Transição e negacionismo fiscal


O mês de dezembro, diante de nós, talvez seja o mais longo dos últimos tempos. É o mês de uma transição política muito carregada.

As ansiedade se parecem com as da Nova República: há perto de 300 pessoas nos grupos de transição, servindo como ninhos para futuros ministros e políticas de governo. Há outras 300 com aspirações, sem dar expediente em Brasília, mas são apenas umas 50 posições (?) a preencher no primeiro escalão.

A taxa de frustração, para pessoas e ideias, vai ser grande.

O ambiente internacional não está nada bom, e há um velho encantamento em Brasília, que não se deve perder de vista: os responsáveis pela política econômica ficam mais inteligentes quando a conjuntura internacional é favorável. Na presença de nuvens, sempre há mais erros.

Do lado bom, não se deve esquecer que esta foi a primeira eleição, e mudança de governo, sob a nova lei que tornou o Banco Central mais independente, pois os mandatos dos seus dirigentes não coincidem mais com o do presidente da República. Roberto Campos Neto e mais três diretores do BCB permanecerão em seus cargos dentro do novo governo.

Essa mudança afastou o risco de politização da política monetária. Tanto que o BCB não mostrou hesitação em cumprir sua missão mesmo durante o ano eleitoral: os juros foram elevados para o nível necessário para dominar uma inflação perigosa, que parecia se alastrar em um organismo muito sensível ao incentivo proporcionado por diversos traficantes, sempre rondando o antigo cliente.

Vamos terminar 2022 com inflação abaixo do 6%, nível relevantemente mais baixo que o da maior parte dos países do Hemisfério Norte, e nada comparável com o que se tem na Argentina e na Venezuela. Saímos da Comebol para a Champions League nesse tópico.

É claro que não temos uma herança maldita, e mais: nos próximos dois anos já temos contratada uma queda contínua (?) nos juros, com os efeitos que se conhece, a menos que o novo governo perca o controle das contas fiscais, o que sempre pode acontecer.

O negacionismo fiscal é muito disseminado em Brasília: o leitor desta coluna talvez reconheça essa expressão, de um artigo do final de abril, a propósito das tendências populistas e irresponsáveis exibidas pelo governo de então, e que desaguaram na chamada “PEC Kamikaze”, afinal aprovada logo adiante inclusive com o voto da oposição, que hoje é (quase) governo.

O negacionismo fiscal é politicamente correto (woke): “Não será sempre necessário, conveniente e fotogênico duvidar da escassez (de recursos) e heroicamente explorar a possibilidade de realizar todos os sonhos, a despeito das (im)possibilidades?”

Pois é. Vai ser difícil resistir.