Será longa a guerra contra a inflação


Só estabilizar a relação dívida/PIB é uma péssima gestão de risco, diz Arminio

imagina. A convergência das expectativas de inflação para a meta de 3,5% poderá ocorrer só lá por 2024, elevando-se, aí, o tempo de juros altos necessário para domar os preços. A taxa de juros para este ano está em 8,5%. A curva cai um pouco e fica em torno de 6% ao ano a perder de vista.

“Isso cria um problema potencialmente muito sério. Corre-se o risco de adquirir uma inércia que há tempos não víamos”, alerta o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, sócio-fundador da Gávea Investimentos.

É preciso mais que estabilizar dívida/PIB, afirma Arminio

À pergunta sobre quando ele acredita que a taxa de inflação vai poder estar ancorada na meta de 3,5%, Armínio não arrisca uma resposta. “Qualquer coisa que eu fale tem uma dose de subjetividade, não tem um modelo que resolva isso com tanta incerteza no horizonte: ano de eleição, incerteza sobre o que a futura administração vai fazer. E a economia teve uma reação no primeiro trimestre, mas a expectativa é que a política monetária faça o efeito que ela foi desenhada para fazer, que é dar uma segurada na economia, o que cria um ambiente político e social tenso.”

Ao ser confrontado com uma estimativa de que isso só ocorra entre meados do ano que vem e 2024, ele comenta: “É. Exatamente”.

Diferentemente do que ocorre na economia americana, superaquecida e com inflação ao redor de 8%, aqui as variáveis reais não apontam para um aquecimento. É preciso, portanto, perguntar do que se trata (esse aumento geral de preços). Segundo ele, a resposta está na outra faceta da inflação. “Em última instância a inflação espelha a confiança na economia, no Estado, no governo. Esse é um espaço muito mais perigoso, que anda meio esquecido”, indica ele.

Trata-se, então, da dominância fiscal, que ocorre em países em que a dívida é alta e o custo de rolagem também. Nesse caso, a elevação da taxa de juros piora a percepção de risco dos investidores quanto à real capacidade do governo de honrá-la.

Arminio traça o roteiro do que costuma acontecer nesses casos.

“Nós vimos até a taxa de câmbio um pouco como espelho desse tema. O câmbio é um canal de transmissão forte quando se tem dúvidas quanto à credibilidade do emissor.”

Em um segundo momento pode ocorrer uma situação mais grave -“não estou prevendo isso para o Brasil, mas o enredo é esse”, diz -, em que a oferta começa a se contrair. Essa é uma situação que acontece quando começa a se pensar em congelamento, tabelamento de preços, manipulações de toda a sorte. Isso desorganiza a economia e entra-se em um quadro venezuelano, mais grave ainda.

É importante que se diga que, em todas essas áreas o Brasil tem fragilidades. O país entra neste período com uma taxa de inflação, implícita nas NTN-Bs acima de 6% ao ano. “Isso representa um desafio bem complexo”, segundo ele.

Alguma contenção fiscal vem ocorrendo mais recentemente, mas não na dosagem necessária – “é preciso reconhecer que é difícil”, assinala Arminio -e não de forma sustentável.

“Eu tenho defendido a tese de que o ajuste fiscal necessário no Brasil é maior do que o que cuida da relação dívida/PIB.” O país teria que fazer um trabalho de redefinição de prioridades no gasto público muito maior do que o trabalho necessário para se gerar um saldo positivo de 3% a 4% do PIB. Tarefa para o próximo governo.

“A ideia de só estabilizar a relação dívida/PIB é uma péssima gestão de risco”, diz Arminio. O Brasil tinha que colocar a relação dívida/PIB em queda e, com isso, se candidatar ao círculo virtuoso de mais crescimento, queda dos juros reais, confiança

Ele defende um ajuste nas contas públicas equivalente a dez pontos percentuais do PIB, em um período de dez anos.

Esse é o tamanho do ajuste que caberia uma profunda redefinição de prioridades no gasto e colocaria a dívida como proporção do PIB em trajetória de queda.

Hoje a conta mal fecha e com a elevação dos juros básicos (Selic) a dívida/PIB volta a crescer quando deveria estar caindo.

Para ter uma ideia de por onde começar a redefinir as prioridades do Orçamento público, hoje praticamente 80% do gasto nas três esferas de governo – União, Estados e municípios – é para o pagamento de salários. “O Brasil é um ponto fora da curva e isso não pode ficar assim”. diz Arminio. Tem várias áreas em que é preciso investir – com a pandemia o país acordou para a saúde. O investimento público está baixinho.