Bolsonaro é risco à democracia, e Lula é risco à economia


Um dos responsáveis pela elaboração do Plano Real, o economista Edmar Bacha afirma estar envolvido 100% na busca de uma alternativa política aos nomes de Jair Bolsonaro (sem partido) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para as eleições de 2022. O primeiro, por representar um risco para a democracia. O segundo, à economia.

“Não tem jeito, não. A gente tem de focar na construção de uma alternativa melhor, que esse país merece”, afirma Bacha em entrevista à Folha.

O sócio-fundador do instituto Casa das Garças também diz que a gestão Bolsonaro/Paulo Guedes (Economia) coloca em risco o legado do Plano Real e que as ameaças golpistas do presidente são parte dos problemas econômicos do país.

O senhor assinou dois manifestos neste ano, um sobre a política do governo de combate à pandemia e outro sobre a necessidade de respeito às eleições de 2022. Como avalia as manifestações do presidente Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, a carta que ele divulgou posteriormente e a reação do mercado a esses fatos? Eu e quase todos os economistas que se manifestaram estamos preocupados, porque o Brasil está com problemas extraordinariamente complexos. A pobreza nunca foi tão avassaladora. O desemprego. Essa questão da pandemia, com risco de uma quarta onda.

Estamos com problemas tão graves imediatos, e o presidente fica perturbando a situação como um todo, em vez de minimamente colaborar para a solução desses problemas. Além de não tratar desses problemas cruciais, está fazendo ameaças à democracia. É patético.

É possível que a economia consiga ter uma melhora significativa até o ano que vem, com algo que possa gerar um impulso de crescimento e até melhorar a popularidade do presidente? É tão óbvio para as análises econômicas que a popularidade do presidente está fundamentalmente atrelada à questão do emprego e da inflação.

E como é que ele não vê isso, que é por aí que ele tem de trabalhar, em vez de ficar fazendo provocações em relação à democracia ou açulando os caminhoneiros para interromper as estradas, nesse tipo muito característico dele de zigue-zague? A economia não gosta de zigue-zagues, gosta de linha reta e, nesse sentido, ele é parte do problema.

O clima atual de disputa política e também da perspectiva de uma disputa Lula vs. Bolsonaro no ano que vem pioram esse cenário? Eu estou envolvido 100% na busca de uma melhor via, porque eu acho que Bolsonaro é um risco à democracia do Brasil e Lula é um risco à economia. As últimas declarações que ele, Lula, tem dado mostram que ele não aprendeu nada. Tem se posicionado contra a austeridade fiscal, contra a abertura da economia.

Os assessores dele são todos retrógrados, estão todos nessa linha de recuperar o Brasil grande, não aprenderam nada. Não se deram conta de que surfaram em uma onda de commodities e, na verdade, deixaram passar a oportunidade. Gastaram o que tinha e o que não tinha, em vez de aumentar a capacidade de crescimento com aquela enorme onda de commodities que o Brasil teve durante o governo Lula.

Tivemos recentemente uma polêmica envolvendo a Febraban e o manifesto sobre o respeito aos Três Poderes. Como o senhor avalia essa posição dúbia do mercado financeiro em relação ao governo Bolsonaro? O mercado financeiro tinha muita esperança na agenda liberal do [ministro da Economia, Paulo] Guedes e tinha medo do Lula. A segunda parte continua. Até porque ele é incapaz de fazer uma mínima autocrítica, não somente em relação à economia, com a [ex-presidente] Dilma [Rousseff], mas em relação também à corrupção.

Não tem jeito, não. A gente tem de focar na construção de uma alternativa melhor, que esse país merece.

A crise atual e a gestão Bolsonaro/Guedes podem colocar em risco o legado do Plano Real, de todas as conquistas econômicas desses quase 30 anos? O que a gente vê atualmente com muita tristeza é que todo esse trabalho de construção feito ao longo desses anos, dentro de uma perspectiva de social liberalismo ou liberalismo social, está sendo colocado em risco pela ameaça institucional que Bolsonaro representa. Essa é a questão fundamental agora.

A questão subsidiária é que a alternativa que se apresenta eleitoralmente mais forte contra Bolsonaro no momento é uma alternativa retrógrada, que não busca uma melhoria efetiva da economia brasileira para que ela possa ser forte o suficiente para que a gente possa fazer o que interessa, que é melhorar a condição de vida do povo.

