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Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central, minimizou o efeito da lei que reduziu o ICMS dos combustíveis na queda da inflação recente. Segundo ele, que é colunista do GLOBO, a medida foi perfumaria, o que contou foi a atuação do Banco Central autônomo, o que fez o Brasil não acompanhar a Argentina dessa vez, que caminha para uma inflação de 80%, e estar perto da inflação de países do Hemisfério Norte.
Segundo ele, um BC autônomo é uma diferença em relação aos outros pleitos. Em entrevista ao GLOBO, ele diz que o Brasil precisa atualizar a agenda de reformas, mexendo na Lei do Orçamento e investindo nos projetos de concessão e não em privatizações, “só restaram Petrobras e Banco do Brasil”, o restante é de empresas deficitárias e com patrimônio negativo, por isso “Salim Mattar não conseguiu vender nada”.
Como analisa o cenário econômico atualmente, às vésperas da eleição?
Tem sido difícil olhar a coisa com frieza. Os números de inflação são bons, melhores que todo mundo imaginava e também os fiscais, por causa da inflação. Não houve o colapso que muita gente prognosticava. Mas governos deixam muitas bombas que só aparecem depois. Uma característica única é o BC independente, que explica porque o combate à inflação foi tão eficaz.
Resta ver como será a convivência se ganhar o Lula. Tivemos um trailer quando Lula ganhou lá atrás com Luiz Cantidiano (morto em 2017) na presidência da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) no primeiro mandato. Cantidiano contava que levou muito chá de cadeira. Mudanças institucionais bem feitas, que funcionam, parecem que sempre existiram. É assim com a independência do BC.
Diante da conjuntura atual, como prevê o ano de 2023?
Teremos menos inflação, mais PIB, menos bagunça na economia, com os mercados melhores do que todo mundo pensava. Uma surpresa boa. Mas sempre no primeiro ano de governo tem um tanto de arrocho, sempre se encontra uma aranha venenosa no armário. É um ciclo político para compensar um tanto de gasto excessivo durante o período eleitoral. Arrumar a casa no começo do governo é um clássico.
Mas precisamos de uma renovação da agenda de reformas. Ainda estamos discutindo aquelas introduzidas no Plano Real, tributária, trabalhista, administrativa, privatizações. Um vocabulário que introduzimos há 20 anos atrás.
O que é preciso atualizar?
Vai começar pelo fiscal, isso porque o teto de gastos (regra que impede crescimento de despesas acima da inflação) se esgotou. Era uma medida de alcance temporário e esse alcance se esgotou. A Lei do Orçamento é de 1964. É um assunto politicamente importante, como vemos nas emendas do orçamento secreto. Duas coisas que se confundem, emendas dos parlamentares que querem participar no orçamento e o Executivo reagia a isso.
O que está incomodando são as emendas secretas, que têm um caráter muito especial: todo mundo sabe para onde é, quanto é, só não está escrito que deputado recomendou. É o segredo de polichinelo. Não é tão misterioso. Na discussão da lei orçamentária, que vai acontecer a partir de 2023, esse tema vai aparecer, como achar o lugar correto para o Legislativo determinar para onde vai o dinheiro público.
As privatizações também precisam ser revistas?
Tirando Petrobras e Banco do Brasil, todo o resto já foi privatizado, incluindo bancos estaduais, o que sobrou foram empresas federais com patrimônio negativo e prejuízo. Salim Mattar (secretário de Desestatização no governo Bolsonaro até agosto de 2020), não conseguiu vender nada. A privatização relevante é dos projetos, uma agenda de concessões. Ela vem andando picadinho, uma de cada vez, saneamento, ferrovias, navegação.
Como vê a PEC que reduziu o ICMS baixando o preço dos combustíveis?
É de uma importância muita pequena, perfumaria, o que funcionou foi a atuação do Banco Central. A medida serve para os políticos indicarem ao grande público que estão simpáticos ao tema, que estão fazendo alguma coisa. Mas o que funcionou foi a política monetária, foi o BC que já vinha funcionando com um pouco mais independência, e a lei dos mandatos (que estabelece mandato de quatro anos para presidente e diretores do BC), fez a maior diferença nessa transição política.
Houve um movimento coordenado dos BCs do mundo inteiro para combater a inflação pós-Covid. A inflação cedeu à atuação dos bancos centrais que elevaram os juros. Subimos mais que americanos, ingleses, mas nosso passado de inflação é muito pior que qualquer dos outros países. Mas não estamos na companhia da Argentina, que tem uma inflação caminhando para 80%.
O normal seria estar acompanhando a Argentina, mas estamos acompanhando o Hemisfério Norte. Vince e cinco anos depois do Plano Real, estamos com inflação de primeiro mundo. Estou muito satisfeito. Isso é muito bom. Mas não foi a PEC da gasolina, não teve cloroquina nesse mix.
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