Tereza Grossi: um depoimento


Foi bom demais contar com a colaboração de uma colega tão competente e corajosa,
escreve Arminio Fraga sobre ex-diretora do Banco Central

 

Faleceu no dia 21 deste mês Tereza Grossi, funcionária exemplar e primeira mulher a
assumir uma diretoria do Banco Central do Brasil, durante o período em que tive a honra
de presidir a casa (1999 a 2002).

Conheci Tereza logo após assumir o cargo. Ela era Chefe Adjunta do Departamento de
Fiscalização e, estando ausente seu chefe, me procurou para relatar o caso de um banco (o
Crefisul) que havia quebrado antes da crise cambial do início de 1999. A área de fiscalização
aguardava uma luz verde para a liquidação, que vinha sendo postergada, imagino que para
não causar mais marolas. O momento ainda era bastante tenso. Com a clareza e precisão
que logo vim a apreciar, ela me resumiu o caso. Me informou também que o sistema
financeiro estava sólido, um dado essencial. Pedi uma recomendação, que veio sem quicar:
liquidar. Totalmente convencido, e para satisfação dela, creio, topei. Deu certo, como tudo
mais que ela fez nos quase quatro anos de trabalho que acompanhei de perto. Foi bom
demais contar com a colaboração de uma colega tão competente e corajosa.

 

Não muito tempo depois, convidei Tereza para assumir a Diretoria de Fiscalização, em
substituição a Luiz Carlos Alvarez, que deixara a posição em um momento dramático da
complicada CPI dos Bancos. Felizmente eu pude contar com Tereza para a diretoria. Com
seu conhecimento enciclopédico sobre o assunto e sua firmeza e capacidade de comando,
era a pessoa certa. Ter a primeira mulher na diretoria foi motivo de alegria geral na casa, claro.

 

Durante sua passagem, a área registrou uma série de avanços e modernizações, tantas
que não cabe listar aqui. Sua parceria com Sergio Darcy na diretoria de Normas foi
extraordinariamente frutífera, como Pelé e Garrincha, que vestindo juntos a amarela nunca
perderam uma partida. Cada qual no seu lugar, e do seu jeito, defendia ideias, apaziguava os ânimos de suas equipes, que brigavam bastante, e partiam para o que foi, acreditem,
uma goleada de inovações e aperfeiçoamentos, forjada com a dose certa de cautela e arrojo.

 

Tereza nos representava brilhantemente em eventos internacionais. Logo meus pares de
outros países passaram a falar dela com o máximo respeito. Não à toa, quando uma
economia avançada fez uma busca para a posição de chefia de uma agência que
consolidaria a supervisão de todas as áreas financeiras e bancárias, Tereza foi a escolhida.
Ela escolheu ficar no Brasil, mas vale o registro.

Tereza passou por um momento terrivelmente duro e injusto, que derivou da CPI dos
bancos. Nos casos dos bancos Marka e Fonte-Cindam, ela, então chefe-adjunta, foi
chamada a avaliar que depreciação do real tais bancos poderiam aguentar sem que seu
patrimônio ficasse negativo. Ela cumpriu seu papel com precisão, nada mais. Diante de
uma situação de risco sistêmico, a diretoria do Banco à época decidiu, a meu ver
corretamente, evitar a quebra de membros da bolsa de futuros. Os detalhes não vêm ao
caso. Sem qualquer poder de decisão no evento, ela foi assim mesmo atingida por ações
criminais que atiraram sua vida em um inferno astral no judiciário. Felizmente o ministro
Malan e o presidente Fernando Henrique atenderam prontamente ao meu apelo e ela
pôde seguir brilhando em seu trabalho, inclusive no setor privado após sua aposentadoria
do BC. Foi inocentada, como não podia deixar de ter sido. Mas esse pesadelo foi longo e
possivelmente lhe custou anos de vida.

Tereza deixa uma legião de admiradores.