Casa das Garças

Azedou

Data: 

12/06/2025

Autor: 

Gustavo Franco

Veículo: 

Carta Estratégias

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O mês de maio de 2025 terminou amargo para o presidente da República, embora seu ministro da Fazenda,  Fernando Haddad, pareça absorver para si o desgaste de mais um pacote fiscal flagrantemente malsucedido,
convertido em uma novela. Lula é muito hábil em se afastar desses malogros, ao menos numa primeira  observação, parecendo que não tem nada com o assunto.

O pacote anterior, no final do ano passado, foi de corte de gastos, mas passou à História justamente por nada  cortar. Pior, na verdade, foi aumentar o tamanho do problema ao trazer a indicação de que haveria uma  redução de impostos, a isenção de imposto de renda para as remunerações abaixo de R$ 5 mil.

O corte que não houve foi, na realidade, uma redução de receita. Um fiasco.

O governo de fato encaminhou ao Congresso, logo a seguir, o outro pacote que ganhou a denominação de “reforma da renda” e também a numeração PL 1.087/95, tendo como relator o deputado Arthur Lira. Era redução dos impostos apenas sinalizada no pacote de redução da gastos, acompanhada de muitas novas criações da Receita Federal por incentivo do ministro Haddad.

O timing do projeto reforma da renda foi deliberado: o governo pretende ingressar no período eleitoral com esse assunto em pauta. A ideia parece ser a de transformar a isenção de IR para as remunerações até
R$ 5 mil em algo como foi o auxílio emergencial nas eleições de 2022. O valor do auxílio, naquele momento, se tornou uma espécie de ticket para o vencedor, e com isso os candidatos competiram no quesito da generosidade, ainda que com o bolso alheio. Nesse contexto, o valor do auxílio acabou determinado numa espécie de leilão, com consequências funestas sobre as contas públicas.

Negociações políticas difíceis acabaram orientando as decisões sobre o valor do auxílio, bem como o seu encaixe na lei orçamentária. A chamada PEC da Transição era a expressão desse entendimento, assim como uma demonstração prática da máxima pela qual é bem mais fácil haver acordo em torno da irresponsabilidade
fiscal do que sobre a austeridade.

A PEC da Transição talvez viesse a representar mesmo a inviabilidade fiscal da próxima administração. Mas foi a solução política diante dos impasses trazidos pela eleição. Imperativos políticos podem certamente levar
as contas públicas a uma situação muito difícil, e não há exemplo mais flagrantes que o da Nova República. A transição democrática se consumou, a Nova Constituição foi escrita, mas o país experimentou um colapso fiscal e uma hiperinflação.

O terceiro mandato de Lula parece uma pequena reprise dessa mesma sequência em que os imperativos da política conduzem as contas fiscais na direção da insensatez e não parece haver alternativa.

A PEC da Transição acabou dando origem ao “arcabouço fiscal”, um mecanismo destinado a suceder o antigo “teto de gastos”, mas sem a força constitucional necessária para o efetivo controle do gasto.

Seria o “arcabouço” apenas um simulacro de controle fiscal, ou seria para valer?

A resposta estava se oferecendo exatamente em maio quando o governo precisou responder aos achados de uma “revisão bimestral” (na verdade ao RARDP – Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias) na execução orçamentária de 2025, que serviria para aferir se as metas estavam sendo atingidas e se precisavam de correção.

Foi em resposta aos números dessa revisão que veio o pacote do IOF, outro fiasco em matéria fiscal, e ainda não completamente recalibrado depois de duas semanas de cogitações.

Em sua versão inicial, era um pacote de (aproximadamente) R$ 50 bilhões composto de remanejamentos orçamentários (bloqueios e contingenciamentos) com efeitos da ordem de R$ 30 bilhões, e R$ 20 bilhões de acréscimos de receitas decorrentes de novas incidências ou aumentos de alíquotas no IOF.

Parecendo imitar o pacote do fim do ano, neste também houve um “jabuti” que prejudicou o conjunto. No primeiro pacote foi a isenção para as rendas abaixo de R$ 5 mil. No pacote de maio de 2025, foi um recuo parcial “após diálogo e avaliação técnica”, cancelando a nova incidência de IOF sobre investimentos de fundos nacionais em ativos no exterior. Nem era, quantitativamente, tão importante, mas é esteticamente complexo
mudar de ideia em pacote econômico horas depois do anúncio.

