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pedro.paulo

Pedro S. Malan foi Ministro da Fazenda (1995–2002). Presidente do Banco Central (1993-1994). Negociador-chefe da dívida externa (1991-1993). Foi também representante do Brasil na Diretoria Executiva do Banco Mundial e do BID em Washington e Diretor de órgãos da Nações Unidas em Nova York. Desde 2003, é membro de conselhos de empresas no Brasil e no exterior. Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio. Doutor em Economia pela Universidade da Califórnia, Berkeley. Autor de “Uma Certa Ideia de Brasil: Entre passado e futuro” (Intrínseca, 2018). Um dos organizadores do livro: “130 Anos: Em Busca da República” (Intrínseca, 2019), vencedor da 62ª edição do Prêmio Jabuti na categoria Ciências Sociais. 


Resumo:

No encerramento da série de 30 episódios sobre a arte da política econômica, a Casa das Garças recebe Pedro Malan para o seu segundo episódio, agora para comentar os desafios e lições para formulação e implementação de políticas públicas, gestão de crises, além de perspectivas sobre o Brasil. Malan descreve momentos cruciais de seus oito anos de liderança no Ministério da Fazenda. Comenta sobre as reformas econômicas, a política cambial e como o governo se organizava. Nessas avaliações, sobressaem o papel da liderança do Executivo, a importância de equipes qualificadas, da comunicação e da relação de confiança com o presidente da república. Apresenta, ainda, os ingredientes para o enfrentamento e superação das crises financeira de 1998 e de energia em 2001, e da transição entre os governos FHC-Lula. Ao final, traz sua ideia de Brasil e visão da agenda para o País.  

Questões imediatas: controle da inflação e necessidade de reestruturação bancária

Acompanhou o Plano Real e o controle da inflação uma agenda de desenvolvimento de médio e longo prazos. Era preciso, no entanto, enfrentar questões imediatas. O sistema financeiro apresentava um problema potencial de liquidez e de solvência, devido à perda de receita inflacionária. Foi lançado um programa de reestruturação, em que 40 instituições financeiras foram colocadas sob regime de liquidação e intervenção pelo BC; três grandes bancos sofreram intervenção: o Econômico, o Nacional e o Bamerindus. Em 1994, o Brasil entra no BIS, e há a adoção das regras de Basileia de regulação e determinantes mínimos de capital dos bancos. Houve, ainda, um programa especial de incentivo para redução do setor público estadual na atividade bancária (Proes) e um programa de estímulo à reorganização de dívidas dos estados com a União. 

Motivações das reformas e frustrações

Além do enfrentamento dos problemas de curto prazo, era preciso reformas que garantissem a estabilidade no médio e longo prazos e a criação de condições para o Brasil crescer mais e melhor. Malan destaca que tais reformas não eram movidas por motivações político-ideológicas, mas pelo reconhecimento da incapacidade de o estado e suas empresas públicas realizarem investimentos, devido às restrições financeiras. Essas reformas criam espaço para a participação do capital privado, doméstico e internacional, em infraestrutura.  Em telecomunicações, por exemplo, seria impensável o avanço e integração que se tem hoje, se à frente do processo ainda estivessem Telebrás e 27 empresas estaduais de telefonia. Apesar dos êxitos alcançados, Malan lamenta que reformas também importantes não foram aprovadas, como a reforma da previdência, ou foram posteriormente alteradas, como a promoção de cláusulas de barreira¹ para partidos políticos ou restrições às coligações eleitorais. 

Liderança, base de apoio e comunicação: ingredientes para a aprovação de reformas

A liderança política do então presidente da República, FHC, dada sua capacidade de articulação dentro do executivo federal e no Congresso, com uma relevante base de apoio, constituiu-se em fator fundamental, segundo Malan, para a aprovação das reformas no período. Outro fator de peso estava na capacidade de diálogo, isto é, na comunicação com a sociedade, a qual foi por exemplo base para o entendimento da população sobre a URV e sua evolução para o real. 

Crise de 1998 percepção internacional sobre o risco dos países em desenvolvimento

Malan traz um breve resumo do contexto e implicações da crise de 1998, referindo a outros países emergentes para explicar a reação posterior do Brasil. Com a crise financeira asiática de 1997, provocada a partir do ataque especulativo à moeda tailandesa, a percepção por parte dos países ricos era a de que se tinha ali um problema fundamentalmente de países em desenvolvimento, provocando uma reavaliação de riscos no contexto internacional. A imagem dominante era que bastava ser país subdesenvolvido para que tivesse fragilidade fiscal e sistemas bancários deficientes. Com a indiferenciação existente entre países emergentes, foi preciso desenvolver uma estratégia de diferenciação, que se inicia com um esforço de explicitar a reestruturação promovida nos sistemas bancário público e privado e nas dívidas dos estados na primeira metade dos anos 1990 e apresentar outras ações de governo. Malan aponta que buscou mostrar que o Brasil não estava se considerando uma vítima passiva de eventos que aconteciam no resto do mundo e que era preciso destacar que o país estava fazendo coisas importantes  há algum  tempo. Não era algo que estava iniciando agora, ao se dar conta do problema derivado da crise asiática.

