Casa das Garças

Democracia e desenvolvimento, tudo a ver

Data: 

15/01/2023

Autor: 

Edmar Bacha

Veículo: 

O Globo

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Num momento em que a democracia no Brasil está sob ataque, o economista Edmar Bacha, um dos pais do Real e membro da Academia Brasileira de Letras, escreve um importante trabalho sobre a relação da democracia com o desenvolvimento econômico, a ser publicado no próximo número da Revista Brasileira, veículo oficial da ABL.

Com base em diversos estudos e dados de órgãos internacionais, como o Banco Mundial, Bacha afirma que “nem a experiência brasileira, nem as comparações internacionais sustentam a ideia de que a autocracia tenha superioridade sobre a democracia para promover o crescimento econômico”. Ao contrário, as comparações internacionais sugerem que a democracia se associa à passagem de um país de renda média, como Brasil, para a renda alta.

A classificação adotada pela Matrix da Democracia da Universidade de Würzburg identifica cinco regimes políticos no mundo: democracias funcionais, democracias deficientes, regimes híbridos, autocracias moderadas e autocracias plenas. Em 2019, com base nessa classificação, de 179 países, 83 tinham o status de democracias, sendo 37 funcionais e 46 deficientes (incluindo o Brasil). No extremo oposto, encontravam-se 55 autocracias, sendo 34 moderadas e 21 plenas. No meio, havia 41 regimes híbridos que combinam elementos democráticos e autocráticos. Quase metade dos países do mundo têm regimes democráticos, mas apenas pouco mais de um quarto da população mundial vive em democracias. Os pesos da autocracia da China e do regime híbrido da India na população mundial explicam esse desbalanceamento, explica Bacha.

Embora pouco se possa dizer sobre a relação da democracia com o PIB per capita para níveis baixos de renda, Bacha ressalta que a ´partir de US$ 10 mil per capita há uma associação positiva da democracia com a renda per capita. “Em particular. fica a sugestão de que a superação da armadilha da renda média está associada ao aperfeiçoamento democrático dos países”.

Em seu estudo, ele separou 164 países, ordenados por nível de renda, divididos em três grupos com praticamente o mesmo número de países.O grupo de renda alta compreende 54 países com PIB per capita de até US$ 7,3 mil; o de renda média, 54 países com PIB per capita de mais de US$ 7,3 mil até US$ 22,1 mil (caso do Brasil, que tem US$ 14,7 mil); e o de renda alta, 55 países com renda per capita de mais de US$ 22,1 mil. “A democracia funcional é o regime dominante no grupo de renda alta, e representa parcela pequena dos outros dois grupos”, destaca Bacha, enquanto no de renda média, a democracia deficiente é o regime prevalecente.

Já no grupo de renda baixa, três regimes aparecem como importantes, em ordem decrescente: democracia deficiente, sistema híbrido e autocracia moderada.Uma relação clara entre democracia e desenvolvimento econômico aparece em texto seu recente, em que identifica 12 países no pós-guerra fizeram a transição da renda média para se incorporarem aos países ricos. Esses países são os chamados tigres asiáticos: Cingapura, Coreia do Sul, Hong Kong, Israel e Taiwan; membros da União Europeia: Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal; e exportadores de produtos primários: Austrália, Noruega e Nova Zelândia.

“Uma característica comum a eles é seu alto grau de abertura ao comércio exterior. Outras características são populações médias ou pequenas (5 a 50 milhões de habitantes) e baixa desigualdade da distribuição de renda. Não há entre eles autocracias e, afora os regimes híbridos de Cingapura e Hong Kong, são todos países democráticos.”

Não vale a pena, assim, entreter ilusões autoritárias do tipo de “se eu fosse ditador por um dia”. Vale mais a pena nos dedicarmos a aprimorar a qualidade das políticas públicas para que nossa democracia possa mais efetivamente responder ao anseio dos brasileiros por melhores condições de vida, conclui Bacha.

 

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