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O ano de 2022, que demorou a começar, termina “vertiginoso”, mas inconclusivo, com grandes embates ainda aguardando desfecho adequado. Essa é a avaliação de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, em resenha econômica sobre o ano que se aproxima do fim.
Franco aponta que o ano termina com diversos impasses fiscais, sendo que “a experiência tende a confirmar que a solução [que parece] mais simples dessas controvérsias é sempre o aumento nos gastos”.
“O Natal chegou com a ‘PEC da transição’, ou ‘PEC do estouro’, que já está aprovada, mas será preciso ver a execução do orçamento para se aferir a verdadeira índole fiscal do novo governo”, aponta o ex-BC, referindo-se a aprovação da proposta que dará espaço de gasto para o novo governo de R$ 145 bilhões para além do teto.
Assim, o sócio-fundador da Rio Bravo questiona: Como será a convivência, em 2023, de (prováveis) maiores estímulos fiscais, com as obrigações do Banco Central de manter a inflação sob controle?
“Trata-se aqui do segundo tempo da partida que decide sobre a pertinência da independência do Banco Central. A vitória foi da nova lei no primeiro tempo, antes da posse do presidente eleito [Luiz Inácio Lula da Silva]. O desafio de subir os juros logo no começo de 2023 diante da percepção de maiores riscos fiscais já emerge como uma sombra antes mesmo de o ano terminar”, aponta, em meio à precificação no mercado de juros mais altos por conta do fiscal.
“Na primeira reunião do Copom [Comitê de Política Monetária, quando é decidida a Selic] marcada para 31 de janeiro, provavelmente será cedo para qualquer decisão muito transcendente”, avalia. Contudo, na reunião seguinte, agendada para 21 de março, “saberemos se estamos na presença de uma inconsistência significativa entre políticas monetária e fiscal”.
Cabe destacar que, nas últimas semanas, o presidente do Banco Central (BC), tem lançado uma série de alertas para o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente indicado para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante. Há uma preocupação com a reedição da política de estímulo ao crédito com taxas subsidiadas e que pode alterar o curso da política monetária do BC, levando a maiores apertos dos juros.
Destacando também a agenda dos próximos meses, que envolve eleição para a presidência da Câmara e Senado, Franco avalia que vive-se um clima de parlamentarismo, tendo em vista a difícil construção política que o novo presidente precisará empreender. Isso ainda mais considerando que a atual legislatura se despediu dezembro, quando começa o recesso parlamentar, e é outro o Congresso que retoma os trabalhos legislativos em fevereiro.
Nesse intervalo, o presidente eleito forma seu ministério, passa a PEC para viabilizar um orçamento, forma uma “base” e participa da eleição dos presidentes das duas casas.
“O assunto da governabilidade tem sido suscitado frequentemente, e preocupa pois foi o principal álibi para o festival de irresponsabilidade fiscal do qual resultou a hiperinflação. Não há dúvida de que esse risco é percebido em Brasília, e que os temores que evoca servem para ordenar os debates fiscais”, avalia.
Assim, Franco aponta que a sensação de gastança trazida pela nova PEC tem sido temperada pelo medo das consequências da irresponsabilidade fiscal. “As experiências da hiperinflação, dos congelamentos fracassados, do sucesso do Plano Real, bem como do fracasso da heterodoxia de [ex-presidente] Dilma Rousseff estão muito claras na mente das pessoas. É tolo colocar a culpa nos mercados financeiros. O cuidado com o tema da responsabilidade fiscal e o temor de uma repetição das heterodoxias do passada não são devaneios de operadores de mercado, mas preocupações muito concretas que vão muito além da Faria Lima”, afirma.
Franco também aponta o abandono tácito e incontroverso do conceito de “Posto Ipiranga”, termo usado por Jair Bolsonaro para se referir ao atual ministro da Economia Paulo Guedes, com o retorno no próximo governo do desenho clássico dos ministérios econômicos, ou seja, a divisão do atual ministério da Economia em seus componentes anteriores.
“Foi natural que Lula retroagisse ao desenho original, inclusive para não sobrecarregar o titular e dispor de outros cargos para acomodar aliados e materializar a ideia de coalizão”, aponta, uma vez que houve a ideia de que a vitória do petista foi resultado da formação de uma frente ampla e que essa multiplicidade há de se expressar nos ministérios. Para ministro da Fazenda, o escolhido foi Fernando Haddad, enquanto ainda há indefinição para o Planejamento.
Para o economista, resta ver, todavia, se o novo governo determinará alterações relevantes nos colegiados cruciais para o andamento das políticas macro, notadamente o CMN (Conselho Monetário Nacional) e o Copom (Comitê de Política Monetária). “O primeiro terá de ser alterado, no mínimo para acomodar o ministério do planejamento, que ali teve assento desde o início do Plano Real até a criação do Ministério da Economia por Jair Bolsonaro. Pode haver mais alterações: em seus piores momentos, o CMN chegou a ter mais de 20 membros, parecendo uma câmara setorial da moeda, uma fórmula que contava com a simpatia do petismo”, afirma.
Como o relatório dos grupos de transição já fala na recriação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico Social – CDES, conhecido como “Conselhão”, teme-se que o assembleísmo possa contaminar o CMN desarrumando os delicados mecanismos decisórios da área econômica, afirma.
Franco lembra que o Copom é a diretoria do Banco Central em seção especial, “aspecto essencial para a independência da instituição”. É antiga a ideia de introduzir outros membros nesse colegiado, tornando-o semelhante, por exemplo, ou mesmo idêntico à COMOC (Comissão Técnica da Moeda e do Crédito, órgão do CMN), mas essa ideia nunca prosperou. “Será problemático se o novo governo mexer no desenho desses colegiados”, afirma.
Para ele, é natural que o mercado financeiro, bem como a opinião especializada, reaja com ansiedade ao enfraquecimento e à divisão da área econômica.
“Não será trivial defender a formação de uma coalizão com o ‘Centrão’, nem misturar quadros técnicos ortodoxos com os economistas do PT. Mas o apelo ao pragmatismo e à empatia serão ingredientes obrigatórios desse novo desenho, cuja viabilidade ainda não é muito clara. A materialização da coalizão em um ministério, no interior do qual haja um bom time de economistas, será a primeira tarefa importante da nova presidência”, afirma.
Neste sentido, o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi cauteloso em suas primeiras declarações e suas definições de prioridades, afirma o ex-BC, que mencionou as duas prioridades “reveladoras” do futuro ministro: a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal.
“São boas escolhas na exata medida em que resumem as preocupações mais típicas de ministros das finanças de qualquer país: impostos e orçamento. Eram os ‘assuntos raiz’ de que tratavam seguidamente todos os titulares da Fazenda desde os tempos do Império”, aponta. Contudo, avalia que os temas não são simples.
Sobre a reforma tributária, Franco vê o assunto como “empacado”, “uma vez que as soluções de duas PECs não alcançaram apoio suficiente para serem votadas e os assuntos parecem mais complexos do que sugerem as descrições do problema”. O tema central está em unificar os impostos sobre o valor adicionado de diferentes entres federativos e os impostos sobre faturamento, redefinindo sua partilha.
Já o assunto do novo arcabouço fiscal não é menos complexo, avalia. “A agenda de redefinição de uma ‘âncora fiscal’, em substituição ao ‘Teto de Gastos’, possui muitas possibilidades.
“É fato que o Brasil tem diante de si um problema fiscal grave e que nada tem de incomum: sonhos maiores que as possibilidades, mas tem havido muita dificuldade em enunciar e endereçar o problema no contexto do orçamento público”, afirma.
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