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A principal tarefa de qualquer banco central é manter a inflação sob controle. No caso do Brasil, desde 1999 o BC administra um sistema de meta explícita para a inflação. O principal instrumento à disposição do BC é a fixação da taxa de juros de curto prazo.
As variações na taxa de juros afetam o consumo, o investimento, as expectativas de demanda no futuro, o custo do crédito e a taxa de câmbio.
Quando há excesso de demanda na economia, o BC eleva as taxas de juros de forma a contrair a demanda e trazer a inflação de volta para a meta. O BC reage também a alterações nas expectativas de inflação, medidas de diversas maneiras.
Quando o BC age de forma transparente e sistemática, os participantes da economia agem incorporando o modo de agir do BC às suas decisões.
O BC, por sua vez, tem seu trabalho facilitado por esse entendimento, que tende a ancorar as expectativas e, assim, minimizar os custos sociais de seus ajustes (que trazem mais benefícios do que custos, por certo).
Nos países mais avançados, o sistema levou a uma extraordinária convergência das taxas de inflação, para 1% a 2%. No Brasil, há anos a inflação tem se comportado bem se comparada com padrões históricos.
Quando a inflação é de demanda, o tratamento é relativamente fácil. Mais complicado é o caso de um choque de oferta. Refiro-me aqui a aumentos de preços de alimentos, combustíveis e insumos e a quebras de confiança que reduzem a produção.
Nesses casos, a inflação aumenta ao mesmo tempo que a economia se desacelera. Recomenda-se então uma volta gradual da inflação à meta, de forma a minimizar os impactos sociais do ajuste.
Vale reforçar que, uma vez que a inflação saia de controle, os custos sociais estão contratados. O desafio reside em minimizá-los. O BC age como se estivesse pescando com uma linha fina e não dá um tranco muito forte no peixe, sob pena de a linha social se romper.
Há um segundo caso que pode afinar ainda mais a linha do pescador monetário: aquele em que o aumento da taxa de juros contribui para um crescimento descontrolado da dívida pública, fenômeno conhecido entre os especialistas como “dominância fiscal”.
Como bem sabemos, tal crescimento pode se transformar em paralisante fonte de incerteza, que por sua vez pressiona para cima o custo do crédito, a taxa de câmbio e a inflação, e para baixo a atividade econômica, o emprego e os salários.
Não é por outra razão que política monetária só funciona bem com o apoio de uma política fiscal responsável, que garanta a sustentabilidade das contas públicas e possa assim colaborar no esforço anticíclico, nas duas direções.
Duas outras situações de dominância também devem ser evitadas: a cambial, quando o BC tenta fixar o dólar em nível artificialmente baixo vendendo reservas e aumentando os juros (uma tradicional e custosa fonte de crises no passado), e a financeira, quando a dívida pública aumenta em função dos custos de se administrar uma crise bancária (tivemos muitas em nossa história, envolvendo bancos tanto públicos como privados).
Para consolidar o extraordinário sucesso inicial do Plano Real, foi necessário enfrentar as três dominâncias. Destacaram-se nas respostas o Proer, a restruturação das finanças estaduais (e seus bancos), o ajuste fiscal de 1998/99 e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esses pilares sustentaram a adoção do tripé macroeconômico —meta para inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal— que eliminou a dominância cambial e vem prestando bons serviços desde então, mesmo em condições de estresse.
O ajuste fiscal e as reformas permitiram a manutenção de um superávit primário nas contas públicas entre 1999 e 2013, o que reduziu a pressão sobre os juros. Esse quadro virtuoso durou até o colapso fiscal que ocorreu em 2014 (ainda não revertido) e levou a um aumento na dívida federal de 25 pontos do PIB.
Com o correr do tempo, foi ficando cada vez mais claro que restava ainda reverter a insustentável situação em que o gasto público crescia, todo ano, mais do que o PIB.
Como resposta a essa situação e à necessidade de se retornar a um saldo primário positivo, o Congresso aprovou em 2016 a importante PEC do Teto, que limitou o crescimento do gasto à taxa de inflação do ano anterior.
O teto sinalizou um desejo implícito de reduzir o tamanho do Estado, que cairia (também como proporção do PIB) à medida que a economia crescesse.
A título de exemplo, se a economia crescesse 2,5% ao ano por dez anos, a parte federal do gasto cairia de 20 para 15,6% do PIB, um ajuste ambicioso e politicamente inviável e, a meu ver, indesejável.
Uma alternativa que tenho defendido neste espaço alocaria parte dessas economias para outros gastos (SUS, proteção social, investimentos). Eliminaria subsídios também.
Se a arrecadação crescesse em linha com a economia, em alguns anos o saldo primário passaria para território positivo, o que eventualmente estabilizaria ou até mesmo reduziria o tamanho da dívida pública, algo recomendável.
Sabia-se que o teto só se sustentaria se reforçado por reformas estruturais, que afetassem sobretudo gastos com a folha de salários e a Previdência.
Algum movimento nessa direção ocorreu com a reforma da Previdência de 2019. Mas faltam pelo menos uma reforma do RH do Estado e um reforço adicional na área da Previdência (sobretudo para incluir o que ficou de fora).
A partir de 2020, a dívida federal cresceu em cerca de 5 pontos do PIB. Não cresceu mais, apesar dos gastos com a pandemia, em função do congelamento (temporário) de salários no setor público e da alta da inflação (que permitiu uma redução temporária da conta de juros).
Recentemente, incapaz de redefinir prioridades para o gasto público e pressionado pelo ciclo eleitoral, o governo tomou duas decisões que expuseram a fragilidade do teto: o parcelamento do pagamento de precatórios (calote) e a modificação do indexador do teto (casuísmo).
A reação dos mercados foi forte: o dólar subiu ainda mais, as bolsas caíram e as taxas de juros de longo prazo (nominais e reais) dispararam. Preocupado com a inflação, o BC aumentou os juros em 1,5% e sinalizou repetição da dose no próximo Copom.
Com juros elevados e perspectivas cada vez piores para o crescimento a partir do ano que vem, a dívida pública deve voltar a uma trajetória de crescimento acelerado. O espectro da dominância fiscal segue assombrando o Brasil.
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