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Economista afirma que seria necessário também mexer nos gastos tributários, para reduzir a despesa pública em pelo menos 3 pontos percentuais do PIB
O economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, defendeu recentemente uma proposta de ajuste fiscal polêmica: manter o salário mínimo, atualmente em R$ 1.518, sem aumento real por seis anos, com reajuste apenas pela inflação do ano anterior.
A economia do gasto público com a medida seria de 1 ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do período, com impacto crescente ao longo dos seis anos.
Em entrevista ao GLOBO, ele avalia que é inevitável um ajuste fiscal forte, de 3 pontos percentuais do PIB nas contas públicas, diante de um juro básico da economia em torno de 7% reais. Atualmente, o salário mínimo é reajustado em até 2,5% acima da inflação, o teto do aumento permitido pelo arcabouço fiscal para a alta das despesas públicas totais.
Como surgiu essa proposta do salário mínimo?
Desde que comecei a me aprofundar na área da saúde, ficou muito claro que, além de todas as outras reformas, falta prioridade orçamentária. Eu fui nesse caminho: bom, mas o que seria possível num momento como esse que mostra um governo numa situação política difícil e sem maioria no Congresso?
E a minha resposta foi essa, que chamou muita atenção, sobretudo a parte de limitar o aumento do salário mínimo à inflação do ano anterior que teria um impacto orçamentário razoável, crescente ao longo dos anos. Os gastos que estão vinculados ao salário mínimo (pisos da Previdência Social, do Benefício de Prestação Continuada, seguro-desemprego e abono salarial) cairiam.
Fizemos umas contas, eu e meu colega na Gávea Investimentos, que sugerem que, após seis anos, ao fim do mandato do atual presidente se ele se reeleger, o impacto seria de mais ou menos 1% do PIB, mas crescente. Nessa conta, a economia no primeiro ano seria de 0,2% do PIB, crescendo gradualmente até chegar a 1% do PIB ao ano. E aí vem a pergunta: o que mais seria possível fazer?
E o que mais seria possível fazer?
Sobretudo, algo que um governo de esquerda apoiaria, que seria cortar um bom pedaço dos gastos tributários que não fazem sentido, que são regressivos e que não casam com a construção de um país onde existe não só proteção social, no nosso caso para o país da nossa renda é uma área bastante desenvolvida e desejada pela população, mas também igualdade de oportunidade, isso claramente não existe aqui. Então, repensar o Estado faz parte disso e vejo como sendo algo extremamente óbvio: cortar vários desses gastos tributários.
Não listei em detalhe, mas os regimes especiais do Imposto de Renda, tem vários outros, o número é grande, depende também se se inclui nisso os subsídios do BNDES que voltaram a subir um pouco e os dados do Tesouro já sugerem que está por volta de 1% do PIB.
O pessoal da Fundação Getulio Vargas estima em 7% do PIB. É um número grande que chegou no final do governo Fernando Henrique Cardoso um pouco acima de 2 pontos do PIB. É um pouco difícil desfazer isso que o Gustavo Franco (ex-presidente do Banco Central) chamou brilhantemente de bolsa empresário. Durante muitos anos, o Bolsa Família era 0,5% PIB, agora é um pouco mais. Deve ser talvez 1%. Vamos supor que seja 1% contra 7% do outro lado.
Falei isso ali (na palestra que proferiu na Brazil Conference, em 12 abril na Universidade Harvard e MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Cambridge, nos Estados Unidos) como uma resposta que poderia eventualmente ser viável, e, enfim, gerou bastante repercussão. O esforço é para redução da regressividade que me parece urgente.
Mas mexer no reajuste real do salário mínimo é politicamente viável?
Embora se possa dizer: ‘Olha, não seria melhor se o salário mínimo crescesse?’ Também defendo, seria ótimo o salário mínimo de R$ 5 mil, por que não? Bom, talvez não funcione muito bem, talvez vá todo mundo para a informalidade. Um assunto que é um tabu. Sabia que ia gerar repercussão, não tanta, mas eu estava falando tanto sobre desigualdade no Brasil e falta de oportunidade que não me ocorreu que alguém pudesse achar que eu estava fazendo uma proposta que, no geral, não seria boa para os pobres.
Ela (limite ao aumento do mínimo e redução do gasto tributário) seria espetacular para os pobres, apesar de você segurar essa marcha por um tempo, até para se entender melhor o que pode acontecer depois de mais de um quarto de século de aumento do salário mínimo. Dado o quadro geral, seria bom que houvesse o ajuste fiscal que deveria ser de 3 pontos percentuais do PIB, começando com 2,2 pontos. O impacto no mercado seria excelente.
De que maneira?
O Brasil está pagando, o governo, o Estado brasileiro está pagando juros enormes, a perder de vista, isso me assusta bastante. Tem uma piada nos Estados Unidos que o papel do Banco Central é quando a festa começa a ficar muito boa, ele retira a cerveja. Não é disso que a gente está tratando aqui. O Brasil está pagando essa taxa de 7,3% (reais) há 30 anos e não funciona. O investimento no Brasil com esse custo capital fica muito prejudicado, já é baixo. Isso precisa ser corrigido e não tenho a menor dúvida — e não sou de ter assim grandes certezas — mas não tenho a menor dúvida que isso já tem um impacto excelente na taxa de juros que, por sua vez também é um impacto fiscal. Você faz um ajuste de 2%, 3% do PIB, e o juro começa a cair de 7,5% para 4,5%.
