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É preciso não esquecer, por um segundo sequer, que a fugaz união entre Jair Bolsonaro e o liberalismo não possui um solitário pingo de amor.
Nada a estranhar e pouco importa, pois é assim que funcionam os casamentos na política, e as conveniências aqui são imensas, talvez históricas.
Não há como não se impressionar com os presentes trazidos pelo noivo: Quem poderia imaginar uma equipe econômica com tantos liberais de carteirinha cheios de ambições nos quesitos de redução do tamanho e complexidade do governo, privatização e abertura?
Na verdade, a pergunta reversa é sobre a sabedoria política do noivo em praticamente terceirizar a economia para uma ideia tradicionalmente considerada fora do lugar, incompatível com as feições autênticas do país e quando muito um estrangeirismo imune ao sincretismo.
O liberalismo tem sido praticamente inexistente no Parlamento, exceto talvez pela letra “L”, meio malversada ou extraviada em algumas siglas partidárias, às vezes mesmo junto com a letra “S”, sem que os membros da agremiação saibam bem o que significa.
Depois que Roberto Campos deixou a Câmara dos Deputados em 1995 nunca mais houve outro como ele naquela casa. O muro já tinha caído bem antes, a Folha de São Paulo já tinha publicado um caderno especial em abril de 1993 com o título “OK Bob, você venceu”, mas muitos anos de desatinos econômicos tiveram que se passar até que o Brasil tivesse uma legislatura com vários parlamentares se apresentando como como liberais.
No Senado, registre-se, uma das primeiras tarefas será a de sabatinar e aprovar a nomeação de Roberto Campos Neto na presidência do Banco Central.
O que teria acontecido para promover tamanho deslocamento?
Não parece haver dúvida que o grande eixo unificador da vitória eleitoral de Jair Bolsonaro foi o anti-petismo. Todos os especialistas estão de acordo sobre isso, e basta olhar à sua volta leitor, quantos votaram com a ideia de evitar o PT?
É fato que o petismo veio a se tornar uma coisa tão nefasta (e olhe bem, leitor, para a Venezuela, antes de tentar ver o lado bom da coisa) que o anti-petismo se tornou uma agenda positiva, de grande ressonância eleitoral e de claríssima índole ideológica. Quem poderia imaginar?
Veja leitor, o grande inimigo histórico do PT não é o PSDB, mas o liberalismo. Tanto que para desancar os tucanos o PT os magoava além da conta chamando-os de “neoliberais”. Em vez de caminhar na direção do liberalismo, até para confrontar o PT, o PSBD resolveu ser um outro PT, e deu no que deu.
O anti-petismo, ao menos no ângulo econômico, não é o PSDB, mas o liberalismo. Esta foi a janela por onde se esgueirou a primavera.
Antes dessa eleição se dizia que era difícil explicar para o povo o que era o liberalismo. Conversa fiada.
A Fundação Perseu Abramo fez uma pesquisa na periferia de São Paulo e concluiu que “a cisão entre classe trabalhadora e burguesia não perpassa o imaginário dos entrevistados”, que “o inimigo é o Estado”, e que “há menos a presença de um neoliberalismo enraizado … e mais de um liberalismo particular das classes populares que precisa ser melhor compreendido”.
Precisa mesmo.
O Brasil possui cerca de 27 milhões de pessoas nas categorias profissionais liberais, empregadores e trabalhadores por conta própria. E um número não muito menor de pessoas com carteira assinada que trabalham em pequenas empresas e não enxergam seus patrões como seus inimigos (exceto quanto tentados por um advogado trabalhista).
Não há nenhuma dificuldade em explicar para essas pessoas o conceito de “menos estado”. Todos sabem bem sobre burocracia desnecessária, alvarás, cartórios, boletos e impostos, sobretudo impostos e seus cobradores.
Outro dia, numa conversa com gente da periferia eu ouvi que ali não tinha nenhum problema com impostos pois tudo ali era informal e ninguém fazia declaração de imposto de renda. Quando, então, expliquei o fenômeno dos impostos indiretos, ouvi a pérola libertária:
– Mas aí é roubo!
Não há dúvida que o Brasil está pronto para o liberalismo.
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