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Decorridos quase nove meses desde que o presidente Michel Temer assumiu o cargo, em 12 de maio, o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central, já não vê o Brasil à beira do precipício, como nos tempos de Dilma Rousseff. Segundo Arminio, apesar de alguns tropeços aqui e ali, da crise política e das incertezas geradas pela Lava Jato, houve uma “mudança de peso” na economia no governo Temer. “Aquela sensação de que o Brasil era um trem desgovernado passou”, afirma.
Ainda assim, ele acredita que a tarefa de recolocar o País nos eixos está longe de acabar e que serão necessários “muitos ajustes e reformas” para isso acontecer. Nesta entrevista ao Estado, Arminio fala também que a volta do crescimento será lenta, porque “não estamos vivendo um ciclo econômico normal”, e que o setor privado tem a sua parcela de culpa na crise.
Estado: Com o presidente Michel Temer prestes a completar nove meses no cargo, qual é a sua avaliação do governo?
Arminio Fraga: No geral, a minha visão é de que, desde o afastamento da presidente Dilma Rousseff, houve uma mudança de peso em relação ao que se tinha antes. Apesar do ambiente político carregado, houve algumas reformas importantes. Agora, existe uma agenda. Boa parte dela foi apresentada antes mesmo do impeachment, o que ajudou bastante. Essa agenda inclui itens importantes, com impacto no longo prazo, como o controle dos gastos públicos e a reforma da Previdência.
Que outras mudanças estão contribuindo para melhorar o cenário econômico?
Além das mudanças que envolvem o Legislativo, vale a pena destacar o que vem acontecendo na Petrobrás, no Banco Central, no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), na Eletrobrás e em outros lugares. Isso faz parte desse quadro de mudança que está em curso e já mostra bons resultados. É verdade que, de vez em quando, uma coisa ou outra negativa acontece. O País vive uma recessão colossal e ainda há muita incerteza, muito sofrimento, pela frente. Há muita incerteza também em relação ao que vem por aí em 2018, nas eleições presidenciais. Mas, dentro do possível, acredito que o governo tem trabalhado bem.
Qual a sua percepção do governo Dilma?
Eu tinha uma leitura muito negativa do que estava acontecendo no governo anterior. Achava que o Brasil caminhava para o caos. Mesmo. Esse caminho agora foi invertido. Antes, às vezes, surgiam problemas e eles iam aumentando, porque não eram enfrentados de forma adequada. Agora, os problemas surgem, mas geram uma reação de correção. Isso é muito bom. Hoje, o Brasil segue vulnerável, mas aquela sensação de que era um trem desgovernado, de que estávamos indo para o precipício, passou. Não é nada fácil a missão que eles têm pela frente, porque pegaram um quadro de terra arrasada e vêm conseguindo avançar, a despeito de tudo o que está acontecendo no meio político e no Judiciário, que não é pouca coisa, embora seja, obviamente, muito positivo para o País.
O que exatamente o senhor quer dizer quando fala que o governo Temer herdou um “quadro de terra arrasada”?
Houve uma extraordinária deterioração no crédito do governo, nas finanças públicas de forma geral, incluindo os Estados e municípios, que vão exigir um esforço monumental de correção. Houve também uma impressionante perda de dinamismo e de produtividade, como resultado de uma série de políticas equivocadas adotadas pelo governo anterior, batizadas depois de Nova Matriz Econômica. O Estado se tornou não apenas um veículo para a adoção de políticas populistas. Ele foi capturado por interesses partidários e por interesses privados. Em função dessa captura, o Estado fazia mal à economia, para beneficiar alguns poucos, para que ajudassem a perpetuar esse modelo. Tudo isso se mistura e tem raízes comuns com o que está acontecendo no mundo político. Hoje, isso tudo está sendo exposto – e é uma das coisas boas do que está aí – e aos poucos vem sendo corrigido. Mas não é uma doença de tratamento fácil.
Ao menos o governo Temer parece empenhado em deixar o setor privado trabalhar de uma forma mais solta…
É verdade, mas o setor privado ficou meio viciado nisso tudo. Foi parte nisso tudo. É preciso não isentar de culpa o setor privado. Enquanto esse modelo complicado não for corrigido, o setor privado não terá condições muito boas para tocar a vida. Isso deixou sequelas. Internamente, sempre fica no ar o receio de uma fadiga no ímpeto reformista. Do lado externo, as condições foram quase as ideais durante muitos anos, com abundante liquidez e com bons mercados para os nossos produtos. Hoje, se algo acontecer, se houver outra crise, se a economia chinesa tiver uma desaceleração mais forte, se os juros americanos derem um salto, nós estamos muito fragilizados. Temos de ser realistas.
Depois de dois anos de recessão e outro de crescimento quase zero, o governo prevê um aumento de apenas 1% no PIB em 2017. Não é pouco?
Nós não estamos vivendo um ciclo econômico normal. Ele está embrulhado com todas essas outras questões. Normalmente, quando se vive uma recessão dessa magnitude, a economia tem uma reação natural. É o famoso ciclo econômico. Chega um ponto em que o ciclo se esgota e começa a se reverter. Em parte, isso está acontecendo, mas, como não é um ciclo normal, a retomada está sendo mais lenta. Como falei há pouco, as incertezas vão seguir elevadas, não só as externas, que assustam, mas também as internas. Isso também atrapalha. Não tem jeito.
Quais devem ser os próximos passos?
O quadro fiscal ainda é extremamente preocupante, mesmo se contarmos com o sucesso na reforma da Previdência. Houve uma deterioração fiscal equivalente a uns seis pontos porcentuais do PIB (Produto Interno Bruto). A dívida pública cresceu e vai continuar a crescer por algum tempo. Isso significa que o saldo primário (resultado das contas públicas sem os gastos com os juros da dívida) terá de passar por uma correção maior do que os seis pontos de piora – e isso será muito difícil. Nós estamos falando de sair de um déficit primário de 3% do PIB para um superávit primário de 4% do PIB ou mais. Não se deve minimizar o tamanho do desafio. Muito se fez desde o afastamento de Dilma, mas muito ainda terá de se fazer. Não há outra saída. Esse é o drama e vai exigir muita perseverança.
Fora lidar com a questão fiscal, o que mais é preciso fazer?
O desafio fiscal tem de ser complementado por muita coisa no mundo da produtividade. Há muitas reformas e muitos ajustes a serem feitos. Acredito que faz falta também acelerar um pouco esse ajuste, para reduzir a pressão em cima do Banco Central. O Banco Central tem trabalhado bem e está encontrando espaço para reduzir os juros, em cima da confiança em relação às melhorias que ocorrerão no futuro. Mas, se o ajuste for mais rápido, dará ao Banco Central mais liberdade para administrar a política monetária.
Até que ponto os desdobramentos da Lava Jato podem prejudicar a retomada do crescimento?
Infelizmente, essa é talvez a parte mais difícil se não impossível de se administrar, porque ela tem vida própria – e tem de ter vida própria. Nesse caso, o governo tem de reagir como for possível. É um elemento que dá esperança de que pode acontecer uma mudança nessa área, para muito melhor. Mas, enquanto ela não ocorre, o meio político seguirá gastando uma energia tremenda com esse assunto. As pessoas vão continuar esperando a cada dia as notícias, procurando se defender. Isso gasta tempo, espaço de agenda e há também um lado emocional forte. As pessoas estão com medo da prisão, da condenação. Não é fácil, não.
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