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No bate-papo após a entrevista, no escritório da Rio Bravo Investimento, em São Paulo, o economista Gustavo Franco lembrou com humor como ficou zangado ao saber que a Casa da Moeda tinha imprimido pouca notas de R$ 1, mas um grande número de cédulas de R$ 100, às vésperas da megaoperação montada para fazer a troca física da velha pela nova moeda.
Argumentaram precaução, lembra ele. Das outras vezes, a inflação voltava, e a demanda por notas maiores crescia rapidamente.
“Passaram-se dez anos até que fosse preciso imprimir notas novas de R$ 100, e até hoje é difícil troco para ela”, diz Franco com certa satisfação.
Para o economista, um estudioso dos fenômenos monetários, a vida e a morte das notas contam a história das relações de um povo com a sua moeda. O real é a oitava moeda oficial do Brasil, relata o livro “30 Anos de Real – Crônicas no Calor do Momento”, e sua longevidade, resume a publicação, é uma vitória social, política e econômica do país.
Organizada por Franco, com artigos do próprio, de Pedro Malan e de Edmar Bacha, que integraram o grupo de criadores do Plano Real, a coletânea reúne análises dos fatos que sustentaram e desafiaram a estabilidade nestas três décadas, na emoção do campo de batalha, como define Franco.
“Uma coisa é a gente falar do real hoje, 30 anos passados. A gente fica muito inteligente 30 anos depois, falando do que a gente fez lá atrás. Outra coisa é o que você falou no calor do momento.”
Como foi a experiência de produzir um livro sobre aniversários do real?
Tem um conceito interessante. Uma coisa é a gente falar do real hoje, 30 anos passados. A gente fica muito inteligente 30 anos depois, falando do que a gente fez lá atrás. Outra coisa é o que você falou no calor do momento. Aí, você está sendo governado pela intuição. Resolvemos, então, reunir textos do calor do momento. O livro traz o que falaram quem estava no campo de batalha, no momento em que as coisas aconteciam — e ficou bem legal todos esses textos juntos.
Claramente, nos primeiros anos, de zero aos cinco, tem uma temática muito clara voltada à aterrissagem e à âncora cambial. No décimo ano, esse assunto já passou. Estamos no regime de metas [para inflação, resultado primário e câmbio flutuante]. Ficou tudo certo, exceto que o governo havia mudado. O grande assunto, então, era a alternância no poder. A turma do caminhão de som foi para o governo. Os caras estavam batendo em nós havia dez anos, e agora eles eram governo. Como é que vai ser?
Daí para a frente, são temas da economia do Brasil. Aos 15 anos é 2009, e teve a crise de 2008. Aos 20 anos, o tema é a Nova Matriz de Dilma Rousseff. Aos 25 anos, é Bolsonaro.
Então, o Plano Real está feito. Temos os números, os resultados. Eu estou com tudo na ponta da língua. Agora também há um olhar muito mais benevolente da imprensa, dos comentaristas. Todo o mundo olha para essa experiência com um gosto bom na boca.
Para esta conversa, foi preciso voltar no tempo também, e li entrevistas do passado. Encontramos uma feita quando o real fazia dez anos, que fala justamente da questão cambial. O sr. falou na época: “Isso me trazia muitas dúvidas e eu não tinha muita gente com quem dialogar, era uma posição solitária. Ultimamente, eu tenho conversado muito com o meu travesseiro e, às vezes, me pergunto se teria sido melhor fazer algo diferente. Quem sabe se, em março de 1998, com US$ 74 bilhões em reservas, não teria sido o momento de liberar o câmbio. Mas em agosto de 1998, quando estourou a Rússia, o que teria acontecido com o Brasil se o câmbio já estivesse flutuando? Ninguém saberia dizer, eu mesmo não tenho a resposta. E eu asseguro que a disputa à reeleição em 1998 não pesou na decisão de não desvalorizar”. Como é que você vê aquele momento 30 anos depois?
Então, é por isso que eu acho que o livro, como foi concebido, é um documento interessante. É o seguinte, a vida é composta de decisões que você toma com a melhor informação que você tem no momento. O esporte é uma boa analogia. Você pode tomar decisões ali, no calor do momento, que não são as melhores ou, às vezes, por uma sorte, são espetacularmente bem-sucedidas. Como saber? Como se debruçar sobre aquilo como historiografia?
No caso do Plano Real, agora, 30 anos depois, vamos fazer uma coisa mais objetiva: olhar o resultado como a gente olha no caso do esporte. Fulano chutou de tal jeito naquele momento. Poderia ter driblado. Acertou? Errou? Vamos olhar o resultado da partida.
