Casa das Garças

30 anos depois do Cruzado, indexação ainda é problema

Data: 

28/02/2016

Autor: 

Edmar Bacha

Veículo: 

Folha de S. Paulo

Compartilhe: 

Durou cinco meses a riqueza repentina fabricada pelo Plano Cruzado, que neste domingo (28) completa 30 anos.

O Gurgel e os fiscais da Sunab faziam sucesso nas ruas.

Em julho daquele ano, porém, começou a fazer água o primeiro plano econômico pós-ditadura, que mobilizou consumidores e catapultou a popularidade do presidente José Sarney, que havia assumido o cargo após a morte de Tancredo Neves.

O economista Edmar Bacha, 74, participou da equipe que elaborou o Cruzado. Repetiu a dose no Real, em 1994.

Hoje, Bacha diz que só a confiança pode catapultar a economia brasileira – e sem Dilma. A seguir, a entrevista.

Folha – Há economistas que pensam que estaríamos diante de uma nova década perdida. O que o sr. avalia?
Edmar Bacha – Perdemos a década [de 1980] porque não soubemos lidar com o processo inflacionário que a democracia herdou da ditadura. Fizemos uma série de planos que foram contraproducentes. Além disso, tínhamos a dívida externa, sem nenhum reserva, o que levou o Sarney a decretar a moratória, em 1987. Acho que é um pouco de exagero. Claro que houve erros de política econômica, mas esses dois problemas não estão presentes.

Quando caiu a ficha de que o Plano Cruzado fracassaria?
Eu era presidente do IBGE, e a partir de abril [de 1986] os pesquisadores começaram a reportar que faltavam produtos nas prateleiras. A cada semana essa parcela de bens inexistentes aumentava. Estávamos caminhando para uma situação insustentável do congelamento.

O que deu errado?
O pecado original era o arrocho salarial da ditadura. A democracia não podia fazer o mesmo. Antes do congelamento, os salários recberam um abono de 8%, e o salário mínimo, de 15%. Ou seja, o salário real ficou mais alto e a lei previu que, quando a inflação chegasse a 20%, um gatilho seria acionado para corrigir os salários. Criou-se uma armadilha. Nada disso estava na concepção original do plano. Fizeram o descongelamento sem alterar o gatilho, os preços mudaram e a inflação foi rapidamente a 20%. E depois subiu mais.

Hoje existe a dificuldade do governo em discutir medidas impopulares, como a reforma da Previdência.
A questão é sempre essa. Primeiro é preciso reconhecer que as decisões têm de ser tomadas. E não só a reforma da Previdência, mas esse mecanismo de correção do salário tem de mudar. O custo está muito alto em termos de desemprego para quase nada de redução de inflação. Isso nos faz ter de lidar de novo com a indexação [correção quase automática de preços olhando a inflação passada].

O que sugerir a um governo que estuda adotar medidas impopulares?
É preciso ter um governo que tenha confiança. É engraçado porque o Plano Real foi feito no governo Itamar, que tinha acabado de demitir três ministros da Fazenda, o Congresso estava uma grande confusão com a CPI dos Anões do Orçamento. Não havia propriamente confiança. Mas, quando Fernando Henrique foi nomeado e chamou de volta a equipe do Cruzado, no mundo político foi uma transformação: “Esses caras sabem o que fazem e dessa vez vão fazer direito”.

Por que o Plano Cruzado ficou tão marcado na memória, apesar do fracasso?
As pessoas de repente ficaram ricas!

O perigo da hiperinflação está superado?
Não é fácil fazer uma hiperinflação. Todas as que existiram, fora a nossa, foram resultado de guerras. O que pode acontecer é ter uma inflação que vai corroendo, que está 10% agora e vai para 20%. E aí chega um ponto em que se começa a indexar, há um choque de oferta e se chega a 50% ao ano. A indexação oficial é mais difícil de mudar. Mas a que está na cabeça das pessoas só se muda com confiança. Ninguém hoje acredita na meta [de 4,5% ao ano]. O governo perdeu a credibilidade.

O que preocupa na economia?
O problema principal é restaurar a confiança. Você pode até discutir o que fazer, mas se entrar um governo com um plano sensato. Não com uma nova matriz econômica [lançada pelo ex-ministro Guido Mantega], que foi um produto maluco do boom das commodities e da crise financeira internacional. Se entrar uma equipe econômica respeitada, com um governo legitimado, muda o clima rapidamente. Não sei se a presidente [Dilma] teria condições de fazer isso.

É a favor do impeachment?
Eu sou a favor das eleições gerais em outubro [anulação da eleição de Dilma pela Justiça Eleitoral], essa é a única solução para o país.

A presidente não seria capaz de recuperar a confiança?
Ela [Dilma] teve a oportunidade de fazer isso, quando ventilou a ideia de sair do PT e convocar um governo de união nacional. Mas optou por não fazer isso. Com o PT ela não conseguirá, o PT está dizimado pela Lava Jato.

Essa pode ser a pior crise da nossa história?
A situação é ruim, mas por outro lado a Lava Jato está fazendo coisas que nunca se imaginou no país.

 

PLANO CRIOU EXPLOSÃO DO CONSUMO

Lançado em uma sexta-feira de 1986, o Cruzado teve a marca principal no congelamento de preços.

Inspirado em um programa lançado em Israel, o Cruzado mudou a moeda -de cruzeiro para cruzado- e produziu uma explosão de consumo.

O governo lançou mão de promessas, como a de “laçar bois no pasto”, para aplacar a crise de oferta, mas não deu certo.

Sem redução dos gastos do governo, a demanda cresceu e a inflação escalou até chegar a hiperinflação, três anos e outros planos econômicos depois.

Compartilhe esse artigo:

Leia também:

O que economistas têm a dizer sobre a democracia e a riqueza de países?

Data: 

Autor: 

Veículo: 

18/11/2024
Claudio Ferraz
Folha de São Paulo

Um novo “Breton Woods”? – a grande ilusão

Data: 

Autor: 

Veículo: 

18/11/2024
Pedro S. Malan
Revista Inteligência

Armínio Fraga: cortar na saúde seria crime

Data: 

Autor: 

Veículo: 

14/11/2024
Arminio Fraga
O Globo