Casa das Garças

Brincando com fogo

Data: 

25/09/2022

Autor: 

Arminio Fraga

Veículo: 

Folha de São Paulo

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Faltam sete dias para as eleições. Desafios importantes seguem órfãos de diagnósticos e respostas concretas. O próximo governo terá que definir prioridades, com base em um cálculo transparente de custos e benefícios.

Nesse contexto, me chamou a atenção uma reportagem que saiu aqui nesta Folha no dia 15/9, intitulada “Economistas de candidatos sugerem licença para gastar em 2023”.

Alguns parecem meramente resignados com a deterioração das contas públicas contratada pelo quem-gasta-mais na disputa eleitoral. Outros sinalizam que querem aumentar ainda mais a dívida pública, para investir e gastar no social. Trata-se de uma proposta obviamente desejável, mas para de pé?

De cara, é essencial reconhecer que as estatísticas fiscais exibem relevante fragilidade. Após uma melhora recente nos resultados, em parte causada por fatores não recorrentes (juros baixos, salários congelados, inflação e preços de commodities altos), a trajetória de crescimento da já elevada dívida pública será retomada, podendo chegar a 100% do PIB ao fim desta década se providências não forem tomadas.

A relação entre o tamanho da dívida pública e quanto ela custa de juros merece reflexão. Há uma década a narrativa causal nas economias avançadas tem sido dos juros para a dívida. Por quê? Se um país consegue se endividar pagando taxas de juros muito baixas, até negativas em termos reais, por que não o fazer? Ora, assim tem sido feito.

No entanto, após esse período sem precedentes de dinheiro de graça e gasto público solto, vieram choques de custos como a pandemia e a invasão da Ucrânia, e a inflação saiu de controle. Agora, tudo indica que não vai ser fácil voltar às metas, sobretudo nos Estados Unidos, onde o mercado de trabalho está superaquecido, mas na Europa e no Reino Unido também.

Sinal disso é que as taxas de juros de curto e longo prazo nesses países já subiram bastante e podem subir ainda mais. Não se sabe quanto tempo vai durar e até onde vai esse período de ajuste nas economias avançadas. O que sabemos é que uma contração da liquidez nos países avançados em geral é presságio de problemas sérios nas economias emergentes, que já lidam com seus próprios desafios macroeconômicos.

No Brasil, a mera observação de que o governo paga juros reais de 6% em sua dívida indexada ao IPCA sugere que aqui a cadeia causal funciona na outra direção: o tamanho da dívida e seu crescimento aumentam os prêmios de risco e empurram para cima taxas de juros, alimentando um perigoso círculo vicioso de juros e endividamento. Esse quadro é reforçado pelo desmantelamento da Lei de Responsabilidade Fiscal e do teto de gastos, assim como pela rigidez e pelo tamanho dos gastos obrigatórios, pelo orçamento secreto e pela PEC Kamikaze.

Para o ano que vem, os melhores especialistas projetam um déficit primário de 1 a 2% do PIB. Urge definir uma estratégia clara de reconstrução fiscal, que de forma crível ponha em queda a dívida pública (como proporção do PIB).

Para tanto, seria necessária uma radical priorização do gasto público e a construção de um superávit primário que, sob hipóteses razoáveis de juros e crescimento, fizesse a dívida cair 1 a 2 pontos do PIB a cada ano.

A calibragem do exercício é bastante subjetiva. As hipóteses dependem de fatores qualitativos, tais como o bom funcionamento da democracia e das instituições, e algum consenso em torno de uma estratégia de desenvolvimento eficaz.

Em caso de sucesso, considero que seria suficiente chegar em três anos a um superávit primário recorrente de 3% do PIB, pois viabilizaria juros mais baixos e mais crescimento. Caso contrário, para equilibrar as contas, o esforço fiscal teria que ser maior, o que me parece totalmente impossível.

Ou seja, sem um governo que aposte na responsabilidade fiscal para garantir a responsabilidade social e o crescimento e tenha sangue-frio para empenhar seu capital político nesse caminho, estaremos condenados a ir para o brejo.

Infelizmente, o que se vê no debate eleitoral denota uma temerária complacência com o quadro fiscal, ilustrada pela aceitação de que é inevitável mais uma expansão, tal como começar a dieta com mais uma fatia de bolo, fumar mais um cigarrinho, tomar mais um golinho de cachaça. “Amanhã eu juro que paro.” Mas esse amanhã nunca chega. A crise sim, chega.

 

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