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Israelense radicado no Brasil, o economista Ilan Goldfajn foi um dos responsáveis pela transição do modelo econômico que vigora atualmente no país. À frente do Banco Central de agosto de 2016 a fevereiro de 2019, exorcizou a economia do descontrole da inflação e das taxas de juros altíssimas. Atual presidente do conselho do Credit Suisse, um dos maiores bancos privados do mundo, ele ainda é lembrado pela passagem no BC. “Até hoje me param na rua para dizer que eu acabei com a poupança das pessoas”, brinca. Goldfajn liderou o fim da taxa de juros de longo prazo (TJLP) e colocou a agenda digital do banco para girar, deixando uma máquina eficaz e bem azeitada nas mãos de Roberto Campos Neto, que tem seguido sua cartilha. Professor, mestre e doutor em economia, Goldfajn acumula feitos no currículo como o de ter sido eleito o melhor presidente de banco central do mundo pela revista The Banker, em 2018. E, apesar do perfil discreto, não se faz de rogado ao criticar os rumos atuais da economia brasileira, principalmente a direção que toma o projeto de reforma tributária. “A CPMF é a porta de mais impostos, não para desoneração”, diz.
Como o senhor avalia a atuação do Banco Central e do Federal Reserve americano no enfrentamento das incertezas decorrentes da pandemia de coronavírus? Os bancos centrais, de maneira geral, atuaram de forma imediata e bem. O nosso BC demonstrou bastante convicção. Os mercados se estabilizaram relativamente rápido, as bolsas de valores retomaram. Ou seja, os bancos centrais foram bem-sucedidos. Também temos de levar em consideração que o nosso problema não é dos mercados. A nossa crise não é no mesmo molde da de 2008, quando tivemos a questão do subprime, de bancos que quebraram, de excesso de risco tomado, bolhas. A crise está ligada a uma pandemia. Vem de fora da economia. As medidas de isolamento social, embora necessárias para conter o contágio, acabam afetando a economia. Para mitigar o impacto nas pessoas que não têm poupança e perderam o emprego durante a pandemia, os bancos centrais agiram e disponibilizaram os auxílios emergenciais. Isso ocorreu em todo o mundo. Há também que se preocupar com as empresas, principalmente as que não têm o fôlego necessário para sobreviver a este período. Os dois pilares dos governos, em todo o planeta, são de ajuda às pessoas e às empresas. Aqui no Brasil, o que funcionou muito bem foi a parte relacionada às pessoas. O socorro às empresas, também fundamental, tem sido mais difícil.
Qual a importância de se avançar a agenda de reformas no país neste momento de Orçamento fragilizado? O Brasil fez algumas reformas relevantes nos últimos tempos e continua fazendo. Teve a reforma do teto de gastos, a reforma trabalhista, a mudança da TJLP para TLP, o novo marco do saneamento básico e a reforma da Previdência. Não é que o Brasil esteja parado. Os avanços estão acontecendo. Só que os nossos problemas são maiores. O meu receio é de que não haja consenso político nem capacidade da sociedade para avançar nas reformas. Em vez de se pensar nas reformas que vão fazer a gente crescer mais, o que se fala é em como se gastar mais. Isso é um erro. O nosso problema é esse gasto. De cada 1 real que você autoriza a gastar, cerca de 70% a 80% vão para o ralo. O Auxílio Emergencial, por exemplo, foi uma medida muito importante, bem-sucedida, mas muito dinheiro acabou nas mãos de pessoas que não precisavam. É necessário focar em gestão, para fazer o dinheiro chegar à ponta de uma forma mais eficiente. Enquanto nós não fizermos isso, não vamos avançar mais. A importância de seguir com as reformas é fazer com que o Brasil consiga crescer, o que tem sido muito difícil nos últimos anos.
“A nota de 200 reais anunciada pelo Banco Central é um sinal claro de que a CPMF está vindo. Ela será um retrocesso. A agenda de digitalização do BC corre o risco de desaparecer”
Hoje o senhor comanda uma instituição privada, mas teve uma passagem marcante na carreira pública, presidindo o Banco Central por quase três anos. O que o senhor destacaria de sua atuação no BC? Algumas coisas me deixam orgulhoso. Uma é termos perenizado o juro e a inflação mais baixos. Hoje em dia nós temos a inflação um pouco abaixo da meta, mas a expectativa futura é que a inflação fique entre 3% e 4% ao ano. Essa perspectiva de longo prazo está ótima, porque condiz com o que somos, um país emergente. A queda na taxa de juros é uma tendência que vem de longa data. Quando eu assumi o Banco Central, estava em 14%, terminou em cerca de 6%, e o mais importante é a sustentabilidade disso. Não adianta reduzir os juros e o próximo que entrar ter de subir a taxa novamente. Uma das coisas que me dão prazer é sentir que houve uma queda que resistiu à subida de juros do Fed em 2018, às incertezas das eleições, ao novo governo, e está resistindo à pandemia. Com juros civilizados, de volta ao mundo normal, conseguimos pensar em outras questões, como produtividade, crescimento e educação. Outro ponto foi ter dado tração à agenda digital do Banco Central, focada na eficiência das questões de pagamento, de concorrência e redução dos compulsórios.
