Casa das Garças

De Wall Street à filantropia e à agenda verde: a nova jornada de Armínio Fraga

Data: 

12/05/2025

Autor: 

Arminio Fraga

Veículo: 

O Estado de São Paulo

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Houve uma época, no início dos anos 90, em que o economista Arminio Fraga era identificado como o homem de George Soros, conhecido então como o megaespeculador que quebrou o Banco da Inglaterra. Houve outra era, mais ou menos uma década depois, quando Arminio frequentava as manchetes como o presidente do Banco Central, num momento em que o Plano Real enfrentou uma de suas maiores ameaças. Hoje, Arminio usa seu prestígio, em parte do tempo, para fazer investimentos de impacto, filantropia e, ao mesmo tempo, dar seu aval a causas que considera importantes. Apoia e atrai outros endinheirados a temas relevantes.

“O Arminio patrocina pesquisas fundamentais, em áreas que têm desafios pouco mapeados do ponto de vista intelectual”, diz Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real e professor de Arminio no mestrado, na PUC-RJ.

Também estão na lista de investimentos startups com grande potencial de crescimento e transformações profundas nas áreas em que atuam: a Gen-t, que pode vir a ser o primeiro banco genético do País, e a Re.green, que pretende restaurar florestas tropicais em larga escala.

“A partir do momento em que o Arminio se tornou nosso acionista, foi como se tivéssemos ganhado um ‘selo’ de qualidade, um ‘powered by Arminio’”, diz Lygia Pereira, presidente da Gen-t. “Foi perfeito porque, quando eu vou conversar com um investidor, ninguém sabe quem é a Lygia, mas todo mundo sabe quem é o Arminio, o que é incrível.” Detalhe: Lygia é uma das maiores pesquisadoras de sua área no País e responsável pelo projeto Genoma do Brasil, da USP

Ao saber dessa história, durante a entrevista, Arminio abre um sorriso discreto. “Só não posso abusar, né? Porque, se não, o ‘selo’ perde a força.”

Virar sinônimo de chancela, em seu caso, significou uma longa jornada, na qual nem sempre o viram com bons olhos. Recentemente, por exemplo, uma declaração sua de que seria preciso congelar o salário mínimo por conta da previdência causou polêmica. Mas a rejeição foi maior principalmente na transição entre ser um símbolo do capitalismo mais selvagem do mercado financeiro americano para se tornar um servidor público.

Arminio tornou-se vice-presidente do Salomon Brothers, um dos maiores bancos de investimentos de Wall Street, aos 32 anos de idade. “Mas, cuidado”, diz ele, quando o assunto é abordado. “No Salomon tinha, sei lá, uns 300 vice-presidentes. Eu era só mais um.”

Modéstia de lado, ele chegou lá depois de ter trabalhado no Banco Garantia e ter dado aulas na PUC-RJ e na FGV-EPGE. Foi lecionar na Wharton School, uma das principais escolas de negócios do mundo, onde uma carreira promissora o aguardava. Mas a oportunidade apareceu e ele achou o trabalho no Salomon “espetacular”. “Era um lugar incrível”, afirma. “Meio selvagem, como o Garantia, mas, entendendo os códigos, havia grande honestidade intelectual.”

Foi quando veio o primeiro convite para fazer parte dos quadros do Banco Central. Arminio, que logo após a graduação em economia pensava em cursar um MBA no exterior, foi convencido por um de seus mentores, o economista Dionísio Dias Carneiro (1945-2010), a permanecer no País por mais um tempo para estudar e tentar um doutorado mais adiante, com bolsa de estudos.

Foi nessa época que aprendeu com mestres da economia brasileira e criadores do Plano Real como Pedro Malan, Edmar Bacha, André Lara Resende, Arida, Chico Lopes e Eduardo Modiano. “Sempre me alimentei da academia”, diz Arminio. “Seja na iniciativa privada, no governo ou no terceiro setor, opiniões e ideias de alta qualidade submetidas ao crivo de seus pares, sempre me ajudaram muito.”

Essa proximidade com os intelectuais que pensavam a macroeconomia do País acabou resultando no convite para o BC. Arminio trocou um salário de Wall Street pelo de funcionário público de nível graduado, mas não em topo de carreira, já que se tornaria diretor do Banco Central, responsável pela área de Assuntos Internacionais.

“O que me moveu a aceitar o convite foi tanto minha origem familiar quanto meus professores, que eram obcecados com política pública e desenvolvimento do Brasil”, diz ele. “Foi meio natural, já que tanto o Claudio Haddad (ex-CEO do Garantia) e o André Lara Resende (sócio do banco) haviam se tornado diretores do Banco Central.”

