Bachanianas: A Contribuição de Bacha Para o Pensamento Econômico Brasileiro (II)


Sigo hoje com a conclusão do que pude extrair do livro “No País dos Contrastes –  Memórias da Infância ao Plano Real”, de Edmar Bacha. Comprometi-me, enfim, com o relato de duas situações que envolveram o engajamento público de Bacha, como membro de equipes distintas de governo: o plano cruzado (governo Sarney) e o plano real (governo Itamar). 

 

Vale dizer que essas ações distintas não se revestem apenas dos seus aspectos políticos. Afinal, na essência de uma “figura multifuncional”, que se despe no texto como literato arguto, técnico consistente e autor protagonista da cena econômica, Bacha aponta para seus encantos e desencantos na vida pública. Valem, então, essas lembranças.

 

Em 28 de fevereiro de 1986, os economistas e a sociedade brasileira foram surpreendidos com difusão e implantação imediata do plano cruzado. O alvo maior estava no combate à inflação, cuja proposição de deu basicamente em cima da criação de uma nova moeda, de um limitado período de congelamento de preços e da desvinculação de índices que permitissem correções automáticas (a tal desindexação). Como Bacha se encontrava à frente do IBGE, não só foi um integrante das equipes dos ministros Funaro (Fazenda) e Sayad (Planejamento). Afinal, coube-lhe a missão de compor um índice novo de aferição da inflação (em cruzados), que fosse “descontaminado” do convencional (em cruzeiros). Só que aconteceu meses depois aquele velho apelo populista. No caso, a prorrogação do congelamento de preços, devido às eleições majoritárias de 1986, logo acompanhada pela adoção do plano cruzado II,  medidas essas que afastaram dos cargos não só Bacha, como, gradualmente, os ministros e assessores econômicos vitais à sustentação do plano, como foi o caso do colega de PUC/RJ, Pérsio Arida. Bacha bem expressou no livro sua angústia e seu desencanto com os rumos falhos da e experiência do cruzado.

 

No entanto, voltar ao time econômico, dessa vez sob a égide do governo Itamar e na conta da gestão de Fernando Henrique Cardoso como Ministro da Fazenda, representou a volta por cima. Embora lhe fosse verossímil as condições de compor um time, para impor um plano de estabilização capaz de conter a inflação, o desafio foi aceito e o êxito alcançado. Como bem destaquei na coluna passada sobre uma opinião de Clóvis Cavalcanti sobre Edmar Bacha, o maior mérito do plano real, além de controlar a inflação foi propiciar nos seus resultados “a maior obra de engenharia social deste país”. Afinal, longe de se intencionar fazer  concomitantemente, plano de estabilização com adendos de distribuição de renda, foi entender que o controle da inflação por si só, já representava uma dose bem menor de encargos sobre os ombros das classes menos favorecidas. A prova foi o acesso do consumo dos menos favorecidos com a inflação baixa, sem necessidade errônea de congelamentos ou outras superficialidades. Assim, o plano real se consolidou, de tal sorte que só recentemente foi colocado em situação de  risco. Que o diga a projeção inflacionária de dois dígitos já esperada para o fechamento deste ano.

 

Do desencanto pelo destino do cruzado ao sucesso obtido com o real, Bacha apenas reforçou a sua maneira tecnicamente equilibrada de contribuir para o debate e fortalecer o pensamento econômico brasileiro. Sempre com textos lúcidos e leves, que o fizeram um dos três economistas imortais da Academia. Ao lado dos Celso Furtado e Roberto Campos, firma-se o trio de ouro que tanto inspira gerações de economistas.