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Para Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central e atual presidente do conselho do banco Credit Suisse no Brasil, caso a situação na área da saúde continue a se deteriorar, a economia não vai se recuperar no segundo semestre
1) Quais são os impactos econômicos e sociais da lentidão da vacinação?
Nesse caso, não há uma separação da economia e da saúde. O custo em termos econômicos é
brutal, em termos de vidas também. Há previsões de óbitos que chegam a 500 mil. O ritmo lento da vacinação está reduzindo as expectativas de crescimento do PIB, de estabilidade fiscal, e tem impacto na inflação e nos juros.
2) O presidente Jair Bolsonaro continua falando contra medidas de distanciamento social. Qual é o preço que pagamos pela visão negacionista?
A percepção da falta de bom senso e de não seguir a ciência em termos da gestão da pandemia
gerou problemas. Além dos efeitos econômicos, gerou uma percepção de falta de liderança. Em
momentos de crise grave, você precisa de uma liderança não só para coordenar, mas para não
trabalhar contra. É complicado você pedir isolamento social, porque isso custa a renda das pessoas, mas a renda a gente pode repor, a vida não. Usar máscara é algo difícil, não é natural, a gente precisa falar nas famílias, nas empresas. Se o exemplo (do presidente) é não usar a máscara, fica pior ainda. Neste momento, a gente deveria estar andando para o outro lado, de não só usar máscaras, mas distribuir máscaras boas, N95, Pffz. Distribuir é barato perto do resto que você tem de fazer. Você não tem de discutir se a vacina vem da China, se é daqui ou de lá. Tem de perceber a pandemia como uma crise humanitária das mais graves e negociar com essa cabeça. E o Brasil, de fato, só negociou quando houve uma pressão generalizada.
3) O senhor acha que teremos uma vacinação mais célere neste ano?
Não vai ser agora, nem em maio, que teremos a aceleração que eu gostaria. A gente está sempre prometendo um ritmo acelerado para o mês que vem, mas entregamos menos. Deveria prometer menos e entregar mais. Estamos muito longe de uma vacinação que possa interromper esta crise. O isolamento pode ajudar, mas ainda estamos longe.
4) O Congresso discute uma mudança que permita à iniciativa privada comprar e aplicar vacinas. Qual é sua opinião sobre o tema?
Se a vacinação estivesse andando de forma adequada, não haveria esse apelo dos empresários para tentar trazer a vacina por conta própria. O importante é ter o máximo de oferta de vacinas disponível no Brasil e também um plano de priorização que inclua grupos de risco. Se as iniciativas pudessem aumentar a oferta e não passar nenhuma percepção de injustiça e de privilégio, aí valeriam a pena.
5) O Orçamento aprovado pelo Congresso subestima despesas obrigatórias e faz concessões a emendas parlamentares em um momento de aperto fiscal. É possível arrumar esses problemas? Não é bom quando o Orçamento precisa ser remendado imediatamente depois de ter sido aprovado. A gente vai ter remendos parciais, que nos permitem não termos 0 pior cenário, mas não são suficientes para que tenhamos um Orçamento bem realista, que respeite nossos limites (fiscais) e cuja priorização enderece o que a gente precisa. Precisamos de dinheiro para a educação, para a saúde, para proteger os mais vulneráveis neste momento.
6) Ceder a emendas parlamentares parece ser parte do custo político da base de apoio ao governo…
Em um Orçamento bem-feito cabem algumas emendas legítimas, no sentido de levar a estados e municípios demandas da sociedade. Tem espaço, mas a pergunta é o tamanho, o que você teve de cortar, o que você não quis cortar. Esse tipo de decisão é que não está correta. Tivemos gastos subindo no Brasil durante muitos anos, isso gerou consequências indesejáveis, como uma carga tributária e uma dívida muito altas para um país emergente e, na época, uma inflação muito alta, que prejudicava os mais pobres. A raiz do problema foi o crescimento dos gastos. Aí colocamos o teto de gastos e, hoje em dia, o teto, nosso único limite, está sendo vítima de uma crítica, como se ele fosse a raiz de nossos problemas, e não nossas más escolhas, nossas incapacidades de gerir de uma forma eficiente o que a gente arrecada.
7) O governo reeditou o auxílio emergencial em um formato menor e fala em relançar o BEm, que permite a redução de jornadas de trabalho e a suspensão de contratos. Isso será suficiente?
A gestão dos próximos meses será fundamental para definir o tamanho da ajuda de que você precisa, que, por sua vez, vai definir a situação fiscal e a recuperação da economia, sem falar do custo de vidas. Se, nesse período, a gente perder por completo a situação para a pandemia, com um colapso ainda maior na saúde, a economia não vai se recuperar no segundo semestre. E aí o gasto com auxílio emergencial e com a proteção ao emprego vai ser muito maior e inevitável.