Em sua primeira passagem como servidor público, em 1991, Arminio tinha como missão ajudar o País a sair da moratória. Tinha 34 anos de idade quando fez parte das negociações da dívida externa do Brasil, definindo as grandes linhas dos acordos para países emergentes (Plano Brady) e público (Clube de Paris). Antes da implementação do real, era preciso buscar a estabilização da economia. “A gente tinha de limpar tudo”, diz ele. “Tínhamos clareza do que precisava ser feito.”

Porém, Arminio ainda teria mais uma passagem pelos EUA – novamente com toda a família a tiracolo. Dessa vez, iria ao ninho do homem que era o símbolo do capitalismo especulativo. Conhecido por encontrar falhas no mercado – e investir pesado contra elas -, em seu capítulo mais conhecido George Soros apostou US$ 10 bilhões que o governo britânico não conseguiria manter a libra esterlina valorizada.

Lucrou US$ 1,1 bilhão em um dia, no que ficaria conhecido como “Quarta-feira negra”. O governo britânico teve de tirar a libra do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio e as perdas totais para o país e suas empresas foram estimadas em 3,7 bilhões de libras.

O trabalho de Arminio na gestora de Soros era decidir quais posições seriam tomadas em investimentos em mercados emergentes e subemergentes. “Dependia muito de entender os ventos políticos para poder investir”, diz.

Ali, valia o olhar acadêmico, além do relacionamento. Hoje, diz ele, seria uma leitura muito mais difícil. “Atualmente há uma nova guerra fria e guerras convencionais acontecendo”, afirma. “É muito mais complexo e os problemas em potencial são muito maiores.”

Para Arida, a posição junto a Soros ajuda a revelar quem é Arminio. “É uma mesa, um computador e o mundo”, diz Arida. “Não é que alguém tenha dito a ele ‘faça A, B ou C’: ele tinha conhecimento, capacidade de trabalho e autoconfiança para lidar com desafios enormes, tanto na vida pública quanto no setor privado.”

Ao mesmo tempo em que ganhava muito dinheiro com ciclos e bolhas de mercado, Soros se tornou um dos maiores filantropos de seu tempo. Recentemente, inclusive, virou alvo de militantes ligados à extrema-direita brasileira, por investir em projetos que promovem direitos humanos e valores democráticos liberais ao redor do mundo, inclusive no País.

“Foi ali que acendeu a luzinha de que investir em filantropia é um bom uso do dinheiro”, diz Arminio. “Também que é preciso ser muito rigoroso na avaliação, identificação e uso para maximizar o impacto dos recursos.”

Depois de seis anos ao lado de Soros, Arminio recebeu o segundo convite, dessa vez para comandar o BC. Era 1999, logo após a reeleição de Fernando Henrique Cardoso.

Sua chegada foi acompanhada de ataques de diferentes frentes. Houve desde acusações de que o fundo de Soros havia lucrado com informações privilegiadas por conta da mudança, até que Arminio só havia voltado após perder bilhões num investimento − e o emprego.

“Eu cuidava das moedas asiáticas de países que tinham o câmbio fixo contra o dólar”, diz ele. “Era meio chato, até que vi um potencial grande de crise, com bancos muito alavancados, descasamento cambial, déficit em conta corrente e resolvi que o câmbio na Tailândia era insustentável.”

Arminio propôs e a gestora fez uma posição muito grande contra o Baht, a moeda da Tailândia, que rendeu ganhos comparáveis à Libra cinco anos antes. Seguro de que na Indonésia a moeda tinha depreciado demais, tomou uma posição na ponta comprada, que deu errado, devolvendo metade dos ganhos com o Baht. “Profissionalmente, foi um momento bastante difícil”, afirma.

Mas não resultou em demissão. Ao contrário. Arminio negociava abrir sua própria gestora no País, eventualmente numa parceria com Soros. Sobre uso de informação privilegiada, o economista Paul Krugman, que havia publicado uma nota a respeito em seu blog, fez uma retratação pública, dizendo-se equivocado.

Nem por isso, a sabatina para o BC foi fácil. Por 6,5 horas, Arminio respondeu a perguntas de senadores que o chamaram de “especulador”, “jogador”, “gênio do mal” e “raposa que queria cuidar do galinheiro”. “Era uma esquerda mais preconceituosa àquela época”, diz Arida. “Felizmente, o País amadureceu.”

Como contexto, o PMDB e o PFL, logo após uma reeleição difícil, ameaçavam deixar o apoio ao governo. “Eu sabia o que ia enfrentar”, afirma. “A sabatina foi longa, mas eu tinha uma linha de trabalho, confiança na equipe e, depois de duas horas, as perguntas começaram a se repetir.” Foi um vislumbre de que seria aprovado.

O momento, no entanto, era tenso. A âncora cambial que ajudou a dar estabilidade ao real havia deixado de existir pouco antes. Havia uma sangria de reservas internacionais sem precedentes e a inflação dava sinais de que poderia decolar. Muitos achavam que seria o fim do Plano Real.

