Casa das Garças

Bacha e como abrir o País

Data: 

18/07/2016

Autor: 

Edmar Bacha

Veículo: 

O Estado de S. Paulo

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Por que é tão difícil abrir a economia brasileira, se existe uma opinião tão sólida junto a uma grande e respeitada corrente de economistas de que este seria um passo positivo, que poderia acelerar o crescimento e a produtividade? O economista Edmar Bacha, um dos “pais” do plano Real e sócio-fundador e diretor do think tank Casa das Garças, no Rio, tem uma nova e provocativa reflexão sobre aquele tema.
Para início de conversa, ele revisa os argumentos tradicionais sobre a dificuldade de “vender” a abertura comercial à sociedade e aos políticos.
O primeiro ponto é que a defesa econômica da abertura é complexa e em alguns aspectos contraintuitiva. Já a ideia de proteger o mercado interno e exportar o excedente seria mais fácil de vender. O tradicional argumento das vantagens comparativas e da especialização produtiva não é algo tão palatável ao ouvinte leigo quanto a ideia de proteger empregos e a indústria nacional. Em termos da política recente e atual, Bacha observa que a retórica de Donald Trump do “America First” e de Dilma Rousseff da defesa do mercado interno contra a crise são exemplos desse primeiro ponto, pelo qual os defensores da abertura se consideram “iniciados”, na contramão dos protecionistas, que seriam os “desinformados”.
Um segundo argumento é que os benefícios da abertura são difusos, enquanto os custos são concentrados e recaem sobre grupos politicamente poderosos. Os “aberturistas”, como ironicamente coloca o economista, consideram-se “defensores do bem comum”, e seus adversários seriam “lobistas”.
Em terceiro lugar vem o fato de que os benefícios da abertura ocorrem mais a longo prazo, enquanto os custos vêm na frente: “aberturistas” são “visionários”, e protecionistas são “míopes”. Em quarto, a defesa da proteção viria de uma leitura histórica simplista e equivocada de que o Brasil estagnou-se no século XIX com economia aberta e exportação de produtos primários, e desenvolveu-se no século XX com fechamento e substituição de importações. Como os defensores da abertura são críticos desta visão caricatural, consideram-se “cosmopolitas” e veem seus opositores como “provincianos”.
Bacha deixa claro que esses quatro pontos têm fundamento, mas se pergunta se não há uma quinta razão, que, de certa forma, ponha em questão o sentimento de superioridade dos defensores da liberalização comercial, refletido nos adjetivos com que classificam a si mesmos e aos protecionistas.
Para o economista, o que falta no argumento dos “aberturistas” é reconhecer que não basta reduzir as tarifas unilateralmente para que uma realocação de recursos eficiente se produza, mantendo o equilíbrio externo e interno. A “inércia alocativa” pode levar a desemprego e desequilíbrio externo, e as exportações podem vir a crescer mais pela retração da demanda do que pelo aumento da competitividade externa. Desta forma, a transição pode ser bem mais lenta e penosa do que se imagina, fazendo com que, em regimes democráticos, muitas vezes nem se consiga chegar ao ponto de iniciar a abertura. Ou, caso se tente, ela acabe sendo interrompida ou revertida.
Assim, Bacha acha que o processo de liberalização comercial não pode ser apenas na base do “chicote”, mas deve também conter “cenouras” para atrair a adesão de grupos sócioeconômicos importantes. Ele propõe uma abertura administrada e não apenas baseada em mecanismos automáticos de mercado, que privilegie a reciprocidade em relação a movimentos unilaterais e que se baseie numa flutuação cambial administrada. Os pilares graduais e simultâneos desta estratégia seriam a redução do custo Brasil, os acordos comerciais e – a mais polêmica – a “troca de tarifas por câmbio”.
Bacha diz que, com a perspectiva de aumento das importações, uma estratégia anunciada de abertura poderia levar à desvalorização do câmbio (aumento de demanda por dólares), mas o problema é que o efeito confiança que um caminho liberal como este poderia trazer é tão forte que o País seria inundado de capitais e o real acabaria se apreciando. Neste caso, ele considera que medidas macroprudenciais e de controle de entrada de fluxos deveriam ser tomadas. “Acho que não deveríamos deixar o efeito manada na conta capital prejudicar o equilíbrio de longo prazo da conta corrente”, conclui o economista.

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