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A emenda constitucional aprovada pela Câmara dos Deputados tem como objetivo “abrir espaço” no teto para maiores gastos. O calote parcial dos precatórios e as mudanças casuísticas nos indexadores de gastos (para se beneficiar da maior inflação) abriram espaço superior a R$ 90 bilhões no antigo teto. É útil colocar em perspectiva essa iniciativa momentosa, que teve evidente apoio do Poder Executivo.
Em entrevista dada em novembro de 2014, logo após sua reeleição, Dilma Rousseff afirmou: “Ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas, (…) o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar”. Surpreendente declaração para alguém que naquele momento já vinha de cinco anos à frente da Casa Civil e quase quatro anos como presidente da República, apresentada que fora como a melhor gerente de que o País dispunha. Haviam se passado nove longos anos desde que, ministra-chefe da Casa Civil, havia tachado de rudimentar o embrião de proposta então em discussão na área econômica, de reduzir a velocidade de crescimento dos gastos primários do governo; e acrescentado seu famoso “gasto é vida”.
Em junho de 2013, em resposta às históricas manifestações de rua, a presidente havia proposto cinco pactos. O primeiro dizia respeito à Responsabilidade Fiscal: “Controle de gastos para garantir a estabilidade da economia e conter a inflação. Este é um pacto perene para todos nós”, declarou Dilma. Os demais referiam-se à reforma política, saúde, educação e transporte público. Todos foram esquecidos à medida que a campanha eleitoral pela reeleição avançava e tudo dominava.
Exatamente como agora. Não é convincente o argumento de que o espaço criado pela PEC dos Precatórios será destinado fundamentalmente a um Bolsa Família rebatizado e a um rendimento mínimo (auxílio emergencial) de R$ 400 para outros vulneráveis além dos beneficiários do antigo Bolsa Família. O presidente já anunciou um auxílio específico de pelo menos R$ 400 para cerca de 750 mil caminhoneiros. E é forte a demanda por aumentos significativos nos fundos eleitoral e partidário e nas emendas do relator.
Lançou-se, não resta dúvida, elemento adicional de incerteza sobre a sustentabilidade da situação fiscal no País, acentuada pela pressão estrutural, que comento há tempos neste espaço, por aumento de gastos públicos – demandas que excedem em muito a capacidade do governo de atendê-las. Grandes democracias de massas urbanas não são naturalmente propensas a tomar decisões cujos benefícios são difusos e de longo prazo; e que imponham custos, no curto prazo, a grupos de interesses articulados e vocais. Que isso por vezes aconteça deve-se a lideranças esclarecidas, dotadas de base de apoio e forte capacidade de convencimento, e/ou à existência de parcela expressiva da opinião pública que compreenda os custos envolvidos na procrastinação de decisões inafastáveis. Ambas, condições difíceis de alcançar, devem ser construídas.
Parte do País terá que se dedicar a essa construção ao longo dos próximos 12 meses. Dado o descalabro dos últimos anos, as eleições de outubro de 2022 serão das mais importantes de nossa história. Não me refiro apenas à economia. A busca pela estabilidade e previsibilidade no âmbito da economia é condição necessária para que o País possa enfrentar graves problemas nas áreas de educação, saúde pública, segurança, meio ambiente, ciência, cultura, corrupção, miséria e extrema desigualdade de oportunidades, que está na raiz da nossa flagrante desigualdade econômica e social.
Toda sociedade tende a produzir hierarquias e desigualdades. As social-democracias liberais progressistas consolidaram-se exatamente para responder a demandas sociais e deter a concentração excessiva de poder político e econômico – que pode levar à emergência de autocracias, oligarquias e tiranias variadas. Como escreveu José Guilherme Melchior no seu prefácio aos Estudos políticos de Raimond Aron, “apenas o Estado constitucional do tipo ocidental reconhece o pluralismo dos grupos sociais, o consagra em sua legislação e o garante através de seus tribunais”. Não é coisa pouca, num mundo em que o número de jovens democracias que se transformam em tiranias é muito superior ao de tiranias que se transformam em democracias.
O Brasil não pode abandonar sua busca por um republicano Estado Democrático de Direito. Segundo pesquisas recentes, número expressivo de brasileiros não deseja mais quatro anos de bolsonarismo, nem tampouco o retorno do lulopetismo. O Brasil precisa de um candidato reformista de centro, com capacidade de coordenação e comunicação, honesto, experiente. Que conheça a real situação das contas públicas, a tragédia da educação, os dramas da corrupção e da violência urbana. Que se cerque de pessoas experientes, tecnicamente competentes, dotadas de capacidade de execução. É tarefa exequível, o Brasil tem gente competente em todas essas áreas. Falta mobilizá-las.
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ECONOMISTA, FOI MINISTRO DA FAZENDA NO GOVERNO FHC
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