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As decisões dos Ministros do Supremo Tribunal Federal de anular os processos da Lava Jato por erros formais de jurisdição ou eventuais comportamentos impróprios de juízes e promotores podem estar sendo tomadas com convicção, mas nem por isto deixam de contribuir para a desmoralização crescente de nossos tribunais, que já vinha se acentuando com as sucessivas decisões de juízes “garantistas”, que, aos olhos da opinião pública, não passam de chicanas a favor dos processados por corrupção.
A noção de que, sem procedimentos adequados, não se pode condenar as pessoas, tem como uma de suas inspirações a famosa decisão de “Miranda contra Arizona” da Corte Suprema dos Estados Unidos de 1966, quando um criminoso confesso teve sua sentença anulada porque seu direito à defesa não havia sido devidamente respeitado. Esta decisão foi importantíssima para colocar limites ao comportamento muitas vezes preconceituoso, arbitrário e violento da polícia nos Estados Unidos que, da mesma forma que no Brasil, tende a afetar sobretudo às minorias e às pessoas mais pobres. Comparado com seus benefícios, o fato de que alguns criminosos fiquem impunes é um pequeno preço a pagar.
O outro lado da moeda é que, para que ela continue valendo, a grande maioria dos criminosos precisam ser condenados. É a efetividade do sistema judiciário, e não o formalismo de suas decisões, que faz com que a sociedade respeite e considere legítima sua autoridade. Para ser respeitado, o judiciário precisa atuar com bom senso e equilíbrio, garantindo as formalidades e punindo os criminosos, sem deixar que um lado predomine sobre o outro. No Brasil, por falta de uma política clara de defesa dos direitos civis, muitas pessoas sem recursos são presas e condenadas por supostos delitos, quando não mortas pela polícia, enquanto criminosos com mais recursos conseguem escapar pelas brechas formais da lei. O judiciário é temido, mas pouco respeitado, e isto serve de caldo de cultura para os movimentos de extrema direita contra os direitos humanos e pela impunidade da violência policial. O “mensalão”, primeiro, e a Lava Jato, depois, trouxeram grande notoriedade e legitimidade à cúpula do judiciário brasileiro, que se mostrou capaz, pela primeira vez na história, de julgar e condenar políticos e empresários poderosos, o deu também ao Supremo Tribunal legitimidade para administrar as crises institucionais que se tornaram cada vez mais frequentes desde o impeachment de Dilma Rousseff. Esta legitimidade, no entanto, vem sendo corroída pela percepção cada vez mais clara de que, desde a decisão do STF sobre o fim das condenações em segunda instância, são os conluios pela impunidade da classe política, da extrema esquerda à extrema direita, passando pelo notório “centrão”, e não a defesa da legalidade dos procedimentos, que têm predominado nas cortes superiores.
É a legitimidade das instituições que distingue os estados efetivos dos estados falidos. Os estados efetivos precisam ter o poder de usar a força para fazer cumprir as leis, mas só em último caso, e para isto é necessário que a autoridade dos governantes seja reconhecida e aceita como legítima. Instituições são muito mais que um conjunto de cargos, estatutos e a posse de determinados recursos, como armas, dinheiro ou conhecimentos. Para funcionar, elas precisam atuar como organismos vivos, em que cada participante se sinta e atue como parte de um todo mais amplo; e dependem também de um ambiente externo receptivo, em que suas práticas sejam reconhecidas como benéficas, e não predatórias. Isto vale tanto para o judiciário quanto para os demais poderes, assim como para empresas, igrejas, sistemas de pesquisa, ensino, redes de saúde, sindicatos e organizações profissionais.
Instituições efetivas podem também existir em estados autoritários à custa de maior coerção, mas a democracia não pode subsistir sem instituições vigorosas. O grande desafio das sociedades democráticas é que elas precisam preservar e fortalecer suas instituições levando ao mínimo o uso da força, incluindo o máximo de pessoas, respeitando as diferenças e garantindo as liberdades. Isto requer um consenso básico e o trabalho constante de pessoas influentes de diferentes setores – a chamada elite – a favor de seus valores centrais. Não é uma tarefa fácil, e, quando ela fracassa, abre espaço para o populismo, cujo principal é resultado, é, justamente, o desmonte das instituições – o judiciário se transforma em instrumento de poder ou de impunidade, os cargos executivos são apropriados por famílias e grupos poderosos, as empresas se transformam em quadrilhas, a educação se transforma em ideologia, o conhecimento científico e técnico é substituído pela superstição e as fake news. É uma rampa inclinada na qual é muito fácil cair, e muito difícil se levantar.
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