Neoindustrialização: importante, mas como?


Não é todo dia que o presidente da República e seu vice publicam um artigo no jornal. O tema, a desindustrialização e o que fazer a respeito, é de grande importância e merecedor de um debate construtivo. Com esse espírito, apresento aqui algumas considerações.

A produção industrial representa apenas 16% do PIB global e vem caindo em toda parte, a favor do setor de serviços. Mesmo na China, pulmão da manufatura global, a indústria é responsável por apenas 27% do PIB, tendo chegado a 32%.

No caso do Brasil, a queda foi brutal: de um pico de 24% do PIB nos anos 80 a 10% hoje. Em relação à indústria global, a fatia do Brasil está em 1,4%, número bem inferior aos 2,3% da nossa fatia do PIB global.

 

A queda é ainda mais relevante porque de longa data o setor tem se beneficiado de inúmeros subsídios, destacando-se crédito via BNDES, proteção contra a concorrência estrangeira e incentivos tributários. Ocorre que, na prática, essa estratégia de proteção à indústria nascente e substituição de importações acabou se perenizando e condenando o setor a um círculo vicioso de atraso tecnológico, que dura até nossos dias. O exemplo mais conspícuo é o da indústria automobilística, que vem se modernizando, mas ainda tem dificuldade em exportar para os grandes mercados do mundo.

 

Ao mesmo tempo em que a indústria recebia vantagens, consolidou-se a sua posição como de longe o setor mais tributado. A partir do início dos anos 90 algumas das vantagens foram sendo removidas, como barreiras à importação e crédito subsidiado, o que confirmou o receio histórico do setor de perder as benesses sem a compensação de uma redução do chamado Custo Brasil (a miríade de dificuldades e custos que afetam a produção).

 

A reforma tributária ora em pauta será uma oportunidade de ouro para se retificar essa sobrecarga relativa. Os benefícios ao setor industrial irão além de uma eventual redução da carga: com uma alíquota uniforme e um só conjunto de regras (hoje são 27, uma loucura), a produtividade da indústria aumentará deveras.

O presidente e seu vice apontam corretamente a necessidade de se aprovar a reforma e também de se reduzir o Custo Brasil. Creio que seja esse o ponto mais forte do artigo. Mas não será fácil. O quadro fiscal precário impede uma redução da carga tributária total da economia. Uma redução para a indústria viria às custas do setor de serviços, o maior e menos tributado, que tem manifestado feroz resistência à reforma da tributação indireta. Em breve saberemos se esse desafio político será superado.

Um componente de peso no Custo Brasil são as taxas de juros elevadíssimas que vigoram no país. Sendo o governo de longe o maior devedor da economia, vem em boa hora o novo arcabouço fiscal, um passo na direção certa. Se aprovado e cumpridas as metas para o saldo primário, ganhar-se-á algum tempo para a construção de um regime fiscal robusto, que deixe no passado um histórico de frequentes crises macroeconômicas.

Alguns itens da lista de demandas mais horizontais e modernas do setor vêm sendo atendidos, com destaque para a reforma trabalhista (hoje ameaçada). Nesse campo, é bom que se tenha em mente que o setor industrial não é um grande gerador de empregos. Na verdade, o Brasil carece de mão de obra qualificada, espelho da dificuldade que temos tido em melhorar a qualidade da educação, em especial a pública.

O artigo dedica maior espaço ao tema do resgate da política de escolhas setoriais. O reativado Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial “dará missões à indústria”. Deus sabe quais e como. Trata-se de uma ideia velha com nova roupagem. O artigo menciona complexidade e diversidade na economia, resiliência, conteúdo nacional e setores estratégicos, temas pomposos que precisam ser debatidos em profundidade. Claramente o espectro do desenvolvimentismo fracassado está de volta.

Não se trata para mim de uma questão de princípios. Preocupa a intenção de outra vez tentar no Brasil apenas parte de um modelo asiático que funcionou graças aos elevados investimento e poupança, e aos sucessos na educação e na produção para exportação. Uma estratégia que dependa de alta taxa de poupança e pouca proteção social claramente não é para nós.

Tenho defendido desde sempre a reforma tributária e a guerra ampla contra o Custo Brasil, como proposto no artigo. Creio ser importante também priorizar políticas voltadas para imperativos ambientais, sociais e outros genuinamente estratégicos, mas sempre a partir de um cálculo de benefício e custo social rigoroso e com transparência para permitir avaliação independente. Infelizmente, vejo aqui sinais de alto risco de repetição de erros do passado, inclusive recentes. Todo cuidado é pouco.

* Arminio Fraga é economista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/RJ), tem doutorado em Economia pela Universidade de Princeton (EUA), presidiu o Banco Central entre 1999 e 2003 e é sócio-fundador da Gávea Investimentos.