8) O quadro fiscal é de um endividamento alto, e a pandemia pode demandar mais ajuda social.Como resolver essa questão?
Como o dever de casa de ter vacinação em tempo hábil não foi feito, há uma obrigação de proteger os mais vulneráveis. Muita gente diz: “Protege e esquece o resto”. O resto é o nosso futuro. A dívida pública não está na mão do estrangeiro, está na de brasileiros, de quem poupou ao longo da vida, tem um fundo, um saldo em conta. Isso é o futuro da classe média. Por outro lado, você está ameaçando a vida dos que não conseguem se proteger neste momento de isolamento. Não é uma equação fácil.
9) Qual é a solução?
A gente sabia qual era: levar a pandemia a sério e fazer escolhas difíceis, proteger os vulneráveis, proteger os empregos, mas cortar (gastos) em outro lugar. A gente tem falado em fazer reforma tributária, melhorar a educação, a gente insiste na abertura da economia para ter mais competição, tudo isso é válido. Mas, no momento, a gente precisa ser capaz de diminuir as incertezas, os conflitos.
10) A impressão do mercado é de que as reformas administrativa e tributária não vão sair do papel. O senhor acha possível evoluir nessas discussões?
Não sou otimista. Agora nossos objetivos são mais humildes. Temos de chegar a 2023 com o mínimo de cicatrizes e consequências desagradáveis. As reformas são importantes, mas terão de vir depois. Estamos aqui disputando algo mais essencial, que é chegar a 2023 mais ou menos sãos e salvos.
11) Temos um nível alto de polarização estimulado pelo próprio presidente e uma antecipação do cenário eleitoral com a volta do ex-presidente Lula ao quadro político. Como o senhor vê esse panorama?
É um tema fundamental. O Brasil merece uma agenda sem extremos, a favor da democracia, que tenha o governo para todos os brasileiros, e não para uma parcela pequena de um lado ou de outro. Nós precisamos de uma agenda que volte a empolgar a todos, principalmente aos jovens, com o futuro. Todos temos de trabalhar em uma agenda que una o país, que alavanque o crescimento, reduza privilégios, proteja os vulneráveis, mantenha a estabilidade fiscal e monetária e direcione o Estado para cuidar do básico, como saúde, educação, meio ambiente. Precisamos dar suporte a lideranças que indiquem um caminho, que tenham essa agenda. Não basta apenas não ser o outro.
12) Alguma dessas duas lideranças tem capacidade de representar essa agenda?
Muita gente vê a necessidade de uma liderança diferente, que possa unir todo mundo e ofereça um futuro que não seja apenas a antítese do outro.
13) O BC tem aumentado a taxa básica de juros para tentar controlar a inflação. Para setores produtivos, no entanto, a inação se dá principalmente por choques externos, e aumentar os juros prejudica a economia. Como o senhor vê isso?
A gente deve trabalhar para controlar a inação, ela deve atingir quase 8% em 12 meses em maio, e isso pode levar a uma desancoragem de expectativas. O BC está certo em trabalhar para ancorar expectativas e subir os juros. Mesmo com a Selic subindo, ainda teremos um juro negativo, o que acaba facilitando a subida da inflação. O quadro fiscal está com dificuldade, o que gera um risco maior, o que também gera mais inflação.
14) Temos um real bem desvalorizado. Esse patamar será o novo normal para o câmbio?
O grande avanço que a gente teve nos últimos anos é o Brasil voltar ao patamar de juros consistente com o resto do mundo, de um dígito. Isso requer que o lado fiscal, o dos conflitos políticos, dos problemas jurídicos e das intervenções estatais sejam muito menores. Se você tem juros em um patamar igual ao resto do mundo, mas tem muita incerteza, o câmbio fica mais depreciado, como você está vendo. Os ativos têm de ser baratos se o juro é baixo e a incerteza é alta. E o câmbio faz os ativos do Brasil ficarem baratos em dólar.
15) O preço dos ativos mais barato em dólar, segundo o governo, é uma vantagem na hora de atrair investidores estrangeiros para concessões, como as dos aeroportos. Isso faz sentido?
O Brasil ficou barato, mas é um barato não à toa, e sim porque a incerteza aumentou. Nossa imagem caiu em várias áreas: na política externa, na ambiental, na percepção de intervenção na Petrobras e no Banco do Brasil. A gente não imaginava que voltaria a ter esse tipo de intervenção, foi uma volta ao passado não muito longínquo. Seria melhor a gente ter menos incertezas e ser menos barato
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