Casa das Garças

Década de rupturas: ‘Os juros baixos vieram para ficar e mudar a economia’

Data: 

18/12/2019

Autor: 

Ilan Goldfajn

Veículo: 

O Globo

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RIO — Presidente do Banco Central no período em que o Brasil iniciou uma queda constante nas taxas de juros, o economista Ilan Goldfajn acredita que o país se encaminha para um ciclo de crescimento entre 2% e 2,5%. “O Brasil é um transatlântico que se continuar na direção correta, vai chegar em bom porto. Mas não será rápido”, diz. Nessa conversa no seu novo emprego, a sede do banco Credit Suisse, em São Paulo, Goldfajn conta como acalmou o mercado na crise da JBS. “Haveria um risco de fuga de capitais se o mercado percebesse que poderia haver uma mudança na equipe econômica. Aí, o mercado não ia voltar rápido. Nosso trabalho foi de assegurar que não haveria guinada”, contou.

Dez anos atrás, a revista The Economist trouxe a capa com o Cristo Redentor como um foguete e saudando o Brasil como um novo player global. O que deu errado?

Haviam coisas que não tinham mudado e a The Economist achava que tinham mudado, e coisas que agora a gente acha que pioraram, mas na verdade não pioraram. Estávamos no auge das commodities, onde a economia global estava se recuperando do crack de 2008, e o Brasil estava exportando muito, com um crescimento da renda média nacional. Mas era um crescimento baseado num boom que não era permanente.

Esses dez anos foram uma década perdida, como os anos 80?

Não, nós evoluímos nessa década. Voltamos a ter uma inflação de país civilizado, entre 3% e 4% e finalmente nos transformamos em um país normal em termos de taxa de juros. Também percebemos a necessidade de um ajuste de despesa a longo prazo, avançamos na reforma da previdência.

 

Mas foram os anos de uma recessão brutal e da recuperação mais lenta da história. A recessão a partir do final de 2014 era inevitável?

A desaceleração já estava contratada, porque a China passou a crescer menos. Foi mundial. O que não estava na conta era uma queda tão grande no PIB, na ordem de 7% a 8%.

Por que o Brasil sofreu mais?

Além da desaceleração global, temos dois motivos. O primeiro foi a política econômica de excessos (no governo Dilma). Acreditou-se que o boom das commodities veio para ficar e isso levou a achar que as receitas eram muito superiores ao real. Veja o caso do Estado do Rio, que passou a contratar servidores como se o petróleo fosse permanecer com o barril acima de U$ 100 para sempre, com o agravante que esses servidores tem estabilidade e se tornam despesas permanentes. Os gastos públicos foram elevados de forma incompatível com a realidade. Tivemos problemas com a Petrobras, com o controle nos preços dos combustíveis, uso de bancos públicos nas políticas de estímulos. Acreditaram (a equipe econômica do governo Dilma) que a política econômica era infalível, cometeram erros que não achavam que eram erros. Quando se aperceberam da nova realidade, a queda foi maior e mais brusca, porque os Estados estavam quebrados, a Petrobras tinha problemas…

Outro fator que multiplicou o impacto foi o combate à corrupção, que é uma coisa boa, mas que, no curto prazo, acabou paralisando setores relevantes. O setor de construção civil caiu 80%. Por um objetivo de médio prazo positivo, você acabou desestruturando setores que só agora você está voltando a reestruturar.

Por que a recuperação econômica é tão lenta?

O crescimento vai voltar devagar. A mudança da direção de política econômica (com o governo Temer), trouxe uma nova equipe que apresentou novas reformas e uma nova agenda. As pessoas diziam, “Ah, não poderia piorar”. Só que sempre pode piorar! Tem países vizinhos que acabam piorando mais…

A guinada na política econômica não necessariamente significa que você consegue resolver todos os problemas criados, mas ao invés do desemprego aumentar, o desemprego começa a diminuir, em vez de as reformas serem a favor de mais gastos públicos, elas são de menos gastos, as projeções das dívidas públicas que estavam subindo começam a melhorar. O Brasil é um transatlântico, navega devagar, muda de rota devagar. É um país democrático, o que significa que você precisa formar consensos para aprovar reformas. Então, você quer fazer a reforma da Previdência, começa a falar, no dia 1 não tem consenso. Lá no terceiro ano do debate, gera o consenso e aprova a reforma. E agora começamos a falar da reforma tributária. O Brasil é um transatlântico que se continuar na direção correta, vai chegar em bom porto. Mas não será rápido.

Quando o senhor tomou posse como presidente do Banco Central, a inflação estava perto dos 10%. Qual era a prioridade?