O Brasil já deveria ter aprendido que nas aventuras populistas, voluntaristas fiscais, deu tudo errado. Estou falando sobretudo do caso Dilma (Rousseff, ex-presidente entre 2011 e 2016). A economia lá em 1999 (quando o câmbio flutuante foi implantado no Brasil e houve forte ajuste fiscal) parecia que a economia ia para o buraco e não foi. Depois começou a crescer bastante. E o teto de gastos (que limitou o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior que vigorou entre 2017 e 2022) também jogou o juro lá embaixo. O impacto foi significativo.
Acho que hoje a situação que nós estamos vivendo não é sustentável e, em geral, quem paga o pato, quem apanha, são os pobres. Se olhar a situação desse ponto de vista mais amplo, acho que essa parte faz sentido. Outras pessoas poderiam dizer: mas então porque não tira logo os 3 pontos do PIB do gasto tributário? Pois é, pode ser, mas será que é viável politicamente?
Mexer no salário mínimo é mais fácil, mesmo diante do simbolismo que ele tem?
Não estou reduzindo o salário mínimo, acho que é só dar uma pausa em um aumento que me parece no momento inviável em função da baixa produtividade, do crescimento do país e em função do buraco previdenciário.
Acho que, do outro lado, mexendo nos gastos tributários, afetaria grupos influentes. Seria não só a coisa fiscal, também seria uma certa noção de justiça, talvez funcionasse, mas afetaria grupos poderosos. Acho que valeria a pena tentar porque o impacto ia ser espetacular e iria evitar o que hoje caminha para ser um problema.
Hoje, se o Brasil tivesse que produzir uma resposta fiscal poderosa, como foi o caso na pandemia, não seria possível. O Brasil está fazendo uma viagem de 1.000 km numa estrada esburacada sem pneu estepe. A gente está pagando 8%, 9% de juro real no curto prazo, 7,5% no longo prazo, vai pagar quanto? Vai fazer uma expansão (na dívida) de 10, 20 pontos do PIB inundando o mercado com mais dívida. Acho que não funciona.
O senhor acha que o caminho mais viável seria dar uma parada no reajuste real do salário mínimo?
É, acho que faz parte. Se alguém tiver uma alguma ideia melhor que possa ser aprovada que apresente. O que não dá é para não fazer o ajuste. Acho que esse ajuste tem uma característica especial, porque ele atinge os dois lados tanto a questão fiscal quanto uma questão que diria é de natureza ética.
Qual seria o impacto no mercado de trabalho da mexida no mínimo?
Acho que seria um redutor de informalidade. A empresa precisa investir nos seus empregados e a informalidade claramente reduz esse estímulo ao investimento.
O impacto maior mesmo seria nas contas públicas?
Seria um impacto relevante, mas é inescapável fazer uma reforma da Previdência mais completa. Essa (do mínimo e do gasto tributário) pode ser feita com uma penada. É uma proposta que guarda um certo equilíbrio e traz também um elemento de autoridade moral de qualquer governo que queira fazer reformas para melhorar o Brasil.
Não é só fazer um ajuste fiscal para reduzir o déficit primário. É fazer o ajuste certo. O Banco Mundial publicou um relatório alguns anos atrás e usaram o termo o ajuste justo.
Será inevitável fazer a reforma da Previdência mesmo mexendo com o reajuste do mínimo?
No caso da reforma da Previdência, tem uma discussão também filosófica, da maior importância, que é o quanto dos ganhos de produtividade da economia se deve compartilhar com os já aposentados ao invés de, por exemplo, dirigir mais recursos para as crianças. É uma boa discussão.
Isso tem a ver com o impacto do aumento do salário mínimo no piso da Previdência. Tem outro ângulo que merece mais espaço. Esse é um tema antigo, vários economistas dedicados a essa área vêm falando há anos que o Brasil gasta demais com os velhos e de menos com as crianças. Então, isso se encaixa aí também. Só que isso é rápido, está aqui, pum, está feito e depois vem uma reforma da Previdência. Essa também vai ter que acontecer e vai ter que ser profunda.
A ideia é fazer um ajuste que seria mais simples do que você fazer uma reforma da Previdência, enquanto se discute uma reforma mais profunda?
Algo assim. Estou me especializando em irritar algumas pessoas, mas olha só o ajuste que Milei (Javier Milei, presidente da Argentina) fez, não estou defendendo, embora torça para que dê certo, ele fez um ajuste enorme. Metade desse ajuste foi feita de forma meio tosca, mas ele fez. Nós aqui propusemos um ajuste modesto, mas enfim, foi um passo positivo, mas que não está sendo cumprido. Ele era insuficiente já no nascedouro e não foi cumprido.
Acho que se a gente desse um sinal que guardasse um certo equilíbrio para ter algum apoio político, acho que seria maravilhoso para o Brasil. Se não for exatamente esse que se faça outro, mas esse acho que esse é bem bonzinho, porque é rápido.
Você poderia mexer, por exemplo, nos limites do Simples e do lucro presumido, não estamos falando em mudança constitucional. Vai afetar muita gente, no meu caso, um monte de amigos em setores importantes não vai ficar muito contente. Mas pensando no todo e como sendo um passo para o Brasil crescer mais e de forma mais justa, acho barato, acho um preço barato.
A redução no gasto tributário seria de quanto?
Em torno de 2 pontos percentuais do PIB.
Números do governo mostram que pelas regras do arcabouço fiscal, pode faltar dinheiro para saúde e educação…
Sou radicalmente contra mexer no orçamento da saúde que deveria crescer e estou falando nos três níveis de governo. E mesmo na educação, onde eu diria que, pelas tendências demográficas, você pode supor que é um número razoável, também não mexeria não. Mexeria na Previdência e nos gastos tributários. Incluiria a médio prazo a reforma do RH do Estado, que também não é feita para gerar impacto fiscal a curto prazo, mas a médio prazo geraria também.
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