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Por que será que, num momento em que a pandemia da Covid ainda está longe de ser superada globalmente, o presidente americano, Joe Biden, chama 40 chefes de Estado, incluindo o do Brasil, para tratar do aquecimento global? Por que o tema não foi o enfrentamento à pandemia, que ainda está longe de ser uma crise resolvida?
Quando olhamos para os atuais pacotes de recuperação pós-Covid dos países ricos, percebemos que todos centram fortemente na revisão dos modelos de desenvolvimento e colocam a sustentabilidade ambiental como elemento-chave. Programas para impulsionar a economia lançados em crises passadas jamais colocaram a questão ambiental entre os setores prioritários.
Neste novo modelo, a questão principal é a mudança do clima global. Este modelo tem sido chamado de nova economia, ou economia verde.
Será que os governos das economias avançadas aprenderam com a experiência da pandemia e (finalmente) começam a atuar mais firmemente no combate ao aquecimento global? Ou será que vamos cometer um suicídio coletivo e global?
O filósofo alemão Hegel, que viveu no começo dos anos 1800, sugeriu que “o que aprendemos da história é que não aprendemos com a história”. É difícil discordar do filósofo. A pandemia e a mudança climática têm mais em comum do que se enxerga à primeira vista. Ambas são ameaças globais. O vírus não respeita fronteiras e, portanto, só será plenamente controlado quando todos os países estiverem imunizados.
A mudança climática tem como principal vilão a emissão de gases de efeito estufa. Tanto faz em que continente a emissão ocorre. Portanto, as respostas a ambas as ameaças terão que ser globais e sincronizadas.
Não é de hoje que se sabe que a mudança climática terá efeitos devastadores se não debelada a tempo. As chocantes lições da pandemia parecem ter acordado a consciência coletiva do planeta quanto aos limites de resistência a abusos.
Os custos da pandemia são intoleráveis. Os custos projetados das mudanças do clima não são apenas maiores — são muitíssimo maiores. Com um agravante: são permanentes. Uma vez que a cadeia de eventos iniciar, não vai parar.
O momento em que o Brasil perder o grande potencial de produzir soja no cerrado porque ele ficou demasiadamente quente e seco, o custo será para sempre, uma vez que as condições climáticas que permitiram o cultivo de soja na região não mais existirão. A pandemia é um “trailer” do que está por vir com o aquecimento global. Nada disso é jogo de cena.
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Quando olhamos os recursos sendo disponibilizados para a transição para a economia verde pelos países mais ricos, nossa esperança aumenta. O pacote do governo americano é vultoso: US$ 2 trilhões. Isso corresponde ao PIB brasileiro.
As promessas de vários países de se autoimpor o cumprimento de metas antecipadamente e até mais ambiciosas do que as prometidas no Acordo de Paris também são auspiciosas.
É natural que nada seja mais urgente do que superar a Covid-19. Só no Brasil chegou a duas Torres Gêmeas de mortos a cada dia — cerca de 3 mil pessoas. A pandemia ensina que as ondas de contaminação vêm cada vez maiores e mais destrutivas. Ensina que o problema é muito mais aflitivo para famílias e países pobres do que para os ricos.
Ensina que não adianta apontar dedos para a China (ou o Brasil?) como vilã. Ensina que, quanto mais tarde o mundo agir, exponencialmente maiores serão os custos. E ensina também (e talvez o mais importante): que a base para as políticas públicas são as evidências científicas. Foi o conhecimento produzido por diversas ciências que nos deu o protocolo do distanciamento social para evitar a propagação do vírus, além, claro, das primeiras vacinas.
A questão climática enfrenta desafios semelhantes. Sabemos que: (1) as ameaças climáticas têm vindo, e continuarão a vir, em ondas cada vez maiores e mais destrutivas; (2) é importante identificar os maiores causadores do problema, mas que todos teremos de fazer nosso quinhão para reduzir as emissões globais; (3) os impactos climáticos sobre países e famílias pobres e mais vulneráveis serão muito mais intensos do que sobre os países e famílias ricas; (4) quanto mais tarde o mundo zerar suas emissões, maiores serão os impactos e os custos de remediação e adaptação; (5) e, por fim, que é crucial escutarmos o que nos dizem os cientistas do clima.
São avassaladoras e já irrefutáveis as evidências científicas sobre o problema e a urgência de resolvê-lo com firmeza.
Os países ricos agem com base nas (tristes) lições da pandemia. Mas agem também com base em interesses comerciais e de crescimento. Temos que fazer o mesmo. As oportunidades oferecidas pela transição global para uma economia verde são enormes: muitos empregos novos (e melhores); investimentos vultosos; diversos novos produtos embutindo avanços tecnológicos; muitos ganhos de bem-estar e qualidade de vida; entre outros.
Esses países sabem que, quanto antes entrarem na corrida, maiores as chances de serem os líderes lá na frente. O país que dominar a tecnologia de produção de aço zero carbono, ou viabilizar o hidrogênio renovável como combustível terá um poder econômico tão relevante no século quanto os países que, no século 20, viram nascer montadoras de automóveis.
Não se trata, portanto, de priorizar o combate à pandemia em detrimento ao avanço da economia verde, com investimentos sustentáveis e ações de descarbonização. Trata-se de pensar em estratégias que compatibilizem esses dois desafios. Na largada, o Brasil sai na frente com seus recursos naturais, energia limpa e muita floresta.
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Capitalizando esta vantagem comparativa e fazendo investimentos estratégicos adequados, podemos nos alinhar aos demais países no controle da Covid e auferir enormes ganhos econômicos na dianteira da corrida pela economia verde mundial. São ganhos, e não custos para o país.
*Arminio Fraga é economista, fundador da Gávea Investimentos, ex-presidente do Banco Central.
Sergio Margulis é economista de meio ambiente, trabalhou no Banco Mundial e no Ipea
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