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Presidente do Banco Central entre 1999 e 2003, o economista Arminio Fraga foi aluno dos principais criadores do Real. Definiu como brilhante a introdução da URV para escapar da indexação, mas acha que a primeira gestão de FHC falhou do ponto de vista fiscal.
Vinte e cinco anos depois, qual é a maior herança e o maior mea-culpa que deve ser feito sobre o Real?
Havia várias frentes de trabalho sobre o que fazer com a chamada inflação inercial, preocupação que já vinha lá do Simonsen, para dar crédito a quem merece. Os experimentos ortodoxos que haviam dado errado e, depois, os heterodoxos que deram errado também. E aí começou a se consolidar a ideia de que era preciso algo mais completo, que levasse em conta a indexação da economia, mas que também tivesse outras dimensões. O Plano Real saiu daí, com a solução muito criativa, brilhante, da URV. Foram necessários alguns ajustes depois. Mas o que pegou desde o início, que, a meu ver, é o que sustenta o real até hoje, foi o fato de o povo ter gostado da vida sem inflação. A inflação baixa virou um bem público. Todo o período ali do primeiro mandato do Fernando Henrique foi, do ponto de vista fiscal, relativamente frouxo, mas o resto foi muito difícil e bem executado. No momento em que a inflação desapareceu, alguns problemas surgiram com mais clareza. Eles estavam meio escamoteados.
Quais, por exemplo?
Primeiro, foi o problema bancário. O sistema bancário brasileiro é uma espécie de parasita da inflação, e isso gerou crises bancárias sucessivas. Primeiro nos bancos privados, depois em praticamente todos os bancos públicos também. Deu um trabalho danado para consertar. Depois, mais para o final, o câmbio tinha ficado valorizado. Estava defasado, em um vocabulário mais da época, e as finanças públicas também. As finanças públicas porque o Orçamento era administrado ali na boca do caixa. Com uma inflação de 30% ao mês, se segurasse uma liberação de dez dias, eram 10% a menos liberados na prática. Então ficou difícil administrar tanto o balanço de pagamentos com o câmbio defasado quanto a vida fiscal também, porque esse truque deixou de funcionar. E a crise veio e era inexorável. O Brasil estava com uma taxa de juros real de 20% e com o saldo primário zerado e até negativo. Sabia-se que o final não seria feliz e que o câmbio também não se sustentaria.
Que tipo de reforma da Previdência acredita que será feita?
Acho que vai acontecer parcialmente. Uma vez aprovada uma reforma da Previdência que vai gerar um resultado que seria a metade do necessário, e o que é necessário já não era suficiente, vamos ver o que vai ser feito daqui para a frente. Está difícil arriscar alguma previsão. ■
A batalha da inflação está ganha, mas o país não pode abrir mão do sistema de metas de inflação, defendeu Edmar Bacha, para quem o Brasil está numa situação dramática. Um dos pais do Plano Real, é diretor da Casa das Garças, instituição dedicada a estudos e debates da economia.
Como o senhor avalia o Plano Real?
Na parte da implementação do ajuste fiscal, o dever de casa ainda não foi concluído. Não conseguimos retomar uma agenda de crescimento sustentado pós-Real. O período de maior crescimento foi o auge das commodities, e foi algo que veio de fora. Acabou o auge, acabou o crescimento, ou o delta de crescimento. É complicado voltar a crescer, tem ainda o problema circunstancial que é o fato de que, desde 2014, o país está em depressão. Nossa situação é dramática.
O senhor diria que o país vive um período tão conturbado quanto o de 1994?
Recuperamos o instrumento monetário e o câmbio. Hoje, temos US$ 350 bilhões de reservas, e o Brasil é superavitário em termos de créditos em dólares versus débitos em dólares. Então este problema desapareceu. As políticas cambial e monetária têm mais flexibilidade, mas temos de resolver a questão fiscal. É uma batalha difícil. Existe hoje um conjunto de planos e projetos cuja questão básica é decisão política e capacidade de fazer as leis serem aprovadas no Congresso.