Mas Fraga havia passado os últimos seis anos estudando e acompanhando crises globais como a do México (1994), a asiática (1997) e a da Rússia (1998). Além de pensar modelos monetários, conhecia as áreas internacionais de bancos centrais do mundo inteiro, graças a sua passagem anterior pela autoridade monetária. “Eu achava que tinha uma boa chance de interlocução para explicar o que estávamos fazendo e que a situação do País era administrável”, diz ele.

Uma das armas para aumentar as reservas em moeda estrangeira foi a alta nos juros. Sob a gestão de Arminio, o País teve a segunda maior taxa básica já registrada, de 44,9% ao ano. Foi quando o BC também passou a adotar o regime de metas de inflação.

“Eu compartilhava com meus críticos a visão de que os juros aqui eram absurdos”, afirma. “Acho até hoje, mas é preciso fazer o dever de casa: construir um regime fiscal crível e ter uma visão de política pública previsível, arrumada e decente”.

A gestora que Arminio fundou depois, a Gávea Investimentos, é uma das mais longevas, num setor em que negócios abrem e fecham com a mesma volatilidade do mercado. Eduardo Mufarej, fundador da gestora Tarpon Investimentos, conheceu Arminio num voo, indo de Cingapura a Pequim. Ambos estavam viajando a trabalho, num evento do Fundo Soberano de Cingapura, Arminio pela Gávea e Mufarej pela Tarpon, e sentaram-se lado a lado.

“A Gávea era um caso de muito sucesso no mercado brasileiro e eu estava muito inquieto sobre o que faria no próximo momento da minha vida”, diz Mufarej. “Tentei entender suas motivações em cada fase e se tinha valido à pena.” Para ele, a jornada pessoal por fazer a diferença é uma frente muito importante para Arminio.

Os investimentos de Arminio no terceiro setor incluem o Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), no qual investe há cinco anos. Tem quase 50 funcionários, sobretudo pesquisadores. Além de pesquisas sobre políticas públicas, o IEPS acompanha o orçamento da Saúde, tem programas de qualificação de agentes e de avanço de saúde digital, entre outras frentes. “Temos uma visão mais sistêmica não de medicina, mas de saúde”, diz ele.

Arminio também fundou, ao lado do também economista Paulo Tafner, o Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), que tem como objetivo pensar, testar e acompanhar a execução de políticas públicas que priorizam a mobilidade social. Entre os projetos, há a primeira avaliação do Bolsa Família longitudinal, do Programa Jovem Aprendiz, de uma fábrica num município de pequeno porte ou de programas de ensino integral.

Além disso, também tem recursos aportados na Re.green. A empresa pretende trazer de volta biodiversidade a 1 milhão de hectares de terras degradadas, com aquisição de propriedades e parcerias com proprietários e empresas. Se tornará geradora de créditos de carbono, com cuidado desde a produção de mudas até a floresta em pé, com processos automatizados de análises técnicas e financeiras. “O Marcelo Medeiros, sócio da Lanx Capital, estava no projeto ao lado do João Moreira Salles e buscavam um terceiro investidor”, diz Arminio. “Achei sensacional e me atirei rápido: no fim da primeira ligação, eu já estava dentro.”

Segundo ele, a Re.green tem a cara do Brasil, com muito espaço para ser trabalhado numa área de preocupação crescente no mundo. “É um investimento para ganhar dinheiro – e é importante que seja assim”, diz ele. “Talvez seja um pouco mais arriscado do que meus investimentos tradicionais, mas há muita ciência, os melhores centros de pesquisa e gente séria e competente na startup.”

Para ele, é um bom exemplo do que é investir com impacto, uma onda do bem contemporânea. “Tem muitos riscos, ainda mais com a governança mundial espatifada mas, dando certo, pode ir muito longe”, diz.

Na Gen-t, o raciocínio é um pouco diferente. Arminio não é um dos principais investidores e a empresa de mapeamento genético nasceu menor − mas com ambições gigantescas. Os bancos genéticos que existem hoje no mundo são em países desenvolvidos, cuja diversidade populacional é muito menor do que a brasileira. Como a indústria farmacêutica busca diferentes perfis genéticos para desenvolver tratamentos mais eficazes para a maior parte da população, a Gen-t tende a ser mais valiosa do que seus pares internacionais.

“É uma empresa que tem chance de ir longe, mas é quase um longe de ficção científica, de tanta coisa que pode sair dali”, diz Arminio. Para Lygia, sua vida dura como CEO de startup tem um alívio quando conversa com Arminio. “O olho dele brilha quando falamos sobre o que pode acontecer”, diz ela. “Saio renovada de cada conversa.”

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