As alternativas políticas postas no momento não são consistentes com os ganhos que obtivemos ao longo desse longo processo de construção e consolidação do Plano Real. Trabalhos extraordinários foram constituídos. Não só no combate à inflação; na construção de instituições fortes, programas importantes de distribuição de renda. O trabalho da reforma previdenciária. Na questão das reformas inconclusas, como a abertura comercial e a reforma tributária.

Temos uma base muito forte para construir nosso futuro. Por isso é que é importante encontrar uma via melhor do que Lula ou Bolsonaro.

Qual o balanço do governo Bolsonaro e da gestão Paulo Guedes até o momento? É um governo fracassado do ponto de vista das promessas que ele fez. E agora se encontra prisioneiro do centrão. Já tinha um presidente anti-liberal, agora está tendo que acomodar a fisiologia do centrão.

Alguns colegas já estão dizendo que é melhor não ter mais reforma nenhuma. Do jeito que saiu a capitalização da Eletrobras, sei lá se valeu a pena. E o centrão está destroçando a reforma tributária do Imposto de Renda. Além de ter um desgoverno, porque não saber o que faz ou ter ideias erradas, como a CPMF, agora tem essa coisa de ter de negociar com a fisiologia do centrão.

A política econômica estaria mais para um populismo do que um liberalismo? Pois é. Liberal populista. Que combinação horrível.

Será possível conciliar as demandas do Executivo e do Legislativo por mais dinheiro no ano eleitoral com o teto de gastos? O principal agora é a questão dos precatórios. O governo não se preparou para isso. Elementos você tinha para saber o que estava por vir e, de repente, se diz que é um meteoro que apareceu não sei de onde. O Judiciário estava tratando disso, propondo soluções conciliatórias.

Não é uma questão só de teto de gastos, mas de ter um governo que honra seus compromissos. Não pode tratar os precatórios como se fossem lixo. Precatório é uma dívida, tem de ser honrada. Nesse caso, a atitude do presidente também é também totalmente destrutiva. Quando mais precisa do STF [Supremo Tribunal Federal] para ajudar a encontrar uma solução que seja adequada, ele adota a atitude de atacar o STF.

O senhor participa neste mês do evento ‘O Lugar do Brasil no Mundo’, organizado pela ICC Brasil. Como a crise atual pode prejudicar a inserção internacional do país e o nosso desempenho no comércio exterior? A questão nossa em relação ao cenário internacional não depende do mundo, depende de nós. O Brasil tem 3% do PIB mundial e só 1% das exportações mundiais. Somos gigantinho em termos de PIB e somos um anão em termos de exportações. Isso é auto-infligido. Fomos nós que optamos por não participar das cadeias internacionais de valor. Optamos por intensificar a substituição de importações em vez de fazer a promoção das exportações. Fomos nós que demos as costas para o mundo.

Só nos beneficiamos quando os preços das commodities sobem, e nos prejudicamos quando os preços caem, porque não participamos mais ativamente, por opção do Brasil, do comércio internacional. A questão que se coloca agora, como se coloca já há muito tempo, é o que o Brasil está disposto a fazer para ser um ator mais ativo no comércio internacional.

Há perspectiva de mudar esse cenário no atual governo ou em um próximo? É uma questão que vai se impor por conta da tecnologia. As pessoas vão cada vez mais se dar conta de que estão interconectadas. As coisas estão ficando cada vez mais intercambiáveis. Serviços que eram só locais estão ficando disponíveis internacionalmente. Fica cada vez mais claro para a população a importância para o bem-estar dela. Quando isso ficar patente, vai aumentar a onda em torno da necessidade de abertura comercial.

Já é patente para nós economistas e para boa parte dos empresários. Os empresários ficaram durante muitos anos nessa ilusão de que lhes bastava o mercado interno e, desde que houvesse proteção, estavam contentes. Mas está ficando claro que esse mercado interno não vai estar mais disponível e que ele é muito pequeno para as necessidades das novas tecnologias. Creio que o impulso para a abertura vai ser crescente, independente de ideologias deste ou daquele governo, e vai vir de baixo para cima.