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Assim como escrever um livro de memórias, fazer resenhas a seu respeito não costuma ser trivial. Com o cuidado a que me obrigam circunstâncias tão peculiares, tentarei transmitir pelo menos parte da incrível trajetória de Edmar Lisboa Bacha. Da primeira infância, no município de Lambari, à maturidade em Brasília, sobram-lhe histórias que, todavia contadas em primeira pessoa, dão centralidade ao cotidiano dos milhões de brasileiros que, como Edmar, ajudaram a construir o Brasil.
A propósito da sua boa escrita – qualidade incomum entre os economistas –, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é certeiro: não há contradição alguma entre ser bom técnico e saber escrever. E, de todos os técnicos de quem tenho nota, poucos (ou, quiçá, nenhum) consagram essa tese de maneira tão categórica quanto faz Edmar Bacha.
É difícil dizer, mas essa facilidade parece ter sido germinada logo cedo. Quando menino, Edmar já gostava de ler. Não é um hábito muito comum na maioria dos lares. Ainda menos nos anos quarenta, época na qual a taxa de alfabetização era metade da que é hoje. Mas, por sorte, “educação e cultura foram sempre cláusulas pétreas na família Lisboa”, como lembra o autor. Aqui, devo pedir licença para um pequeno spoiler acerca do que escreve o economista.
Aos quatro, embora gostasse dos livros de suas duas tias Henriqueta e Alaíde, incomodava-se com a ausência de um personagem que o representasse. Certa vez, em visita à Tia Alaíde, protestou contra o esquecimento de que se sentia vítima. A resposta chegou-lhe às mãos quando já morava fora. “Querido sobrinho, espero que não se incomode com o título que dei a esse meu novo livro, na tentativa de lhe compensar da frustração de anos atrás.” O título era: Edmar, esse menino vai longe. E ele foi além.
Àquela altura, Edmar já era conhecido dos brasileiros. Através do seu “Reino de Belíndia”, 1974, tornou públicas suas críticas aos dados oficiais divulgados pela ditadura. A preocupação de Edmar com a qualidade da mensuração estatística, embora externalizada em meados da década de setenta, causava-lhe arrepios desde a época em que ainda era estudante. Abaixo, dois fragmentos de cartas trocadas com a mãe nos anos sessenta:
Primeiro, em setembro de 1964, Edmar sustenta que “(…) também, trabalhar com a quantidade de dados empíricos de que os economistas americanos dispõem é uma beleza. Nada como ser superdesenvolvido para se ter boas estatísticas”. Poucos meses mais tarde, em março, concluiu “que as estatísticas do Brasil eram insuficientes para o meu trabalho para desenvolvimento. Que coisa, dos menos subdesenvolvidos dos subdesenvolvidos o Brasil não perde para ninguém em matéria de deficiência de estatísticas”.
À primeira vista, a maneira pela qual Edmar Bacha, desde muito cedo, relaciona-se com os detalhes pode parecer preciosismo de economista. De vez em quando, deve ser (ou não são os economistas ficcionistas que venceram na vida?). No entanto, não fosse por sua atenção aos detalhes, é pouco provável que o Real tivesse funcionado.
Embora nunca o tenha visto admitir publicamente, o fato é que, na carência de uma política de ajustamento fiscal como a que propusera, o programa de estabilização teria sido envenenado pelos graves desequilíbrios orçamentários que, até então, o governo contornava pela inflação. A posterior quebradeira observada no setor financeiro fornece um vislumbre do que poderia ter acontecido com o governo caso este não tivesse, previamente, acertado suas contas.
A respeito das suas passagens pelo governo, Bacha, como fez Pedro Collor à Veja, “contou tudo”. Das críticas ferinas a que o professor Roberto Campos lhe submeteu durante o curso do Cruzado até as grosserias de que foi alvo quando confrontado pela então deputada Maria da Conceição Tavares, a experiência do autor nos possibilita entender um pouco melhor os desafios enfrentados pelos economistas que aceitam trabalhar no poder público.
Edmar Lisboa Bacha, nascido em Lambari, no interior de Minas Gerais, tornou-se, a partir do seu próprio mérito, um cidadão do mundo. Fez o seu mestrado em Yale e, pela mesma, doutorou-se. “Não precisa espalhar não, mas dos sete economistas que a Fundação já mandou aqui para Yale, seu maninho é o primeiro a conseguir isso com um ano de curso”, contou à irmã em 1965. Três décadas mais tarde, mal sabia, estaria comemorando o sucesso do plano de combate à hiperinflação que ajudou a elaborar. Edmar, o técnico que escreve como um literato, não é um economista qualquer: é um menino que foi além.
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