O pior momento para um Banco Central é quando você tem uma inflação muito alta com uma recessão muito grande, porque os sinais são contraditórios. Uma recessão recomenda estímulo à economia (baixar a taxa Selic), e uma inflação recomenda segurar (aumenta a taxa). A minha responsabilidade era a de gerar credibilidade porque o ajuste de preços naquele momento não era pela demanda, era porque as pessoas estavam incertas sobre o que ia acontecer. As pessoas aumentavam os preços por uma inércia da inflação passada.

 

Nas minhas primeiras semanas, houve um pedido para mudar a meta da inflação porque havia a noção que o Banco Central com a inflação na casa dos dois dígitos não conseguiria entregar a meta de 6,5%. Mas aí estava armadilha. Se mudássemos a meta naquele momento, iriamos cair na visão de no Brasil, quando não cumpre a meta, muda a meta. A credibilidade sairia arranhada. Eu fui então na minha primeira entrevista coletiva de imprensa, meus diretores sequer haviam sido sabatinados no Senado, e falei “nós vamos manter a meta. Ela é desafiadora, mas é factível”.

E era factível?

Foi uma situação difícil, porque foi contra o consenso. Todo mercado defendia mudar a meta, mas eu achava que era melhor tentar, não cumprir e explicar, do que iniciar a gestão com uma perda de credibilidade.

Sabemos o final da história, não só cumprimos a meta no próprio ano, mas no ano seguinte ficamos abaixo da meta. E daí as pessoas reclamaram que a inflação estava baixa demais…

Um ano depois da sua posse, surge o escândalo da JBS e abre-se a possibilidade de afastamento do presidente Temer. Como o mercado reagiu?

Tivemos que atuar vendendo dólar, intervindo no mercado de títulos, garantindo que haveria liquidez. Só haveria um risco de fuga de capitais se o mercado percebesse que poderia haver uma guinada na equipe econômica. Aí, o mercado não ia voltar rápido. Então nosso trabalho foi de assegurar que não haveria guinada e depois tem que ver o que vai acontecer em termos da política e da política econômica. Naquele momento ninguém sabia. A nossa dificuldade de crescer (em 2017 e 18) veio dessa instabilidade, desses ruídos.

A inflação poderia ter se descontrolado em 2018 com a greve dos caminhoneiros?

Tivemos um aumento de inflação de 1,2% em junho, e a dúvida era: será que esse repique vai acabar voltando ou vai virar inflação. Será que o PIB vai gerar desabastecimento, será que o PIB vai ficar pior? E isso você, de novo, tem que estar lá no mercado tentando acalmar, tentando dizer: olha, a coisa está sendo resolvida, está sendo vista. Já teve algum acordo. O acordo com os caminhoneiros acabou custando, em termos fiscais, custou menos do que o efeito na economia. Mesmo assim teve consequências, teve uma tabela de fretes, que tem consequências negativas para frente.

Como se acalma o mercado num momento em crise como a JBS e dos caminheiros?

Só se você constrói credibilidade.

Em que momento que vocês perceberam que a queda dos juros era irreversível?

No Banco Central, você não baixa a guarda, mas na metade de 2017 já estava claro que havíamos quebrado a espinha da inflação, os sinais de que teríamos índice na casa dos 3% eram definitivos e que os juros iriam cair continuamente. Agora, até onde a taxa Selic pode chegar, ninguém sabe. É um mundo novo. Mas estamos em outro patamar, os juros baixos vieram para ficar e mudar a economia.

A Selic caiu, mas a dona Maria quando olha o crediário, o cheque especial ainda vê taxas de 150%, 300%. Por que essa queda demora tanto a chegar ao consumidor?

Vou dividir a resposta em dois. Primeiro, onde além da Selic os juros caíram? As grandes empresas vão para o mercado de capitais e pagam um pouco mais que o CDI (Certificado de Depósito Interbancário), ou seja, nunca pagaram tão pouco. Só para o governo, a queda nos juros vai provocar uma economia de quase R$ 100 bilhões. Para o consumidor, as taxas de hipoteca estão entre 6% e 7% para dez ou trinta anos, as taxas de crédito consignado, de financiamento agrícola, de financiamento de veículos, todas caíram.

Onde a queda dos juros não chegou? Onde não há garantias: empréstimos pessoais, crédito para pequenas e médias empresas que tem mais dificuldade de dar garantias. No Brasil, você consegue retomar 13 centavos de cada real emprestado, enquanto a média mundial é 70. Por isso, para quem tem garantias, a queda dos juros chega mais rápido.

A queda dos juros básicos foi muito rápida, uma coisa fora do comum, mas a queda dos juros da economia está ocorrendo e vai continuar ocorrendo, mas é um processo.

Por décadas, se ouviu políticos dizerem que bastava um choque de juros para fazer o Brasil crescer. É mais complicado?

