O peronismo entre nós


A economia não foi o assunto da eleição brasileira que Lula venceu. Mas foi o tema central da eleição argentina que Lula perdeu.

A inflação é uma urgência para eles, e nós, felizmente, nesse assunto, estamos em outro patamar, muito melhor.

Bem, o fato é que acompanhamos o campeonato argentino, com interesse, e eles o nosso.

Argentina e Brasil são extraordinários contrafactuais recíprocos. São nações que se revezam nos mesmos enredos, de uma forma quase genética.

Daí se dizer que são nações irmãs, mas num sentido imensamente mais complexo do que aquele habitualmente utilizado nas conversas sobre futebol.

Eles descobriram, com alguma perplexidade, talvez ingênua, que elegeram uma espécie de Bolsonaro. Ou talvez de Donald Trump.

Parênteses: quando Trump foi eleito vários comentaristas argentinos observaram que era como se o peronismo tivesse chegado à presidência dos EUA.

Outro parêntese: o presidente Alberto Fernandez disse a Xi Jimping que se ele fosse argentino seria peronista.

Típico dos hermanos, não?¹

Mutatis mutandi, o brasileiro distraído que lê os jornais argentinos rapidamente conclui que temos uma espécie de peronismo no Brasil. Nosso passado e futuro estão misturados no noticiário argentino, sempre uma ótima biblioteca onde procurar pistas sobre o que vai acontecer conosco.

O fato incontornável é que o peronismo foi duramente derrotado. A mensagem seguinte é que a liderança peronista “errou feio” ao apresentar como seu candidato o ministro da Fazenda. Isso misturou com a eleição um julgamento sobre consequências econômicas do peronismo, para as quais, deveras, é impossível olhar sem chorar.

Oxalá, no Brasil, possamos aprender com os erros deles, sem a necessidade de repeti-los.

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Um registro fundamental: muitas das ideias que levaram o Brasil para um patamar superior em matéria de política econômica vieram do Departamento de Economia da PUC-Rio, que acaba de comemorar 60 anos de seu curso de graduação, 45 anos de pós-graduação e pesquisa e 30 anos do programa de doutorado.

“O departamento”, como é carinhosamente chamado, formou ideias e pessoas, muitas delas que mudaram para melhor o curso da história econômica desse país.

Em tempo: o Plano Real vai fazer 30 anos em 2024, um plano que os peronistas locais afirmaram que era fictício do começo ao fim.

(1) Ambas as citações podem ser encontradas em “Antologia da maldade II: epígrafes para um país estressado”. Rio de Janeiro, Zahar, 2022, p.151-2.