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Mailson da Nóbrega, economista, foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990. Como secretário-geral do Ministério da Fazenda, coordenou, entre 1983 e 1984, os estudos que resultaram na modernização institucional das finanças federais: a extinção da conta de movimento do Banco do Brasil e a criação da Secretaria do Tesouro Nacional (1986), bem como a extinção das funções de fomento do Banco Central (1987) e do Orçamento Monetário (1988). Participa de conselhos de administração de empresas brasileiras. Foi eleito Economista do Ano pela Ordem dos Economistas do Brasil. É sócio da Tendências Consultoria Integrada. É colunista da revista Veja.


Resumo:

O Instituto de Estudos de Política Econômica, Casa das Garças, traz a contribuição e registros do economista Maílson da Nóbrega, ministro da Fazenda entre os anos de 1988 e 1990, um período marcado pelas dívidas, externa e pública, elevadas e hiperinflação. O ex-ministro relata o seu início na administração pública, a participação na coordenação de estudos voltados para o aperfeiçoamento da gestão das contas públicas, que culminam com o fim da conta movimento entre o Banco do Brasil e o Banco Central (1983-1984), a gestão no Ministério da Fazenda e as discussões sobre a ordem econômica na Constituinte de 1988. 

Crise da dívida, acordos com o FMI e discussões sobre como medir o déficit público 

A fragilidade das contas externas agrava-se com a crise mexicana. Os olhares estavam voltados para a reunião anual do FMI em Toronto (setembro de 1982), quando se esperava uma reação de apoio do sistema financeiro americano, à época, principal financiador dos países em desenvolvimento.  A posição do secretário do Tesouro americano Donald Regan foi pouco estimulante, criando um ambiente de pânico, sobretudo no Brasil, que já sofria com a hiperinflação. A essa crise se sucede um acordo com o FMI e o aprofundamento de avaliações sobre o descontrole das contas públicas. O processo tem início a partir do cumprimento de um programa para obtenção de crédito. Dos 4 critérios exigidos pelo FMI¹, um deles estava associado à meta do déficit público, o que exigia um consenso sobre a mensuração. Com a evolução da prática de medição, passou-se a entender melhor os agentes e causas do déficit no Brasil. É dessa época o maior entendimento sobre o relacionamento entre o Banco Central e o Banco do Brasil como uma das fontes de expansão do déficit público. 

Sob um cenário adverso, reformas também são desenhadas e sofrem reação para implementação

Com o apoio do então ministro da Fazenda Ernane Galvêas (1983), Maílson, na função de secretário geral da Fazenda, coordena uma equipe, composta por mais de cem pessoas, para a elaboração de uma série de reformas institucionais voltadas ao suporte à estabilização da economia e à modernização institucional. Dentre as reformas, destacam-se a extinção da conta de movimento do Banco do Brasil/Banco Central, o desmonte do orçamento monetário e a transferência dos subsídios, até então submersos em contas no Banco Central e Banco do Brasil, para o orçamento da União e, a criação da Secretaria do Tesouro Nacional. As medidas sofrem forte reação, em especial das corporações afetadas, e só viriam a ser implementadas, na sua plenitude, no governo José Sarney (1985-1990).

O feijão com arroz…

Com a renúncia do então ministro Luís Carlos Bresser, Maílson assume o Ministério da Fazenda (janeiro de 1988) sob uma inflação anual de 366%. Dado o fracasso das experiências de estabilização, a escassez de recursos políticos e apenas 2 anos para o fim do mandato, o plano para a contenção do processo inflacionário era pouco ambicioso e se centrava na coordenação de expectativas e em ações que evitassem um possível colapso na economia. A proposta é batizada de “Feijão com Arroz”, nome que surge ao final da primeira entrevista de Maílson como ministro da fazenda, ao ser indagado sobre o que faria de fato para a estabilização econômica. 

A Constituição de 88, desigualdade, distorções e governabilidade…

Apesar do caráter democrático e da intenção nobre de redução da desigualdade, a Constituição cidadã promulgada em 1988 gera distorções, ao não respeitar leis econômicas, manter monopólios e criar novas fontes de desequilíbrio por conta da transferência de recursos da União para estados e municípios, concessão de autonomia aos estados para alteração de alíquotas, das bases de cálculo e das hipóteses de incidência do ICMS e a anistia de dívida para agricultores, pequenos industriais e comerciantes. Maílson expõe ao presidente José Sarney os problemas e implicações da nova constituição, o que o faz se opor, sem sucesso, ao Parlamento ao afirmar, em histórico e controverso discurso, de que o Brasil ficaria ingovernável diante dos custos da Constituição. No plano econômico, o Brasil ainda sofre as consequências da Constituição de 1988, por conta da criação de múltiplos monopólios, a piora na alocação de recursos na economia e a degradação da qualidade do sistema tributário e condições fiscais.

Instituições brasileiras, um ponto alto no país…

As instituições, de maneira geral, provaram sua relevância no Brasil. Com efeito, para além do Executivo e do Congresso, acrescentem-se os contrapesos do Judiciário, das instituições de controle, da imprensa, das variadas instituições da sociedade civil e da capacidade de organização dos indivíduos, os quais mostram-se importantes para a preservação da democracia. Em destaque, têm-se, no Brasil, a excelência e o reconhecimento mundial no sistema de finanças públicas, além do eficiente avanço na criação de expertises e regras de privatização. Apesar dos méritos, também há falhas. Como exemplo, observa-se no sistema orçamentário a não obrigação do presidente da república em cumprir o orçamento aprovado, uma distorção para um país democrático. 

Fonte de incertezas no presente… 

A boa relação entre os poderes judiciário, executivo e legislativo, bem como entre outros organismos de controle é fundamental para o bom funcionamento das instituições. Persistem, no entanto, importantes lacunas, sobretudo no poder judiciário. A sobrecarga de competências e o desequilíbrio nas atribuições constituem uma fonte de incertezas institucionais. O STF é sujeito a uma vastidão de obrigações, que o colocam distante do padrão de outras cortes supremas no mundo. Tudo isso eleva os custos de transação para a economia e diminui o potencial de ganhos de produtividade.

Para um ministro iniciante e um jovem economista, um conselho final…

No ministério, a preocupação da equipe econômica deve se sobrepor aos interesses de expansão de poder, já que, por natureza, devido às grandes atribuições dadas ao ministro da fazenda, ele já é uma figura basilar. Dessa forma, para aquele que venha exercer a função de ministro, cabe priorizar a suas funções e esquivar-se do excesso de centralização. Para o economista iniciante que aspira atuar em políticas públicas, recomenda priorizar, durante o curso, duas disciplinas: história e instituições. Entender a teoria das instituições é fundamental para o economista que vai para o governo e assimilar a história é crucial, já que a história, em geral, repete padrões e é sempre uma fonte de inspiração. 

1 São eles: o crédito interno líquido, o nível de reservas internacionais, o nível da dívida pública e o déficit público.

² A argumentação é inspirada na teoria institucional de Douglass North.

³ Destaque para o Banco Central, que teve eleitos como presidente do Banco Central do ano, Roberto Campos Neto (2019) e Ilan Goldfajn (2017). A premiação, de caráter internacional, é concedida pela revista britânica The Banker, do grupo Financial Times.


Leituras sugeridas:

  -da Nóbrega, Maílson. Além do feijão com arroz. Civilização Brasileira, 2010.

 -da Nóbrega, Maílson. O futuro chegou – instituições e desenvolvimento no Brasil. Globo, 2005. 

-C. North, Douglas. Instituições, mudanças institucionais e desempenho econômico (português). Três    Estrelas, 2018.

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