alguém que ou é fraco, ou não muito inteligente, ou que tem alguma outra coisa na cabeça. Essa alguma outra coisa na cabeça, sabe, as pessoas não conseguem acreditar”. Essas, as palavras de Trump, para espanto de seu partido, que ainda consegue espantar-se com os absurdos que profere. Absurdos como os comentários racistas feitos sobre um juiz de origem mexicana, nascido nos EUA, responsável pelo caso de litígio da Trump University, em que o candidato é acusado de fraudar centenas de pessoas. Ou, como ele gosta de enfatizar em suas constantes repetições, “centenas e centenas, são centenas e centenas de pessoas, ok”. Juiz que já defendeu posições que o puseram sob risco de vida.

 

Trump é símbolo da intolerância que leva a Inglaterra ao plebiscito derradeiro, à escolha entre permanecer ou não na União Europeia, ainda que os prejuízos econômicos sejam imensos, tanto para a ilha, quanto para o continente. Trump, com seu discurso extremista europeu, tão diferente do discurso tradicional dos polítcos americanos, capaz de imbuír-se de ares de autenticidade – “mas, ele ao menos diz o que pensa, foge do politicamente correto”. Esse raciocínio pronto que não requer nem minuto de reflexão é primo da xenófoba Marine Le Pen. Marine Le Pen, que há anos assombra a França.

 

Trump é símbolo do retrocesso econômico, da globalização em marcha-ré. Há muitos que ainda não entenderam isso. O candidato Republicano disse não em uma, mas em várias ocasiões que “rasgará” todos os acordos comerciais negociados pelos EUA. Os ataques são dirigidos, sobretudo, ao Nafta, acordo entre EUA, Canadá e México negociado por Bill Clinton nos anos 90. Mas, não se trata apenas de jogar o Nafta no lixo, ou de retirar os EUA do acordo – legalmente, o presidente tem poderes para tanto. Trump já mencionou a possibilidade de impor tarifas de 45% nos produtos chineses, de acabar com o acordo Trans-Pacífico, negociado com onze países, de rever o Korus, o acordo bilateral entre os EUA e a Coreia do Sul.

 

Estudos e artigos do Peterson Institute for International Economics têm demonstrado as perdas para a economia americana e para o mundo, caso os vitupérios sejam mais que mera retórica de campanha. Retaliações da China e de outros países levariam a uma guerra comercial, cujo saldo final seriam perdas incomensuráveis de empregos nos EUA e no mundo, reflexos nefastos sobre a capacidade de crescimento global. Antecipando o deslocamento do comércio provocado por essas políticas, mercados reagiriam com temor, provocando onda de turbulência pior do que  temos visto com o risco de saída da Inglaterra da UE. Trumponomics desembocaria na saída dos EUA da OMC, a Organização Mundial do Comércio. Enterraria-se de vez o TTIP, a Parceria Transatlântica de Investimentos com a Europa.

 

Trump é a personificação da intolerância em todas suas facetas, do repúdio ao outro à rejeição da globalização econômica, defendida pelos Republicanos. Quem não enxerga o perigo disso está, infelizmente, profundamente iludido, ou cego.