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A campanha para presidente começou precocemente, com consequências previsíveis. Analistas respeitados estimam em 90% a chance de um segundo turno entre Bolsonaro e Lula no ano que vem.
Isso significaria que só haveria no máximo 10% de chance de uma candidatura de centro chegar ao segundo turno. Por outro lado, observadores experientes como Tasso Jereissati e Paulo Hartung enxergam uma avenida aberta para uma candidatura pelo centro. Essa alternativa faz falta.
Quiçá quixotescamente, avalio que as chances de uma candidatura de centro e competitiva são bem superiores a 10%. Bolsonaro vem confirmando quase que diariamente suas limitações quanto ao que fazer com o Brasil. Não que a pandemia não tenha sido um mega obstáculo à sua gestão. O ponto é que nessas horas um líder mostra a quantas veio. A gestão da crise tem sido catastrófica.
E, de resto, ele conduz um governo atrasado, sem visão ou agenda adequadas, sem apreço pela democracia, bem a cara da famosa reunião de abril de 2020 e dos eventos da semana que passou.O quadro econômico e político atual é insustentável e tende a se agravar.
Não creio que o presidente tenha 90% de chance de chegar ao segundo turno, nem perto. As demandas sociais a curto prazo, que eram previsíveis, escancaram o estado de cobertor curto em que se encontra o país: inflação em alta, fiscal descontrolado (e, portanto, sem folga), política monetária em fase de aperto e pandemia ardendo.
A resposta econômica correta teria que vir através de âncoras críveis de impacto futuro, algo inatingível no momento e por um bom tempo. E o governo segue voltado para assuntos privados e para a reeleição.
A reentrada de Lula na cena foi a notícia política mais importante dos últimos tempos. Muito se tem discutido sobre qual Lula vai aparecer, se eleito em 2022. Digo isso porque me parece óbvio que, na campanha, ele se moverá para o centro.
Discurso e entrevista recentes mostram o Lula de sempre, brilhante na oratória, criativo nas respostas, explorando o contraste com seu possível adversário para se conectar com as pessoas. Não se trata exatamente de um sarrafo muito alto, e Lula pulou por cima sem maiores esforços.
Como todo brasileiro de minha idade (63), acompanhei bem a trajetória de Lula. Estive com ele pessoalmente entre as eleições de 2002 e a posse. Foram encontros privados, que à época muito me ajudaram como parte do esforço de desarmar a crise de confiança que, na essência, foi uma crise de desconfiança em Lula e no PT.
As conversas foram fascinantes. Confirmaram o que eu já tinha ouvido de FHC: Lula não era um revolucionário, era um líder sindical carismático, pragmático e inteligente. A transição foi extremamente civilizada e bem-sucedida. A grande surpresa para alguns de nós, para mim certamente, foi a imediata criação da ficção da herança maldita.
Na prática, no entanto, o governo seguiu na área econômica basicamente o roteiro que deixamos. Naquele momento, eu acreditava que o Brasil ia dar certo. E deu, por alguns anos, com a excelente gestão de Palocci, Meirelles e suas equipes e alguma ajuda do boom de commodities.
No entanto, em 2006 Palocci caiu e em seu lugar Lula pôs o grupo liderado por Dilma Rousseff e Mantega, que aos poucos promoveu a mudança em direção a um modelo econômico que já tinha dado errado no passado. E deu outra vez. A história é bem conhecida, não vou me alongar.
Como Lula manteve um mínimo de disciplina macroeconômica e as commodities continuaram subindo, as coisas andaram bem. O Brasil cresceu no mesmo ritmo de seus pares na região (nada para bater bumbo, portanto), o que permitiu avanços sociais dentro do que se esperaria de um governo de esquerda.
A taxa de crescimento da renda por estrato foi mais alta para aqueles mais pobres, exceção feita aos muito ricos. Foi mais à base do consumo do que do investimento, mas não foi pouco.
Em paralelo ao que as pessoas sentiam no seu dia a dia, firmou-se na política uma associação de Lula com o Brasil Velho, o que acabou desembocando no escândalo do mensalão e quase derrubou o governo.
Mas a qualidade de vida das pessoas melhorou durante o período. Não surpreende, portanto, que a lembrança que as pessoas têm de Lula seja boa. Pouco importa que as sementes para o fracasso retumbante de Dilma, escolha pessoal de Lula, tenham sido plantadas por ele mesmo.
Pouco importa que, mal tivesse secado a tinta do mensalão, tenha surgido o petrolão. Pouco importa que o Bolsa Empresário tenha sido muito maior do que o Bolsa Família. Pouco importa que o ciclo completo do PT no poder tenha sido decepcionante.Para a maioria das pessoas as relações de causa e efeito são muito pouco claras.
Esse é o desafio que os adversários de Lula terão que enfrentar. Alguns que deveriam saber melhor já parecem querer jogar a toalha quanto a uma alternativa às duas já postas. Mas não estamos condenados a reviver o passado.
Há demanda por agendas alternativas, que respeitem as regras básicas da democracia, que ponham o Estado a serviço do interesse público (e não partidário ou privado), que saibam aproveitar os enormes espaços que existem para acelerar de forma inclusiva e sustentável o crescimento, que incluam a proteção social e reais oportunidades de mobilidade social, bem como o respeito e a valorização do meio ambiente.
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