Arminio propõe que CMN aprove gasto fiscal de programas do BC



Com a experiência de quem participou da reta final das discussões no governo para criar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), aprovada em 2000, o economista Arminio Fraga é contra permitir que o Banco Central (BC) volte a emitir títulos e se opõe à criação de depósitos voluntários e remunerados de reservas bancárias.

 

Para ele, a estatística brasileira da dívida bruta é transparente e mais adequada justamente porque abrange as operações compromissadas do BC, de controle de liquidez com lastro em títulos públicos. Criar novos mecanismos de política monetária, como proposto pelo governo, apenas para reduzir a dívida como proporção do PIB seria um erro e não resolveria o problema principal, que é a sua perigosa dinâmica de crescimento.

 

Arminio fez um texto para discussão, que será publicado em um livro em homenagem ao ex­secretário do Tesouro Nacional Fábio Barbosa, com seis propostas para aperfeiçoar a relação entre os regimes fiscal e monetário no Brasil. Entre elas, tirar do BC e colocar no Conselho Monetário Nacional (CMN) a alçada para decidir políticas com grande custo fiscal, como programas de swaps cambiais e socorro ao sistema financeiro, que não são na essência de política monetária.

 

O texto de Arminio e o próprio livro, com uma coletânea de artigos, chegam quando o governo e o Congresso discutem mudanças no relacionamento entre o Tesouro e o BC. O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, enviou ao Legislativo há duas semanas um projeto de lei que cria os depósitos voluntários remunerados, inspirado em experiências recentes do Federal Reserve (Fed, o BC americano) e do Banco Central Europeu (BCE).

 

Nessas discussões, o BC quer ter permissão para voltar a emitir títulos para lastrear suas operações compromissadas, o que foi proibido pela LRF. Hoje, para executar essa tarefa, o BC pode apenas usar títulos do Tesouro como lastro.

 

Todos esses instrumentos de política monetária ­ depósitos voluntários e operações compromissadas, seja com lastro em títulos do BC ou do Tesouro ­ cumprem a mesma função de enxugar o excesso de dinheiro na economia e, dessa forma, controlar a inflação.

 

A diferença central é como cada um afeta as estatísticas fiscais. As operações compromissadas com papéis do Tesouro aparecem integralmente na dívida bruta, o que não ocorreria com as operações feitas com títulos do BC ou depósitos voluntários. No limite, a mudança de instrumentos de política monetária pelo BC poderia fazer a dívida bruta cair dos atuais 67,6% do Produto Interno Bruto (PIB) para 51,5% do PIB.

 

“Se as mudanças estão sendo propostas para lidar com a estatística da dívida pública, esse não é o ponto relevante”, diz Arminio, que foi presidente do Banco Central entre 1999 e 2002. “O importante é a dinâmica e a capacidade de pagamento.” Sob esses aspectos, argumenta, a situação brasileira é insustentável.

 

Para ele, quando se trata de indicador de endividamento, o essencial é que haja transparência, com ampla oferta de dados, para que cada um examine da forma que quiser. Arminio diz ter preferência pela dívida bruta porque é sobretudo o lado do passivo que mostra a vulnerabilidade dos governos.

 

Ele cita o caso dos países do Sudeste Asiático que, nos anos 1990, tomaram empréstimos no exterior para financiar investimentos privados. Com isso, acreditaram que estavam com uma posição patrimonial sólida, com ativos de boa qualidade para dar sustentação aos passivos, mas esse último é que foi determinante na crise que começou em 1997.

 

A proibição de o BC emitir títulos próprios, explica ele, foi para criar um mecanismo de defesa contra o histórico de a instituição funcionar como um intermediário financeiro a serviço do Tesouro. No passado, isso ocorreu com a chamada Conta Movimento ou com a carteira de crédito rural, em que o BC basicamente financiava despesas fiscais.

 

Uma das preocupações que podem ter levado o BC a defender a volta da prerrogativa para emitir seus próprios títulos é o risco de o Tesouro se negar a entregar os papéis necessários à execução da política monetária. Essa ameaça esteve presente em pelo menos um momento no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Arminio considera essa preocupação justa e relevante, mas diz que a solução deve ser obrigar o Tesouro a cumprir o seu papel.

 

Hoje, há grande transparência no sistema em que o BC faz política monetária com títulos do Tesouro ­ e o arranjo institucional em vigor tem evitado que a autoridade monetária monetize a dívida pública. Mas Arminio vê alguns problemas, como o fato de o BC operar, na prática, como um intermediário financeiro que dá liquidez à divida pública.

 

Pelas regras em vigor, o BC funciona como uma máquina que abastece com dinheiro a Conta Única do Tesouro, a título de transferência de lucros com variações cambiais nas reservas internacionais. Esse enorme colchão permite que o Tesouro resgate sua dívida quando as condições de mercado são menos favoráveis. O BC, de outro lado, enxuga essa liquidez do mercado, colocando títulos de sua carteira com prazo mais curto.

 

A proposta feita no texto de Arminio para lidar com o problema é que, quando houver lucro nas operações das reservas, o resultado transferido pelo BC seja usado automaticamente para abater a dívida pública. A Conta Única seria alimentada exclusivamente com receitas primárias do governo federal e captações feitas pela venda de

títulos ao mercado e de ativos.

 

Da mesma forma em que visam proteger a política monetária do lado fiscal, as propostas de Arminio procuram limitar o poder de o BC criar sozinho despesas para o Tesouro, como faz com programas de leilões cambiais ou programa de socorro a bancos. Ele defende que operações do BC como emprestador de última instância e como carregador das reservas cambiais que coloquem um risco equivalente a mais de 0,2% do PIB ao Tesouro em um ano sejam aprovadas pelo CMN.

 

Resultados negativos dessas operações, sugere o texto, devem ser automaticamente transferidos ao Tesouro por um mecanismo de “hedge”. E haveria uma regra exigindo que o resultado primário das contas públicas fosse ajustado anualmente para, ao longo de uma década, pagar a conta dessas políticas.

 

Por fim, ele propõe que resultados do BC ligados à chamada senhoriagem, ou ganhos decorrentes do monopólio para emitir moeda, sejam transferidos ao Tesouro e considerados receita primária. Mas, para evitar o ímpeto inflacionário para gerar mais receitas, o BC só poderia entregar ao governo a senhoriagem correspondente à meta de inflação. O texto de Arminio está disponível na página da Casa das Garças na internet com o título “Sobre a relação entre os regimes fiscais e monetários no Brasil”.