A resposta: o plano fiscal, o discurso no Itamaraty e o apoio do FMI

Em julho de 1998, Malan solicita a Murilo Portugal que desenvolva um plano fiscal para o triênio  1999-2001. Em 8 de setembro, anuncia, em uma entrevista coletiva, a criação de uma comissão de controle e gestão fiscal, estabelecendo uma meta fiscal para o término  de 1998, além de uma medida provisória de ajuste fiscal, com vistas a um resultado primário positivo e crescente a cada ano, para estabilização da dívida/PIB no novo nível estabelecido pelo programa. Na linha da transparência e comunicação, o presidente da República, FHC, fez em 23 de setembro de 1998 um discurso no Itamaraty² , reafirmando o compromisso do Brasil com a estabilidade financeira. Somado a isso, foi apresentado, naquele mesmo ano, o programa fiscal ao FMI, que possibilitou o apoio financeiro de que o Brasil necessitava. 

Transição FCH-Lula: temor no mercado, diálogo e  mensagem democrática

Em 2002, havia uma forte preocupação com a possível vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições para presidente. O temor se dava em razão do que se suponha ser a intenção de ruptura do candidato a esforços que se faziam na política econômica, como, por exemplo, no pagamento da dívida externa e relações com o FMI. O governo desenvolve um diálogo com todos os candidatos à presidência e articula um acordo com o FMI de $30 bilhões para a transição. A “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula, anunciada no dia 22 de junho, teve importante impacto, ao afirmar o compromisso com a estabilização da dívida/PIB, preservação de contratos e de  inflação controlada. Contudo, a crise só foi superada quando Palocci, escolhido como responsável pelo ministério da Fazenda, aponta a direção da política econômica,  e forma a equipe com  nomes-chave como Marcos Lisboa, Joaquim Levy e Murilo Portugal. Nesta transição, o Brasil mostrava a si mesmo e ao mundo o amadurecimento da sua democracia, com alternância de poder de forma pragmática. 

Crise de energia em 2001: liderança de Pedro Parente, um caso exemplar

Após reunião do conselho de política energética em maio de 2001, em que fora apresentada uma proposta draconiana de cortes de energia, Malan sugere ao presidente da República a importância de uma coordenação centralizada e focada, e sugere o nome do Pedro Parente para assumir a função. Aceita a sugestão, realizou-se, então, um trabalho singular em competência técnica, articulação e coordenação com o governo, setor privado e com a mídia, além de transparência e comunicação com a sociedade, que culminou com a superação da crise em janeiro de 2002. A postura ganhou especial reconhecimento e tornou-se um respeitado estudo de caso de como se lidar com uma crise. 

Papel do relacionamento e da confiança no Ministério da Fazenda

Para Pedro Malan, a presença de conflitos de interesse e motivações diversas dentro do governo e entre ministros constitui algo natural e destaca o privilégio de ter trabalhado com pessoas de extraordinária qualidade. Malan não deixa de mencionar o papel crucial do bom relacionamento com o presidente Fernando Henrique Cardoso para o desempenho no cargo. Com uma convivência de longa data, havia abertura para discussões e conversas fora dos encontros formais. 

A arte da política econômica: uma certa ideia de Brasil

Segundo Malan, a situação atual do país exige pensar políticas públicas para o estado – como em educação, saúde e segurança – e não para o governo momentâneo. Tal como na década de 1990, há, hoje, desafios prementes a serem enfrentados. Sob a ideia do amanhã, Malan pontua a necessidade da construção nomeada por ele de filme 3 por 4, onde o 3 diz respeito ao curto, médio e longo prazos, e o 4 às áreas da política macro e microeconômica, às reformas e à área social.  Como enfatizado em seu livro “Uma Certa Ideia de Brasil: entre passado e futuro”, Malan destaca que é preciso o Brasil conhecer o processo que o fez chegar onde está, pois um país que não tem consciência do seu passado dificilmente será capaz de projetar, de forma promissora, seu futuro. 

¹medida aprovada no Congresso Nacional em 1995, porém impedida por uma ação no STF, movida por partidos menores, em 2006, ano que entraria em vigor. 

²esse e outros discursos disponíveis aqui


Leituras sugeridas:

BACHA, Edmar. Belíndia 2.0: fábulas e ensaios sobre o país dos contrastes. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2012. 

Obs.: recomenda-se, em especial, a leitura da seção II capítulos 6 e 7 e seções III e V.

BACHA, Edmar. A crise fiscal e monetária brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.  

Obs.: recomenda-se a leitura das partes 5, 6 e 7.

FRANCO, Gustavo. A moeda e a lei: uma história monetária brasileira (1933-2013). Rio de Janeiro: Zahar, 2017. 

Obs.: recomenda-se a leitura dos capítulos 1, 8 e 9

 KENNAN, George F. Around the Cragged Hill. New York/London: W.W. Norton & Company, 1993. 

Obs.: recomenda-se, em especial, a leitura dos capítulos III (On government and governments) e  VII (Dimensions).

MALAN, Pedro. Uma certa ideia de Brasil: entre passado e futuro (2003-2018). Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.MALAN, Pedro. “Perspectivas do desenvolvimento com estabilidade”. In: VELLOSO, J. P. R. (coord.). Brasil 500 anos: Futuro, Presente, Passado.  Rio de Janeiro:  José Olympio, 2000 [XII Fórum Nacional, 2000].

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