A redução dos juros tem um efeito estimulativo, tira um pouco do custo do capital, reduz os financiamentos, mas o impacto dos juros é no curto prazo. Quer pensar no longo prazo, vamos pensar na educação básica. Quer pensar no médio prazo, pensa como é que se vai financiar a infraestrutura, como é que se dar a segurança jurídica para investimentos. A queda dos juros é uma conquista, mas é apenas uma parte.

Como se resolve o dilema em que em um lado o Estado faliu e do outro não há confiança suficiente do setor provado para investir?

É uma mudança dos motores. Por muitos anos, o governo era o motor do gasto. Agora vai ter que ser o investimento privado, vai ter que ser o consumo privado, vai ter que ser produtividade… Essa mudança é algo que vai ocorrer, mas leva tempo. Leva tempo, porque ainda é preciso resolver carga tributária, contencioso judiciário, infraestrutura.

É um rumo de um estado menor?

É de um estado mais eficiente, que está por exemplo na educação básica, na saúde, em ajudar no transporte público, presta serviço onde a população precisa e sai fora de estatais.

Um dos efeitos colaterais dessa situação dos juros é a volatilidade do câmbio. Isso é natural ou isso reflete alguma desconfiança nos fundamentos da economia?

Há muitos anos, quando acontecia uma crise, você tinha o risco Brasil subindo, você tinha o câmbio subindo, a inflação subindo, estamos acostumados a olhar o câmbio como termômetro do risco, mas às vezes o câmbio não é um termômetro do risco. Esse patamar de juros bem menor, tem uma implicação sobre a parte do câmbio que é determinada pelo fluxos. Tem muito dinheiro que vem e que vinha para levar o retorno que a gente aqui oferecia relativo ao retorno que as pessoas tinham lá fora. Trazer o dinheiro de lá pra cá, ou arbitrar de cá pra lá, gerava uma quantidade de recursos que levava o nosso câmbio a ser um câmbio mais baixo, mais apreciado. Isso tornava o Brasil mais caro em dólares comparado com o resto do mundo. Na medida que você resolve essa questão da composição fiscal versus monetária, você tem uma nova estrutura de juros, é natural que você tenha um novo patamar de câmbio. Você acabou com essa arbitragem. No longo prazo, a média nos próximos dez anos vai ser de um câmbio mais depreciado do que a média dos últimos dez anos.

Por que os investidores locais estão tão mais otimistas que os estrangeiros sobre o Brasil?

Cada um vive um momento. O brasileiro passou por uma recessão, o início da recuperação, a eleição de 2018 que foi um ano conturbado, as reformas, a mudança no patamar de juros. Para ele, há uma sensação de que algo está se movimentando. O investidor estrangeiro não tem essa mudança. Para eles, qualquer queda de juros é um sinal ruim. Nós não chegamos nesse estágio, para nós abriu-se a circunstância para que as firmas invistam, que você produza.

Mas o Brasil não pegou o bonde atrasado demais, ou seja, estamos fazendo reforma em um momento em que a perspectiva mundial é de um crescimento mais baixo, com a briga EUA-China, Brexit, desaceleração da China?

Por isso que uso a imagem do transatlântico, que se move devagar. A reforma tributária? Demora, mas vai acabar saindo. Por isso que a ideia de persistência é fundamental para um país como o Brasil.

Em um país com 12% de desemprego e 20% de desalento, vindo de uma economia que caiu 7% , não é natural que a sociedade esteja impaciente pelo crescimento?

É absolutamente natural. Eu fico impaciente em muita coisa, você fica, todo mundo fica, e os desempregados ainda mais. Mas qual é a solução? A solução não pode ser populismo. Já fizemos isso, tentamos as soluções de curto prazo, aumentamos o gasto público… Tentamos pelos atalhos e não deu certo. Vamos tentar fazer as coisas pelo lado certo? Se você está no setor privado, é hora de investir. Se você está no governo, vamos tentar gerar esses consensos um pouco mais rápido, em vez de o tempo todo estar em conflitos.

O crescimento, portanto, demora?

Depende. As condições da queda dos juros estão dadas. Mas temos o setor público com muitas dificuldades. Precisamos de várias reformas que demoram… no curto prazo, podemos dobrar o crescimento de hoje, mas é de 2% a 2,5% ano. Agora, em cinco, seis, dez anos, estaremos em outro patamar. Porque não é só a reforma da Previdência, o novo patamar de juros, a reforma tributária, é o acúmulo de mudanças que vai nos levar para outro patamar.

E o risco político?

O conflito na política sempre atrasa os consensos e, portanto, atrasa as reformas e afetam o crescimento lá na frente.

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