Casa das Garças

A outra revolução no sistema bancário brasileiro

Data: 

15/10/2020

Autor: 

Ilan Goldfajn

Veículo: 

Centro de Debate de Políticas Públicas

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O Brasil e o sistema nanceiro estão atravessando duas revoluções simultâneas. A primeira é o impacto da queda da taxa de juros e as profundas alterações que gera na economia brasileira. A segunda é a combinação do uso da tecnologia com a rápida inclusão financeira.

 

Ao longo dos últimos anos, os avanços da tecnologia e as inovações têm permitido a democratização dos acessos a investimentos, pagamentos, contas, e diversos outros serviços nanceiros, o que melhora a experiência do consumidor nanceiro e permite atender uma parcela cada vez maior da população.

 

As chamadas Fintechs – startups financeiras baseadas no uso intenso de tecnologia – têm atraído a atenção pela sua novidade e agilidade. Mas os avanços são mais gerais, incluem alterações profundas na maioria das instituições financeiras já existentes, que têm se reestruturado de forma bastante eficaz. De fato, este conjunto de mudanças constituem uma verdadeira revolução no sistema financeiro. 

 

Os reguladores têm participado. Costumo brincar que meu papel a frente do Banco Central do Brasil (junho de 2016 a março de 2019) foi “não atrapalhar” o uxo de ideias, inovações e empreendedorismo nos últimos anos que tem caracterizado o sistema nanceiro, em particular o de pagamentos.

 

O Banco Central (BC) tem se empenhado na modernização do sistema financeiro. O objetivo tem sido reforçar o ambiente que propicie inovação, competição e inclusão financeira, sem resguardar da solidez e robustez do sistema. 

 

Tem sido uma alegria e uma honra acompanhar a agenda de modernização do sistema financeiro do BC, que continua a pleno vapor. Diferentemente do difundido, esta agenda não começou na minha gestão e felizmente não terminou nela. 

 

A criação da Agenda BC+ (hoje BC#) apenas reorganizou e deu transparência aos esforços de várias gestões passadas e continua viva numa versão melhorada na atual. A continuidade dessa agenda mostra que é possível planejar estrategicamente no Brasil para o longo prazo, onde cada gestor constrói na base herdada do passado. A agenda é viva e se altera com novas informações e conhecimento acumulado. São vários projetos que continuamente estão maturando, enquanto outros se iniciam. Há vários exemplos. 

 

Ressalto um exemplo particular e relevante. Estamos comemorando o aniversário da publicação da Lei 12.865/2013, que foi a pedra fundamental do marco regulatório do mercado de meios de pagamento, e que tem revolucionado a forma como fazemos nossos pagamentos, com inúmeros entrantes e muita inovação.

 

A lei definiu conceitos e princípios com o intuito de promover a inclusão de novas tecnologias ao longo do tempo, com a ciência da velocidade com que tem ocorrido as alterações e surgido novidades nesse mercado. Entre os princípios a serem seguidos foram incluídos:

 

(i) a confiabilidade, qualidade e segurança dos serviços de pagamento; 

(ii) o acesso não discriminatório aos serviços e às infraestruturas necessários;

(iii) a inclusão financeira; 

e (iv) a intercomunicação entre os diferentes sistemas privados;

 

A lei também colocou os participantes do mercado a “luz do sol”, tirando da sombra. Definiu as instituições de pagamento e instituidor de pagamento, que deveriam se adequar e seguir diversas exigências estabelecidas pelo BC.

 

Muitas vezes os próprios participantes do mercado desejam e cobram uma regulamentação do BC. Após um período experimental sem as amarras da regulação excessiva, é desejável um arcabouço legal e normativo para reduzir incertezas e formalizar o mercado. 

 

Em suma, a lei representou um importante avanço ao conferir maior segurança jurídica aos envolvidos, possibilitar inclusão maior da população e fomentar a inovação e uso da tecnológica. 

 

Ao longo dos anos foi aperfeiçoando-se o mercado de pagamentos. Um passo relevante foi dado durante a minha gestão. Ocorreu a liquidação centralizada em que todos os participantes do mercado deveriam ter as liquidações das transações desembocando num único lugar. Em razão dos ganhos de escala, a liquidação centralizada permitira ao longo do tempo redução dos custos totais com a liquidação as transações. Também, com essa medida reduz-se os riscos, melhoram as condições de concorrência entre os participantes, reduzindo barreiras à entrada, e eliminam-se as ineficiências. 

 

Mas há outros exemplos da agenda do BC. Em pouco mais de um mês, o PIX estará em vigor, e será possível realizar em até 10 segundos pagamentos e transferências via celular entre todos (e não somente em alguns arranjos fechados), 24h por dia, sete dias por semana, inclusive em feriados. 

 

Também em breve entrará em vigor o Sistema Financeiro Aberto (Open Banking), que permitirá ao cidadão compartilhar seus dados bancários de forma padronizada e assim obter os mais eficientes serviços bancários na instituição que lhe oferecer as melhores condições no momento. O modelo de Open Banking parte da premissa de que o consumidor financeiro é o titular de seus dados pessoais. 

 

Os principais objetivos do Banco Central são a estabilidade monetária (perseguir as metas de inflação) e a estabilidade financeira (supervisão e fiscalização). Além disso, o BC tem várias outras atribuições rotineiras, onde atua diariamente na administração da liquidez do sistema (com operações no mercado junto aos bancos), no fornecimento de numerário (as notas e moedas) no país e é o guardião das reservas internacionais, intervindo ocasionalmente no mercado para manter sua funcionalidade.

 

Não é pouco. Como não há escassez de choques e crises, a tentação é se concentrar no curto prazo, no que é urgente. Mas é necessário achar o tempo também no importante, naquilo que determinará o bem-estar no longo prazo. 

 

Nesse sentido, a agenda estrutural busca gerar benefícios sustentáveis, evitando soluções imediatistas sempre presentes e infelizmente efêmeras. Neste esforço contínuo de focar no estrutural, para além do emergencial, tem sido fundamental a excelência do funcionalismo do Banco Central e seu trabalho ao longo dos anos. E também na receptividade da sociedade que quer um SF mais moderno, eficiente e inclusivo. 

 

A agenda de modernização do sistema financeiro, incluindo a criação do marco regulatório do sistema de pagamentos com a Lei 12.865/2013, é um exemplo bem-sucedido dessa agenda estrutural. O seu impacto não deve ser minimizado, já que incentiva o empreendedorismo, o investimento e a inovação, e alavanca o crescimento. É a nossa outra revolução em curso no sistema financeiro.

 

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