Do jeito que anda, Lula pode não se reeleger

“O Brasil pode passar de pária a líder, de problema a solução”

FLJ- A frase “It’s the economy, stupid” (uma pequena variação de “A economia, idiota”, cunhada em 1992 por James Carville, então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton) completou 30 anos. Ao longo do tempo ela cristalizou a ideia de que a economia “manda” na política eleitoral. Será que a economia não manda mais na política? Será que ideologias, religião e costumes são as economias do momento?

Armínio Fraga – Acho que o novo axioma deveria ser: “It’s not just the economy, stupid” (“Não é apenas a economia, idiota”). Talvez você tenha lido um artigo do David Brooks, colunista do New York Times), que vai na mesma linha, de tentar explicar o porquê das dificuldades do Joe Biden, a despeito da economia pujante americana, com desemprego muito baixo, e com toda a gastança. Ele atribui o mal-estar a valores, a elementos que vão além da renda e do emprego, como religião e família. Acredito que algo parecido está acontecendo no Brasil. Existe uma visão do povo de que a esquerda está muito intelectualizada, que não presta atenção nas reais demandas e necessidades das pessoas. A falta de perspectiva afeta diferentes grupos de forma diferente. Nos Estados Unidos o padrão de vida da classe média branca não está indo para frente, não está com a qualidade de vida melhor que a dos seus pais. Aqui a segurança virou o maior problema. Os progressistas, dentro dos quais me incluo, têm que prestar a atenção no que essas pessoas de fato estão querendo. Uma postura, assim, arrogante, economicista, não agrada e não resolve.

FLJ – Olhando por essas lentes, você consegue entender por que Jair Bolsonaro ainda é um personagem popular na política brasileira?

Armínio – Justamente isso. Eu não sou cientista político, mas me surpreende que o Lula não esteja tentando caminhar um pouquinho para o centro. Eu não sou um especialista, mas desse jeito ele pode até perder a reeleição. Se errar na economia então, aí nem se fala.

FLJ – Você vê alguém no cenário político que possa surpreender?

Armínio- Eu vejo. Mas a relação risco retorno de eu falar algum nome agora é muito ruim para mim. (rs)

FLJ -Como você se define politicamente?

Armínio – Outro dia eu fui fazer uma consulta médica de rotina. O médico perguntou “de qual partido você gosta?”. Bem, no momento, não tem um que me inspire. Eu estou atrás de um partido liberal, progressista e verde. Um que respeite a diversidade de ideias e valores, e se preocupe com a falta de mobilidade social. Pena que esse partido não exista, ainda.

FLJ – Você faz parte do grupo de economistas que coloca o ambientalismo no plano das primeiras prioridades. O que você diria à ministra Marina Silva se ela lhe pedisse um conselho genérico sobre o que fazer.

Armínio- Eu tenho em mente uma agenda absolutamente clara quanto ao meio-ambiente. Começa por eliminar o desmatamento. Eu teria metas mais ambiciosas do que apenas eliminar o desmatamento ilegal. O Brasil pode ir além. Mas o problema não são apenas as ideias. É a execução e, em última instância, a política também. O presidente vai para o Egito e passa a ser membro da da OPEP+. Não é fácil. Não é fácil a posição dela. Acho que a Marina está tentando. A agenda ambiental oferece ao Brasil a chance de deixar de ser um pária e um problema, e passar a ser um líder e uma solução. A coisa vem melhorando, claro, mas uma estratégia completa para a essencial transição da matriz energética ainda não está clara.

FLJ- Há quem diga que, em nome do combate ao desmatamento, estão prejudicando o que o Brasil tem de melhor: sua produção e exportação de cereais e carnes. Como você vê isso?

Armínio- Olha, esse argumento não para de pé. A agricultura e a pecuária podem continuar a crescer sem derrubar mais uma árvore sequer, sem aumentar a emissão de gases de estufa e com mais cuidado com o uso de agrotóxicos. Daqui a pouco, se continuar desse jeito, se não houver muito cuidado, o Brasil não vai conseguir exportar. As portas vão se fechando.

FLJ- Será que se fecham mesmo? Parte do mundo, com dinheiro, continuará tendo que importar para alimentar bocas.

Armínio – Algum comprador vai sobrar, é claro, mas nos grandes mercados, a tendência é que eles se fechem. Eu não me surpreenderia em ver a China aderindo a todos esses critérios (de proteção ambiental), sabe? Pode escrever aí. Estou dando dez anos para isso acontecer. Me cobre em dez anos.

FLJ – Você é a favor de explorar ou de não explorar petróleo na Amazônia?

Armínio- É preciso ter muita segurança contra acidentes e outros riscos. Esse é um tema mais complicado porque o mundo como um todo tem que caminhar para reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis. Então, não estamos falando de agir do lado da oferta, mas sim da demanda. É muito difícil pedir a um país qualquer que seja, especialmente um pobre, um sacrifício individual. Então, esse tema para mim, não é nada trivial. Meu coração diz assim: para tudo! Mas não é real. Sem prejuízo de rigor máximo quanto ao risco ambiental. Seria bom que o Brasil tivesse um mercado de carbono bem estruturado, sem exceções (como a absurda do agronegócio) e sem protecionismo dos poluidores locais, que querem comprar carbono barato para continuar poluindo.

FLJ- Você se refere à decisão do governo de retirar o agronegócio do setor regulado do mercado de carbono? Decisão que, na prática, desobriga produtores rurais de respeitarem limites às suas emissões de carbono ou, caso superem esses limites, comprem créditos de carbono como forma de compensação?

Armínio- Sim, e o problema é que a pecuária também ficou de fora. Eu acho curioso que o “grande agro” seja entendido como uma mistura entre agricultura moderna e pecuária. Mesmo a pecuária moderna, do ponto de vista ambiental, ela é mais impactante. Então o agro moderno está se colocando junto com outras áreas que são mais danosas. E eu ainda tenho esperança de que eles caiam em si e removam esse obstáculo ao incluir esse mercado no setor regulado. Somos um exportador de captura de carbono em potencial gigante. Como já mencionei, o Brasil está diante de uma enorme oportunidade.

FLJ- Você acha que essa decisão pode ser revertida?

Armínio – Isso pode mudar. É uma vergonha tão grande, uma desfaçatez, é um absurdo. Vai ver não muda, sei lá. Tem muito absurdo que perdura. Mas eu acho que o agro moderno tinha que pular fora e dizer “eu aceito ser regulado”. Para separar o joio do trigo.