Em junho de 1994, a inflação brasileira bateu 50% ao mês. Isso foi 12.500% ao ano. Em julho, primeiro mês da nova moeda, foi para 6,8% no mês, ou seja, 120% ao ano. Fomos de 12.500% para 120%. Nos primeiros 12 meses da nova moeda, acumulou [inflação de] 33%.
Em 1997, a inflação, em meados do ano, já tinha caído abaixo de 10% ao ano. Em 1998, sabe quanto foi? 1,6% no ano. Saímos de 12.500% e chegamos a 1,6% em 1998. Aí, as pessoas ficam me dizendo: “Pô, tinha que ter feito assim, porque a âncora cambial…”. Ahhh, desculpe. Não, não. Chega dessa conversa. Foi feito do jeito que foi feito, e ganhamos a Copa. Chega desse negócio.
Economia sempre foi um item importante na popularidade dos políticos, mas inflação se tornou essencial. Pesquisas que medem a popularidade de Lula, aqui no Brasil, e de Joe Biden, nos EUA, sinalizaram que as pessoas valorizam mais o poder de compra da moeda do que variáveis como emprego e crescimento do país. Como o sr. vê isso?
É presidente quem em 1994 avacalhou com o real, falou em perdas salariais e foi contra cada uma das medidas do plano. Não deixa de ter interesse ver o mesmo personagem antes e agora. O PT foi adversário do Plano Real e se tornou o maior partido do país. Isso diz alguma coisa sobre o Brasil, não é? Somos um paradoxo.
A gente fez uma conta interessante sobre quem foram os presidentes ao longo desse tempo. Foram alguns meses de Itamar e oito anos de Fernando Henrique Cardoso, os presidentes pró-Plano Real. Com eles, ocorreram os primeiros 3.100 dias dos 11 mil e pouco, que são os 30 anos. Depois foram 5.000 dias de PT —Lula 1, Lula 2, Dilma 1, Dilma 2. Aí vieram Temer e Bolsonaro, sendo Bolsonaro um desafio interessante, porque foi a oposição pela direita, algo que nunca tinha havido antes. Agora, temos o Lula 3. Tudo somado, o tempo maior é do PT, que hoje governa o país.
No livro novo, a frase inicial da apresentação responde bem à pergunta com uma observação: não tem nada mais público, social, inclusivo, nacional do que a moeda. A moeda é um pouco a síntese da nação, no simbólico como no prático. É como uma bandeira, mas é também o que você usa para o supermercado pagar as coisas. É o seu padrão de vida, o seu poder de compra. Como não tomar a moeda como uma instituição básica da vida econômica?
Você vê risco ao real? Eu pergunto isso porque hoje há uma discussão muito grande sobre política fiscal, que tem correlação com a política monetária.
Eu acho que tem vários riscos aí e, claro, o principal é que estamos perdendo tempo novamente em fazer as coisas que não vão nos levar a ter crescimento elevado, por erros conceituais, por medo de enfrentar reformas, que precisam ser feitas.
O Orçamento e o fiscal estão no centro da questão monetária, e o Brasil talvez não tenha ainda amadurecido essa discussão. O debate muito vivo hoje sobre o fiscal revela isso com clareza. Na nossa época, para conseguir sanear a moeda, o trabalho no fiscal foi de adaptação. A Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, foi uma primeira tentativa. Ela pegou, mas depois despegou. Precisa de um ajuste. Eu tinha esperança de que isso viria com o arcabouço. Não veio. Está faltando.
Construímos defesas contra riscos de colapso inflacionário. Do jeito que a política monetária funciona hoje, não dá para repetir a catástrofe dos anos 1980 e 1990, que gerou 12.500% de inflação por ano. Ok, ótimo. Não vai ter outra catástrofe desse tipo, mas podíamos ser mais do que somos hoje.
O que faltou?
O sistema estava fatigado. Na cabeça do político foi um grande sacrifício ter de fazer tudo o que foi feito pela estabilização. Então, dar a notícia de que era preciso mais reformas não foi bem recebido, mas soluções foram oferecidas.
Esses 30 anos do real foram de intensa reflexão e debates sobre reformas. Tem gás lacrimogêneo em privatização desde o primeiro dia até hoje. A gente ainda está discutindo privatização de empresa de saneamento. Sabesp, só agora. Nesses anos todos, quantas pessoas morreram de doenças infecciosas por causa de esgoto a céu aberto? Estou para me aposentar e jamais imaginei quando me formei, em 1979, que, passados 40 anos, o Brasil não seria um país rico. Fizemos a nossa parte, porque a inflação eram um obstáculo intransponível para uma vida econômica inteligente, mas o resto do trabalho vai ficar para os próximos 40 anos.
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