Outro problema “estético”, ou melhor dizendo, de natureza conceitual, era o próprio IOF, um imposto de  natureza regulatória. Em tese, esse tipo de tributo é para ter incidências muito pontuais, com intuito alocativo e circunstancial, tal como a CIDE é usada (ou deveria ser) para moderar o impacto de flutuações no preço
do petróleo sobre os preços domésticos dos derivados. Ou, no caso do próprio IOF, para fazer controle de  capitais em momentos de “enchente” (como alternativa à chamada “quarentena”).

A incidência do IOF sobre operações de crédito sabidamente eleva o spread bancário. O momento do ciclo da política monetária – o pico da elevação de juros – estaria a indicar uma redução no IOF e não um aumento de
alíquota, e menos ainda uma extensão das incidências (como sobre o “risco sacado”, ou sobre securitizações).

O governo havia prometido eliminar o IOF sobre operações de câmbio em duas ocasiões: primeiro quando quis aderir às obrigações do Artigo VIII dos estatutos do FMI. Depois, mais recentemente, no contexto da adesão aos códigos da OCDE.

Mas o IOF sobre câmbio resistiu, principalmente sobre os gastos com cartões de crédito no exterior. A velha subcultura de controles cambiais ainda parece viva como justificativa para a tributação de despesas supérfluas, as que são feitas em moeda estrangeira.

Outro problema “estético”, ainda mais difícil e inesperado, foi o Congresso.

Diz-se que é assunto “estético” porque o pacote é de atos do presidente da República: decretos não carecem de aprovação do Legislativo.

Apenas por polidez ou reverência, o Executivo avisa as lideranças do Congresso. Não se trata de autorização.

Entretanto, quando a matéria está muito errada, ou quando as condições políticas estão muito frágeis, ou  ambas, o Congresso se movimenta para opinar e mesmo alterar o ato do Executivo.

É raríssimo que mesmo se cogite a votação de Decreto Legislativo para invalidar um ato do presidente da República. Raro e grave. Mas o fato é que essa possibilidade logo apareceu com destaque, havendo, segundo relatos, “insatisfação geral dos deputados” e “clima para derrubada do decreto do IOF”.

Era um sinal inequívoco de fraqueza política. O ministro Haddad logo procurou conversar com as lideranças e diluir o clima ruim. O ministro admitiu rever o pacote em benefício de uma “solução estrutural” de impactos
mais duradouros, que seria conversada com a lideranças do Legislativo, e posteriormente anunciada.

Os dias foram passando.

O ministro adiantou que a conversa envolvia mesmo uma proposta de emenda constitucional, além de um projeto de lei e uma medida provisória. Mas não disse do que se tratava, limitando-se a falar de “correção
de distorções”, seu código para aumento de imposto.

Esse pacote remodelado ainda permanece em elaboração, numa espécie de indefinição negociada, pela qual as possibilidades iam se apresentando ao noticiário, e ao Parlamento, em clima de absoluto improviso.

O Legislativo resistiu e resistirá a se tornar sócio do pacote e certamente não vai empreender os cortes de despesa que o Executivo expressamente se recusou a fazer. O impasse está colocado, provavelmente levando a outro “não pacote” como o de cortes de gastos. A ver.

Tudo isso teve lugar no contexto da divulgação de mais uma pesquisa de intenção de votos e aprovação com resultados muito ruins para o governo. A pesquisa já capturava os impactos do escândalo dos descontos indevido nas aposentadorias pagas pelo INSS a favor de entidades sindicais parecendo recriar fraudulentamente o imposto sindical.

O presidente da República se afastou prudentemente de tudo isso graças a uma viagem para a França, cheia de agendas positivas e boas oportunidades para comentários espirituosos  sobre temas internacionais.

As contas fiscais estão em desordem, os pacotes para endereçar o problema vão fracassando de  forma cada vez mais flagrante, os juros estão em 15%, e a inflação não cede. O PIB também não cede. A economia é forte e teria muito a se beneficiar de finanças públicas organizadas e juros normais. Seria preciso repensar seriamente a política fiscal.

Entretanto, o governo prossegue guiado pela tese de que tem apenas um problema de comunicação.

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