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O leitor certamente conhece o fenômeno social conhecido como “gato”.
Sua presença pode ser atestada em postes com imensas teias de fiações, parecendo uma mistura de vários tipos de macarrão decorando a paisagem urbana.
O gato é um fenômeno social complexo, da família do jeitinho e da cunhadagem. Consiste num subsídio ou gratuidade oferecida a um indivíduo ou grupo e cujo custo é “socializado”. Não se enxerga bem quem paga e quem recebe muitas vezes acha que é seu direito não pagar, e porque ninguém nunca cobrou mesmo. É uma lógica típica de nossos tribunais trabalhistas de acordo como os quais se você recebeu uma graça, uma vez ou duas que seja, por qualquer motivo, é seu direto assegurado para sempre. Passa a fazer parte de seu “vínculo empregatício” com o sistema, e não pode mais ser rompido, não sem uma indenização generosa.
Há gatos em toda parte, caso você não tenha percebido.
Na energia elétrica, o assunto está bem organizado: o roubo de energia é tolerado pelas empresas concessionárias pois são autorizadas a cobrar o custo do gato de quem paga as contas. Recentemente, inclusive, tivemos uma discussão sobre a extensão das gratuidades de energia para certas comunidades, e da correspondente ampliação da mordida sobre os outros consumidores.
Tudo se passa como se houvesse um “mini” orçamento público, no âmbito do qual um subsídio, expressa ou implicitamente determinado pelas autoridades, é financiado por um imposto, um “adicional” na conta, que, todavia, jamais aparecem com esses nomes e não passam nem perto de entrar na conta da carga tributária e do tamanho do governo.
É muito claro que há gatos no transporte público, no saneamento, nos derivados de petróleo, e mesmo na cultura. Esses gatos mais sofisticados às vezes são descritos como “subsídios cruzados”, como poderiam ser designados como “impostos ocultos”. Tenha-se claro: sempre que há uma “tarifa social”, alguém está pagando em dobro, e já estava na hora de fazer essa conta.
O gato, tal como aqui descrito, é extensamente praticado no mundo do crédito.
O quadro geral é simples: o crédito total no Brasil é da ordem de 47% do PIB, algo como R$ 3 trilhões, sendo que metade é direcionado e subsidiado, custando cerca de 8,5% ao ano em média, enquanto que a outra metade, o crédito “livre”, aquele concedido para as pessoas comuns, físicas e jurídicas, custa 35% em média (21% para as PJs e 46% para as PFs).
Isso não era assim em 2008. Daí até meados de 2017, o crédito direcionado foi de 13% para os 23,5% do PIB, e correspondentemente o crédito de bancos públicos foi de 14% para 30% do PIB no período. Dilma Rousseff gostava de gatos, e por isso mesmo ampliou essa “órbita do favor” no mundo do crédito, um gato muito grande, praticamente uma onça, a onça da “Nova Matriz”.
A conta sobre o tamanho do imposto oculto é simples: se a taxa de juros média (21,6%) fosse aplicada para todos, então, a cada ano, o pessoal do crédito livre estaria pagando 13% a mais sobre um saldo de aproximadamente R$ 1,5 trilhão, ou seja, R$ 195 bilhões, ou 3% do PIB.
Sim, o excesso de “spread” sobre o crédito livre tem a natureza de um imposto sobre a sofrida classe dos devedores e custa 3% do PIB a cada ano. É um imposto oculto sobre o crédito criado por determinações regulatórias, mas parece um produto da ganância dos bancos. É um disfarce perfeito para um aumento na carga tributária.
É claro que há impostos ocultos nos preços dos serviços públicos, e em grande quantidade, de modo que você paga muito mais impostos do que andam lhe falando.
O leitor poderá argumentar que é justo que os idosos não paguem certas contas, ou as crianças, os índios, os agricultores e os tomadores de crédito habitacional. Mas o que não me parece correto é que essas gratuidades não sejam feitas no âmbito do orçamento público onde todos os direitos adquiridos se apresentam em conjunto e se encontram diante de uma restrição orçamentária e de uma definição de prioridades determinada pelos representantes do povo.
Ao menos desse jeito ficamos sabendo quanto se paga de impostos e quanto se gasta, para dizer o mínimo.
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