Casa das Garças

A impositiva agenda da segurança pública

Data: 

06/05/2025

Autor: 

Paulo Hartung

Veículo: 

O Estado de São Paulo

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Ainda que olhar o caminho que nos trouxe até aqui seja relevante, o que precisamos, com diagnóstico cristalino das demandas e urgências dessa área, é construir soluções

É inquestionável a constatação de que o descaso com a segurança pública no Brasil conforma uma das mais lamentáveis lacunas que atravessam as quatro décadas desde a redemocratização. Essa área foi para o limbo dos esforços nacionais de reconstrução das bases da cidadania em nosso país. Nesse período, a saúde ganhou o SUS, a educação, o Fundef/Fundeb, a assistência social, o Suas, e por aí vai. Mas o enfrentamento eficaz das criminalidades passou ao largo da agenda das políticas públicas prioritárias.

O resultado dessa negligência geral é uma sociedade acuada por roubos, furtos, homicídios, latrocínios, enfim, uma aterrorizante banalização da criminalidade que, além de corroer a paz social, também traz prejuízos à economia, com problemas em campos tão diversos quanto importantes, como o turismo, a prestação de serviços, a agricultura e o comércio. O crime organizado sombreia o Brasil como nunca antes, constrangendo a cidadania, violentando as populações e minando parte cada vez mais relevante dos setores produtivos.

Enquanto a criminalidade se organizava, os poderes se desencontravam. As agências policiais mais competem do que cooperam. O sistema prisional é afetado por toda sorte de desarranjo. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário só se movem sob pressão de alguma barbaridade que se midiatiza. E geralmente o que sucede a essas mobilizações não resolve nada, quando não agrava o problema.

É o caso de medidas populistas, que oferecem saídas fáceis para o complexo e multifacetado labirinto da segurança pública. Geralmente se apela por mais cadeia, mais pena, mais criminalização, e até para a alarmante estratégia de armar a população civil – lembremos que mais armas circulando é igual a mais criminalidade sendo registrada. Enfim, é desastre atrás de desastre, muitas vezes em cenário que lembra guerra civil.

Ainda que olhar o caminho que nos trouxe até aqui seja relevante para tirarmos aprendizados e definirmos pautas prioritárias, é evidente que não se deve gastar tempo para achar culpados, como se isso simplesmente nos tirasse deste atoleiro de insegurança em que patinamos. O que precisamos, com diagnóstico cristalino das demandas e urgências dessa área, é construir soluções.

Nessa direção, é preciso que, juntamente com a sociedade civil, Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo Ministério Público e Defensoria, se articulem para formular e implementar uma política nacional de segurança pública. Adicionalmente, os debates que movimentarão o processo eleitoral de 2026 se colocam também como uma oportunidade ímpar para avançarmos nessa direção.

De toda sorte, para seguirmos, é preciso que superemos de vez um certo tabu que se firmou no entorno de questões de segurança, oriundo de traumas vividos em mais de duas décadas de regime de exceção. Assim, com instituições articuladas, diálogo com a sociedade e lucidez no trato de repressão à criminalidade, devemos formular uma política pública que alcance os múltiplos condicionantes dessa grave problemática nacional.

A lista de deveres de casa é imensa, mas pode-se pontuar que, além da já decantada demanda por articulação entre as polícias dos entes federados, é preciso implementar ações que expurguem corrupção e ineficiência nas corporações, num processo que vai do recrutamento e da formação a controles interno e externo. Aqui, a valorização das boas práticas e dos bons agentes é decisiva.

Notadamente quanto ao combate ao crime organizado, é necessário fazer crescentes e articulados investimentos em inteligência e tecnologias de informação. Importante efetivarmos uma reformulação dos sistemas prisionais, da infraestrutura à gestão, incluindo o incremento do sistema penitenciário federal.

Há que atualizar a política antidrogas, altamente focada em encarceramentos inúteis, penalizando especialmente a população jovem negra e empobrecida, o que também nos leva à mobilização em prol da inclusão socioeconômica produtiva e emancipatória, com foco na juventude.

Mas, neste processo, não é preciso que se reinvente a roda. Há muitas experiências bem-sucedidas a nos valer de farol, aqui e mundo afora. Isso, apesar de a prática mesquinha de descontinuidade de políticas públicas eficazes ser uma mancha corriqueira nas trocas de gestões em nosso país.

O fato é que, seja por descaso com a área, seja por erro de rota, nos descaminhos das falsas soluções fáceis, o que temos é uma sociedade refém de uma criminalidade sempre crescente, apontando para o fracasso do que se tentou até aqui e também para as graves consequências da omissão.

No firme propósito de constituir uma cultura de paz entre nós, é preciso que o Brasil se movimente com determinação no enfrentamento da emergência em que se configurou a segurança pública. Não se trata de trajetória simples, mas é movimento crucial, inadiável e possível.

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