O mercado está olhando com certo receio para mudanças no teto de gastos. Uma pesquisa recente da XP com 81 investidores institucionais mostra que 54% deles acreditam que a regra fiscal será flexibilizada, descumprida ou até extinta em 2021. Como o senhor vê isso? Isso seria um grande risco para a recuperação econômica e a sustentabilidade da nossa dívida a curto prazo. O excesso de gastos foi o que inviabilizou o crescimento e levou ao aumento exponencial da nossa dívida e da inflação nas últimas décadas. Por causa disso, estamos tentando fazer reformas para retomar o crescimento e estabilizar as dívidas. Essa política de descontrole das despesas é o que acaba travando o crescimento do país. É o teto de gastos que nos permite, por exemplo, ter os déficits que temos. O teto dá confiança ao mercado e possibilita ao país, mesmo fazendo tantos gastos, ter uma taxa básica de juros menor. Se o teto for flexibilizado a ponto de perder a sua âncora de sustentação, não vai ter dinheiro para saúde, educação ou para investimentos públicos. Ter uma âncora de consistência da responsabilidade fiscal é fundamental para alcançarmos uma sociedade mais justa e mais estável.
Por que a agenda digital é tão importante para o Banco Central? Porque ela traz modernidade ao BC, permite ao cidadão ter mais controle de seus dados, pagamentos e investimentos. A principal vantagem que essa digitalização traz é a menor necessidade de se usar o papel-moeda, que virou algo do passado, associado, muitas vezes, a atividades ilegais. Outra característica é o estímulo à competição. E não somente das novas instituições, dos bancos digitais e das fintechs, mas forçando também os bancos estabelecidos a se digitalizar e oferecer um serviço melhor aos seus clientes.
O Banco Central anunciou recentemente a nota de 200 reais. Essa medida não contraria a agenda digital do BC? A nota de 200 reais é um sinal claro de que a CPMF está vindo. Se isso realmente acontecer, será um retrocesso. A agenda de digitalização do Banco Central vai desaparecer porque você volta a jogar papel-moeda no mercado. O uso massivo desse meio beneficia atividades ilegais. Enquanto o mundo todo está pensando em formas para eliminar as notas mais altas, nós vamos incentivar as pessoas na direção contrária. Na pandemia, o Auxílio Emergencial de 600 reais demandou mais papel-moeda. Mas isso é uma questão conjuntural. Os informais precisam de dinheiro vivo para sobreviver, porque quase todos são desbancarizados. O PIX é uma forma de fazer com que as pessoas usem menos cash. Isso é bom. Quando você tem menos dinheiro em circulação, há menos espaço para corrupção, com malas cheias dessas notas, e atividades ilegais.
Em que sentido o imposto sobre transações eletrônicas, defendido pelo ministro Paulo Guedes, se torna um problema para a agenda de digitalização? O que está sendo discutido é o imposto velho, sobre transações. Algumas pessoas que têm o azar de precisar transferir mais dinheiro para cá e para lá vão ter de pagar mais do que quem não tem de transferir. Isso gera distorções. A CPMF não é um imposto moderno. Trata-se de um imposto distorcido. Podemos chamar de CPMF porque é exatamente isso que está sendo criado, e a ideia de que será usada para desonerar a folha de pagamento não procede. A CPMF é a porta de mais impostos, não para a desoneração. Vai servir para arrecadar mais 100 bilhões de reais por ano e terá outros efeitos. A competição do sistema bancário, por exemplo, vai sofrer. Os juros vão subir. Os spreads bancários serão maiores. Sobre esses 100 bilhões de reais eu só peço que pensem bem, porque alguém vai ter de pagar. Se é para aumentar a arrecadação, o caminho correto é reduzir privilégios e fazer um imposto mais progressivo. É mais difícil, mas é mais justo.
Como o senhor avalia a possibilidade do teto de juros do cheque especial durante a pandemia? Eu nunca fui a favor. Quem estuda a história brasileira sabe que congelamentos não funcionam no Brasil. Seja o congelamento de preços no supermercado ou até de ativos financeiros. A última coisa que a gente quer agora é fragilizar o sistema financeiro, em um momento em que você está saindo de uma pandemia, tendo de lidar com o legado de dívidas altas. Seria um contrassenso fragilizar o sistema.
“A pandemia está deixando um legado econômico e fiscal para o Brasil. Mas não só isso. Vamos ficar também com a imagem de um país que não valoriza a vida nem o meio ambiente”
O Brasil tem um histórico de país rentista. Por causa do juro baixo, muitas pessoas migraram para a renda variável. Essa movimentação veio para ficar? Estamos em um mundo novo. Um mundo de juro baixo, onde as pessoas passarão a investir mais em imóveis, infraestrutura e na bolsa. Esse mundo veio para ficar. Agora, tudo tem seus riscos. O risco é o Brasil não fazer o dever de casa, achando que o juro pode ficar baixo mesmo com o descontrole fiscal, que você pode eliminar o teto e não colocar nada no lugar que ele vai ficar parado. Para continuar nesse caminho, temos de persistir na direção da atividade fiscal, e adicionar eficiência, gestão e a reforma tributária.
Qual é a importância de uma política de proteção ambiental efetiva para reter investidores globais no Brasil? A pandemia está deixando um legado econômico e fiscal para o Brasil. Mas, além disso, a gestão da pandemia deixará a imagem de um país que não valoriza a vida e não cuida do próprio meio ambiente. Quando você escuta um ministro numa reunião ministerial dizendo que quer passar, em meio à pandemia, algumas medidas que permitam mais o desmatamento, isso passa uma imagem feia do Brasil para o mundo. Parece que o governo percebeu isso e resolveu se mexer. Quem sabe não seja essa a oportunidade para que o país possa enxergar melhor a importância da proteção da Amazônia e ter fundos de investimento que apoiem esse trabalho? É o melhor a fazer.
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