Como desatar o nó da política?
Temos um presidente que não gosta de política. Ele precisa mudar de atitude. Se o presidente Bolsonaro quiser ser reeleito, ele vai ter de mudar. A questão é se ele vai mudar por convicção ou precisaremos chegar a uma crise ainda maior que a atual. Pelo visto, acho que o governo vai precisar de uma crise para mudar de atitude. Nada indica que as coisas vão melhorar o suficiente para ultrapassarmos a batalha da Previdência, que é apenas uma batalha. Está ficando muito custoso em termos do ajuste fiscal.
E como retomar o crescimento?
A equação para retomada do crescimento não é simples. Existe uma abundância de recursos financeiros no mundo. O problema é onde aplicar a poupança externa, e o Brasil não oferece um ambiente atrativo.
O senhor acredita que a inflação é um problema resolvido?
Não podemos abrir mão da meta da inflação. Ela veio para ficar. ■
Vinte e cinco anos depois, o economista e ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco disse que não mexeria em uma vírgula do Plano Real. Ele lamentou que o país esteja progredindo menos do que seria necessário para crescer e afirmou que a reforma da Previdência não é em si garantia de retomada do crescimento econômico do país.
O Plano Real era apenas um programa de combate à inflação?
Queríamos reescrever toda a Constituição de 1988. Se tivéssemos aprovado a reforma da Previdência, a quebra do monopólio… olha o tempo que estamos levando para consertar a Constituição, que, naquele momento, estava aberta à revisão, como previa a própria Carta de 88.
O que o senhor mudaria no Plano Real?
Não mudaria absolutamente nada. Só em 1997 é que a inflação chegou num ponto considerado bom. Era uma guerra de infantaria. Qualquer coisa que fizéssemos diferente, não chegaríamos com uma inflação de 5,22% àquele ano. Teríamos chegado apenas lá pelos anos 1999 ou 2000. Durante todos estes anos, resistimos à tentação. Não voltamos à hiperinflação. Mas ainda não viramos um atleta, porque temos medo de confrontar interesses estabelecidos. Daí por que não conseguimos revisar a Constituição, o que requer duas votações, na Câmara e no Senado.
Faz sentido manter meta de inflação?
Claro que sim. Quando adotamos o sistema de metas de inflação em 1999, ele já estava amadurecido. Se tivéssemos adotado antes dessa data, logo após a implantação do Plano Real, ririam da nossa cara. Ninguém tomaria uma meta para a inflação como uma âncora. Arminio Fraga (presidente do BC de 1999 a 2003 ) tem um grande mérito por ter se arriscado a adotar esse sistema no Brasil, numa época em que ele ainda era pouco conhecido por aqui. Ainda bem que tínhamos feito o trabalho de desintoxicar o país da cultura inflacionária anos antes.
O país tem 13,1 milhões de desempregados. Deveríamos também ter meta de desemprego?
Na prática ela já existe, só que as pessoas não sabem. A autoridade monetária brasileira não é o Banco Central (BC), é o Conselho Monetário Nacional (CMN). Quando o CMN diz ao BC, através de um decreto do presidente, que ele vai fazer metas para a inflação, os outros seis objetivos continuam valendo. Ou seja, sempre que o BC usa nas suas atas a expressão balanço dos riscos, ele está falando em inflação e atividade. Ou seja, a meta de desemprego está embutida nessa expressão.
A reforma da Previdência é a solução para todos os males?
A reforma da Previdência não é em si suficiente para garantir o crescimento. Para passar uma peça tão complexa e grande de texto constitucional, é necessário arregimentar forçar políticas. ■
Defensor dos regimes de meta de inflação e de câmbio flutuante, o ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda Pedro Malan afirmou que os dois regimes não deveriam mudar.
Visto em retrospecto, o senhor diria que o Plano Real deu certo?
