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A aprovação do arcabouço fiscal e a tramitação da reforma tributária são bons sinais para a economia brasileira, mas o governo ainda precisa lidar com as consequências de atos do passado recente, avalia Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central. Ele critica os excessos de gastos no ano final da gestão do presidente Jair Bolsonaro, quando ele buscava a reeleição, e a PEC da Transição, que liberou verbas para o começo do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na terça, 29, o governo Lula confirmou que enviará proposta de Orçamento para 2024 com resultado primário zero, ou seja, a perspectiva de não aumentar a dívida, mas sem fazer superávit para ajudar a baixá-la. “É difícil apontar responsáveis pela situação atual. Isso foi produto de erros do governo passado, que chutou o pau da barraca no final, e do governo atual, que chutou ainda mais na transição”, diz Fraga, em entrevista à EXAME.
“Por que o Brasil insiste em ideias que deram errado, como um excessivo dirigismo [do governo], um certo fetiche por ideias como o uso político de estatais? Não quero dizer que eu privatizaria o Banco do Brasil ou a Petrobras, jamais venderia uma dessas para uma empresa chinesa. Mas são ideias que ficam no ar”, disse.
Fraga chefiou o BC de 1999 a 2002, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na conversa, ele também comentou sobre os avanços e crises da economia brasileira nos últimos 50 anos. Em setembro, a EXAME publica sua 50ª edição do especial Melhores e Maiores.
Como avalia a decisão do governo de manter o Orçamento de 2024 com déficit primário zero?
Está havendo uma certa confusão. O déficit público não será zerado. O Brasil vai seguir com déficit público a perder de vista, mas melhor ter um primário zerado do que um déficit e um orçamento que lance mão de receitas não recorrentes. É melhor do que o que tínhamos até recentemente. É difícil apontar responsáveis pela situação atual. Isso foi produto de erros do governo passado, que chutou o pau da barraca no final, e do governo atual, que chutou ainda mais na transição.
Como vê as perspectivas para o Brasil nos próximos anos? O arcabouço fiscal e a reforma tributária podem fazer o país retomar o crescimento?
A reforma tributária é uma ideia que falamos há décadas. Vejo a possibilidade de aprovação, que é alta, com muitos bons olhos. Do ponto de vista mais macro, o arcabouço representa uma guinada importante ao que parecia ser uma atitude pouco comprometida do governo com a responsabilidade fiscal, que não é um objetivo em si. O Brasil sofre de um problema crônico e o ajuste necessário vai além da geração de superávit primário. O Brasil precisa repensar suas prioridades. É um desafio maior do que a questão fiscal pura e simples. O arcabouço é um primeiro passo. Não é suficiente, mas é positivo.
Analisando esse quadro com um pouco mais de cuidado, ainda se vê sinais de uma certa obsessão com algumas coisas que deram errado no passado, e isso é fonte de muita incerteza. Quando se fala em fazer uma revisão da reforma da previdência, que é um buraco fiscal enorme, não na direção de corrigir essa situação que é insustentável, mas na direção oposta, é uma loucura. Uma nostalgia do modelo [do presidente Ernesto] Geisel é loucura. Ajuste fiscal pelo lado da receita? Cabe reflexão. São itens que a gente tem que levar com cuidado. Quando se ataca a independência do Banco Central, quando se volta com uma política de preços da Petrobras que foge aos limites do mercado, que parece equivocada. O governo quase quebrou a Petrobras no passado, quando ameaça a governança das estatais, são sinais qualitativos de que muitas lições não foram aprendidas. Há setores que sinalizam uma certa dificuldade em aprender com erros do passado.
Como analisa a trajetória da economia brasileira nos últimos 50 anos?
Em 1973, houve um pico da taxa de crescimento, mas não muito tempo depois a economia começou a perder dinamismo, o motor começou a falhar. Veio um período muito difícil, houve de fato um colapso nos anos 1980, o Brasil entrou em moratória. Houve avanços em várias frentes, mas o Brasil cresceu menos do que os Estados Unidos, que deveriam crescer mais devagar, porque a economia dos EUA já está mais perto da fronteira da produtividade.
A despeito de bons momentos, como o Plano Real, mudanças de prioridades do Estado, que passou a focar mais em saúde e educação e nas desigualdades, o Brasil cresceu pouco. O que faltou? Por que não aprendemos? Por que o Brasil insiste em ideias que deram errado, como um excessivo dirigismo [do governo], um certo fetiche por ideias como o uso político de estatais?
Não quero dizer que eu privatizaria o Banco do Brasil ou a Petrobras, jamais venderia uma dessas [estatais] para uma empresa chinesa. Mas são ideias que ficam no ar. Eu me formei em 1979, no fim do período de crescimento acelerado, tive duas vezes a chance de estar no governo. Foram momentos de grandes desafios e de satisfação, tentando fazer alguma coisa pelo país, mas, ao mesmo tempo, sinto uma certa frustração de que não conseguimos fazer mais.
Outro tema é que, embora o mundo todo veja uma redução na fatia da indústria no PIB, a queda dela no Brasil foi muito extraordinária. Essa indústria, como a automobilística, foi protegida, subsidiada, mas teve como consequência o oposto do que se queria. Ela está afastada das cadeias mais produtivas. E a indústria teve subsídios, mas é a área que mais paga imposto. É um modelo esquizofrênico.
Como vê a posição do Brasil no exterior hoje?
O fato de o Brasil ser um grande exportador de commodities é positivo. O agro é sofisticado, agrega valor de muitas formas. É difícil dizer o que é agro e o que é indústria. A percepção econômica do Brasil é essa. Mas, quando alguém fala do Brasil lá fora, com frequência vem à mente Amazônia, desmatamento, baixo crescimento. Colocando isso de forma mais positiva, o Brasil tem muito espaço para melhorar. E a percepção da América Latina não é boa. A região é cheia de problemas, com desempenho medíocre. O Chile foi o principal sucesso da região por muito tempo, mas todos os países grandes apanharam bastante.
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