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Em discurso para a militância, durante a campanha eleitoral de 2014, Lula disse que já se via, com Dilma, em 2022, nas comemorações de nossos 200 anos de Independência, defendendo tudo o que haviam conseguido conquistar “nos últimos 20 anos”. É legitimo a qualquer pessoa expressar de público suas “memórias do futuro”, para usar a bela expressão de Borges, para caracterizar desejos e expectativas.
Assim abri meu artigo neste espaço em 14/12/2014. E acrescentei: mas antes de chegar às eleições de 2022, haveria de passar por 2018. E não seria fácil de explicar então as conquistas dos “últimos 16 anos” como se fossem um coerente e singular período passível de ser entendido como um todo, como a “marquetagem” política tentou na eleição de 2014 com o discurso dos “últimos 12 anos”.
Afinal, a perda de credibilidade da política governamental na área econômica era de tal ordem que o discurso do “mais do mesmo”, no qual o governo Dilma insistia, estava com seu prazo de validade estampado no rótulo.
Relembrar traços essenciais dos começos de Lula e Dilma permite tirar conclusões relevantes. Lula 1 beneficiou-se fortemente da combinação positiva de três ordens de fatores: situação internacional extraordinariamente favorável; política macroeconômica não petista seguida, por Antonio Palocci e Henrique Meirelles; e herança não maldita de mudanças estruturais e avanços institucionais alcançados em administrações anteriores, inclusive programas sociais que foram mantidos, reagrupados e ampliados. Lula 1 começou a terminar quando, sob intenso fogo amigo, Palocci e sua equipe deixaram o governo. Lula 2 assumiu com nova equipe e nova concepção sobre o crucial papel do Estado no desenvolvimento do País. O PAC e suas sucessivas (cada vez mais ambiciosas) versões foi, em parte, a expressão dessa nova postura. A crise internacional após setembro de 2008 forneceu grande álibi para a ampliação da política contracíclica, dita “keynesiana”, que vinha sendo praticada prociclicamente desde 2007. Isso levou aos insustentáveis 7,5% de crescimento em 2010, em razão de outro extraordinário surto de melhora nos termos de troca, fruto do efeito China.
Dilma 1 começou, em 2011, com fugaz tentativa de lidar com consequências do superaquecimento da economia. Logo vieram a “nova matriz da política macroeconômica”, as idas e vindas da política de concessões em infraestrutura, os quase cinco anos sem licitações para exploração do petróleo, os vários tipos de pesados ônus impostos à Petrobras e a desastrada mudança no setor de energia elétrica. O conjunto da obra impôs pesadíssima herança a Dilma 2 e à credibilidade do PT no governo em termos de política econômica, em particular na área fiscal e no escopo e forma do intervencionismo do Estado. A propósito, vale ler o excelente livro Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil, organizado por Marcos Mendes.
Nesta campanha de 2022, Lula vem procurando se referir a seus governos, dando a entender apenas o período até 2010. Quer, talvez, fazer crer ao eleitor que é irrelevante que tenha escolhido Dilma como sua sucessora, apresentando-a como a melhor gerente que havia conhecido no País. Um crasso erro de avaliação, ou esperteza, que custou caro ao Brasil.
Como está custando caro ao País o governo de Bolsonaro, eleito em grande medida por rejeição ao lulopetismo. Um governo que opera no “modo desespero” eleitoral e que, ao fazê-lo, gera, com ajuda de parte do Congresso Nacional, uma terrível herança para 2023 e adiante. Situações difíceis não significam inexistência de opções. Mas é preciso sinalizá-las, sobretudo dado o contexto que, por razões internacionais e domésticas cada vez mais visíveis, tende a ser o mais difícil quadriênio dos tais “últimos 20 anos”.
Por isso reitero, adaptando o gênero, o que escrevi neste espaço em 8 de abril de 2018: “O Brasil precisa de um candidato(a) de centro, honesto(a), experiente, que não tenha ilusões – pelo contrário, que conheça bem a real situação das contas públicas do País (governo federal, Estados e muitos municípios); o drama da educação; a tragédia da corrupção e da violência urbana. E que tenha refletido e se cercado de pessoas experientes, tecnicamente competentes, que conheçam a máquina pública e seus corporativismos; e que sejam capazes de vislumbrar o País no mundo e não fechado em seu labirinto. É querer demais? Talvez, mas o Brasil está a exigir nada menos do que isso: tanto no Executivo como no Legislativo, gente que saiba para que deseja ser eleito(a), o que pensa em fazer – e, principalmente, comprometida com um Estado mais eficiente, a serviço dos brasileiros – e que venha a ser, por estes, percebido(a) como tal”.
O Brasil é por demais complexo, diversificado, múltiplo e criativo. Dispõe de muita gente competente, que recusa a inevitabilidade da polarização lulopetismo x bolsonarismo, que identifica outras possibilidades de voto no primeiro turno – e, com elas, importantes recados a dar por intermédio das urnas. Não com abstenções, mas com comparecimento e cuidado, inclusive nas outras escolhas, para governador e, particularmente, para os cargos legislativos.
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