Malan: “É muito difícil quando o BC faz uma coisa para controlar a inflação e o governo vai na direção contrária”


A situação fiscal brasileira está sendo mascarada pela inflação, segundo o economista Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central (BC), que participa do debate online “E Agora, Brasil?”, organizado pelos jornais O Globo e Valor, que conta também com a presença do sócio fundador da Fávea Investimentos e ex-presidente do BC Arminio Fraga.

O ex-ministro cita como exemplo desse efeito de mascarar a situação fiscal precária a mudança do cálculo da inflação na regra do teto de gastos, que antes era calculado em 12 meses até junho do ano anterior, para um novo período de janeiro a dezembro. “Com isso, ganhou-se dezenas de bilhões de reais para gastar, inclusive nas emendas de relator, além do auxílio.”

Arminio, por sua vez, aponta para o risco, ainda que não seja um cenário provável, de a inflação voltar aos níveis antes do Plano Real. “Existe risco de termos inflações parecidas aos níveis anteriores ao Plano Real.”

“O enredo [de se voltar a patamares de alta de preços pré-real] passa por depreciação da moeda; esse é o primeiro sinal”, diz o ex-presidente do BC. Em um segundo momento, “que precisa ser evitado, é quando as respostas costumam ganhar ares criativos: congela um preço aqui, subsídios ali; abre o caminho para a desorganização da economia”.

Malan vê uma chance muito pequena de a inflação voltar aos tempos de antes do Plano Real. “Acho que a sociedade aprende com os erros”, pontua. “Existem riscos e o maior é a desorganização que afeta a capacidade de resposta da oferta”, explica.

Segundo ele, “é muito difícil quando o BC faz uma coisa para controlar a inflação e o governo vai na direção contrária”

Conforme o ex-ministro, “a pior combinação para os trabalhadores é a de desemprego alto e inflação alta”.

Malan cita ainda a necessidade de os candidatos à Presidência incorporarem nos programas econômicos sendo preparados por suas equipes a questão de equilíbrio orçamentário. “Gostaria que houvesse uma discussão sobre a qualidade do Orçamento na [campanha eleitoral]. Precisamos melhorar a qualidade do debate que nós temos, ainda mais no período antes da eleição”, disse.

O economista avalia que a economia brasileira não voltará a uma situação estável apenas com voluntarismo político. Segundo ele, não basta um presidente dizer que o país é confiável, mas é preciso que haja um regime, tanto monetário quanto fiscal, transparente.

Malan lembra que a situação atual de inflação pressionada com combinação de choque de ofertas e outros fatores exige uma resposta que vá além da política monetária. “Não dá para esperar demais do Banco Central sem uma política fiscal responsável.”

Quando o Plano Real, que estabilizou a inflação, foi criado, entre 1993 e 1994, era necessária uma base fiscal sólida para dar certo, nota.

“Não preciso lembrar que o Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada nos 30 anos do início dos anos 60 ao início dos anos 90”, disse Malan. Segundo o especialista, a inflação superou os 2.000% um pouco antes do lançamento do Real. “Nossa situação fiscal está sendo mascarada pela inflação”, aponta.

Malan lembra que a reforma monetária “precisou ser acompanhada por uma forte preocupação com a estabilidade fiscal do país”.

“Em 98 e entre 2002 e 2003, também lançamos pacotes de medidas fiscais para ajudar a controlar a inflação naqueles momentos”, nota. “Não dá para separar as ações fiscais e monetárias para conseguir controlar a inflação.”