O Plano lidou com o mais urgente dos desafios, que era a inflação naquele ano. Nós sabíamos que ela ultrapassaria 2.000%. Em 1988, foi 250%… era insustentável dar continuidade àquela situação. Não era o desafio fundamental, que resolveria todo o resto. Tínhamos a clara consciência de que era o mais urgente dos desafios. E, uma vez que a hiperinflação fosse derrotada, como foi, a agenda do Brasil, pós- derrota da hiperinflação, era a agenda que se confundia com a agenda do desenvolvimento econômico e social do país. Era o mais urgente, mas nunca achamos que era um fim que se esgotava em si mesmo.
O dever de casa pós-Real foi feito?
Em 13 de junho de 2019, completamos 26 anos do lançamento do Programa de Ação Imediata (PAI), um texto relevante onde defendíamos, com muita clareza, que o desafio mais urgente era a inflação. Esse foi o primeiro documento do Plano Real, e já estava lá que, após o controle da inflação, seria preciso enfrentar o descalabro das contas públicas. Faz duas décadas que o regime de metas de inflação foi adotado. Ele serviu bem ao país, e eu espero que continue servindo. E há 20 anos e seis meses estamos com o regime de taxa de câmbio flutuante, que também serviu bem ao país, e eu espero que continue servindo. Esses dois regimes não deveriam mudar.
A reforma da Previdência seria uma forma de resolver o problema fiscal?
No Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e em alguns municípios, o descontrole fiscal continua sendo a agenda fundamental de longo prazo. Precisamos aprovar a reforma da Previdência, mas ela precisa ser robusta, porque os gastos estão subindo numa velocidade absolutamente insustentável. E o pior: o aumento desses gastos está reduzindo a alocação de recursos para outras áreas, como saúde e educação. Assim como o Real não era uma panaceia, a solução, um fim em si mesmo, a reforma da Previdência também não é. Mas, caso ela não venha a ser aprovada, pode provocar um efeito negativo sobre a formação das expectativas, o que pode retardar ainda mais o crescimento. Aqui no Brasil temos dificuldade de fazer uma operação aritmética simples: a soma. Nem sempre a soma dos desejos é compatível com a receita. ■
O economista Persio Arida, ex-presidente do BNDES e do Banco Central, disse que a maior derrota do Plano Real foi perder a batalha da reforma da Previdência. Se aprovada, ela teria mudado drasticamente a história econômica do país. Já como um programa de estabilização inflacionária, avaliou que foi foi extraordinariamente bem-sucedido.
Depois de 25 anos, como o senhor enxerga o Plano Real?
Como um programa estritamente de estabilização inflacionária, o Plano Real foi extraordinariamente bem-sucedido. Mas nós sabíamos que só seria possível sustentar a inflação baixa com reformas modernizantes. Nosso objetivo era colocar o país numa rota de crescimento elevada. A troca monetária era apenas o começo, e não o fim do processo. Depois que FHC foi eleito, empreendemos um amplo programa de reformas: quebra dos monopólios estatais, privatização de companhias e bancos estaduais, abertura da economia e do setor financeiro, criação das agências reguladoras, tripé macroeconômico com superávit fiscal. As bases do Brasil moderno de hoje foram montadas naquela época. Daí veio o PT, Lula e Dilma, que trataram de desfigurar as reformas, e acabamos com o superávit primário.
Qual foi o maior erro cometido naquela época?
Perdemos a batalha da Previdência por um único voto. Se tivéssemos aprovado a reforma da Previdência naquele momento, teríamos mudado drasticamente a história econômica do país.
Faz sentido o país continuar com meta de inflação?
Faz sim. Na verdade, sempre há uma preocupação com o desemprego no sistema de metas, até porque a regra básica é baixar os juros sempre que a economia estiver com capacidade ociosa. O que não faz sentido é ter meta de crescimento para o Banco Central porque não é criando reservas bancárias que o Brasil vai crescer mais ou menos no longo prazo. ■
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