Casa das Garças

É importante colocar alguma disciplina sobre o BC nos swaps

Data: 

11/01/2016

Autor: 

Edmar Bacha

Veículo: 

Valor

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As operações de venda de swaps cambiais, que resultaram em perda de R$ 89,7 bilhões em 2015, deveriam ser realizadas com mais responsabilidade pelo Banco Central e refletir uma dedução das reservas internacionais, para não criar a ilusão de que se está multiplicando as reservas. É o que defende Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e diretor da Casa das Garças, instituto de estudos de política econômica. Para Bacha, é preciso avançar nas reformas e buscar a desindexação da economia como caminho para buscar a retomada do crescimento com baixa inflação. Segundo ele, o maior risco para a economia hoje é uma virada do governo à esquerda.
Valor: O real foi a segunda moeda que mais perdeu em relação ao dólar em 2015, mesmo com as intervenções do BC no câmbio. Como o senhor avalia a política cambial?
Edmar Bacha: A evidência é que elas [as intervenções] foram ineficazes se o objetivo era evitar a depreciação do câmbio. O câmbio, desde 1911, tem seguido uma trajetória muito colada à variação dos preços das commodities. É fato que o câmbio seguiu muito de perto a tendência de perda dos preços das commodities que exportamos desde 2011.
Valor: O BC teve perda de R$ 89,7 bilhões com swaps cambiais em 2015. Como o senhor avalia o uso desse instrumento?
Bacha: O fato é que o BC tem muita liberdade para fazer operações de swap e com isso dá a ilusão de que está multiplicando as reservas, quando o que ele está fazendo é uma operação em que, quando há uma desvalorização [do câmbio], provoca um prejuízo para o BC significativo. O swap é uma troca de juros em dólar por juros em reais e entra na conta de juros. A questão que acho mais importante é que, quando há essa perda com swap isoladamente, ela não é sentida no balanço do BC, porque passa para o resultado e é transferido para o Tesouro. É importante colocar alguma disciplina sobre o BC na emissão de swap e ele deveria sentir no seu balanço o custo dessas perdas. Por isso, propus que tratemos o swap como uma dedução das reservas internacionais. O mercado já trata assim. Ele olha o total das reservas de US$ 370 bilhões e vê o total de swap [de US$ 108 bilhões] e considera as reservas líquidas em US$ 270 bilhões. O mercado não se deixa enganar pelo fato dos swaps serem liquidados em reais. Minha proposta é que os swaps sejam considerados uma dedução das reservas na contabilidade do BC.
Valor: O BC pagaria essas perdas em dólares ao mercado?
Bacha: Quando o BC tem uma perda, ele emite dinheiro para pagar o mercado e aumenta as reservas dos bancos, que estão na outra ponta dos swaps e ganharam dele. Isso aumenta a base e o BC faz as operações compromissadas para enxugar a liquidez. O que estou propondo é que quando ele tiver a perda e isso aumentar a base, ele compense isso vendendo reservas para os bancos para enxugar a liquidez e não fazendo compromissadas. O importante é caracterizar que os swaps são de fato uma dedução das reservas, porque nesse caso o BC será mais cuidadoso na emissão de swaps. Agora, a minha preocupação, que tratei em artigo que escrevi sobre isso, é com a independência do BC. Esse negócio dos swaps, que foi tratado no documento do PMDB [“Uma ponte para o futuro”], tem causado tal perturbação em Brasília, e não só no PMDB, que estão querendo intervir no BC. Então, não precisa intervir. Você tem de criar mecanismo que dê incentivos corretos para o BC fazer as operações de swap de maneira mais responsável.
Valor: O BC tem um estoque de US$ 108 bilhões em swaps cambiais. Seria importante fazer o desmonte dessa posição?
Bacha: Sou a favor de progressivamente eliminar esses swaps. Teria de ser uma coisa bem explicada dentro de um contexto mais amplo. O BC tem que ir avaliando, inclusive em função da volatilidade. O que ele menos quer no momento é causar mais volatilidade nos mercados, especialmente com essa confusão mundial com a China e a crise no Oriente Médio.
Valor: O BC alega que o ganho com a valorização das reservas compensa as perdas com swap, mas elas não são contabilizadas na dívida bruta. O senhor acha que o governo deveria adotar a metodologia usada internacionalmente, que passaria a considerar esse efeito?
Bacha: A questão contábil é outro ponto complicado porque o Brasil resolveu adotar uma mensuração [da dívida] que é distinta dos demais países. O que acho que pode ser feito imediatamente é o BC passar a publicar os dois tipos de dívida pública. De vez em quando, ele publica quando tem essas avaliações anuais do FMI [Fundo Monetário Internacional]. O BC deveria publicar os dois conceitos e explicar por que acha que o conceito adotado no Brasil é mais pertinente, já que as contas do BC estão muito embaralhadas com a do Tesouro Nacional. E aí começar um processo que acho importante, que fizemos em 1994, até antes do Plano Real. Uma das medidas do Plano de Ação Imediata (PAI) foi limpar a carteira do BC e esclarecer a natureza das operações do BC com o Tesouro, e caracterizar que ele não estava financiando o Tesouro. O que ocorreu, especialmente a partir de 2008 quando eles começaram os artificialismos fiscais e as “pedalas fiscais”, foi que eles criaram uma série de Medidas Provisórias, a primeira em 2008, e a última no apagar das luzes de 2015, que estão cada vez mais embaralhando as contas do BC com a do Tesouro e permitindo operações entre uma entidade e outra que eram proibidas no nosso tempo. Isso tem engordado a conta única do Tesouro, que tem R$ 1 trilhão, dinheiro que o governo usou para pagar as “pedaladas”. É um dinheiro que não foi gerado por saldo, foi gerado por essa mágica contábil e isso é um perigo.
Valor: Qual sua avaliação sobre a mudança da equipe econômica?
Bacha: O Nelson Barbosa [ministro da Fazenda] tem sido muito cuidadoso nas suas declarações. Pode ter assumido uma visão mais realista do que ele teve quando foi um dos inventores da nova matriz macroeconômica. Agora, caso ele tenha mudado e esteja disposto a praticar uma política mais realista, ele tem um problema sério de como vai enfrentar o PT e o Lula. A Dilma [Rousseff] declarou que está disposta a rever a questão da previdência. Há alguns movimentos na direção correta. Só que a situação é dramática e precisa de uma mudança de curso radical, em se avançar nas reformas e na desindexação da economia, para que o Brasil possa retomar o crescimento com inflação baixa. O maior risco é uma virada à esquerda do governo.
Valor: O BC deve subir os juros?
Bacha: Acho que a situação é tão dramática que eu até seria favorável a uma pausa pelo BC, caso o governo se predispusesse a adotar políticas que melhorassem o ambiente inflacionário. E isso envolve mudança de expectativa, que é uma virada da Dilma, fazer as reformas e criar expectativas favoráveis da situação fiscal no futuro.

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