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Em 1974, escrevi uma fábula sobre o reino de Belíndia, mistura de Bélgica com Índia, um país em que o crescimento econômico beneficiava somente a parcela mais rica da população. Em 1984, imaginei em nova fábula uma reunião de economistas no Sambódromo para discutir como dar fim à inflação no país dos contrários, em que tudo funcionava de trás para a frente, inclusive o próprio nome do país, Lisarb. Após a redemocratização, Mário Henrique Simonsen cunhou o termo Banglabânia, mistura de Bangladesh com Albânia, para expressar sua preocupação com o risco de empobrecimento do país como consequência das tendências autárquicas e estatizantes da Constituição de 1988. Em 1994, Delfim Netto concebeu a Ingana, mistura de Inglaterra com Gana, para criticar o governo que aumentava os impostos como se estivesse num país europeu, enquanto oferecia serviços públicos de terceiro mundo. As manifestações de rua de 2013 trouxeram à tona outra caracterização, que denominei de Rumala, triste combinação de Rússia com Guatemala: uma elite corrupta associada a uma alta taxa de criminalidade. Como se não bastasse, ao promover a devastação da Amazônia e a ocupação pelo garimpo ilegal dos territórios indígenas, o governo de Bolsonaro me sugeriu criar Brasa, um país em chamas, completando essa peculiar lista.
Esses países imaginários designam males múltiplos presentes na atualidade brasileira: desigualdade, preços surreais, pobreza, introversão, estagnação, impostos sem contrapartida de serviços, corrupção e violência, ataques ao meio ambiente e aos povos originários.
O Plano Real permitiu abolir dois males históricos da economia brasileira, a alta inflação e as crises de balanço de pagamentos. Entretanto, afora curtos espasmos determinados pelo ciclo das commodities, o Brasil continuou a crescer a taxas muito baixas. Não se trata de fenômeno incomum. É conhecido como armadilha da renda média na literatura internacional. Uma coisa é transitar da renda baixa para a renda média. Outra coisa é sair da renda média para alcançar o nível de renda dos países ricos.
Desde a Segunda Guerra Mundial, deixando de lado o caso peculiar dos países do Golfo Pérsico produtores de petróleo, identifiquei 12 países que conseguiram fazer a transição da renda média para a renda alta: Coreia do Sul, Hong-Kong, Israel, Cingapura e Taiwan (exportando bens industriais); Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal (exportando serviços, inclusive mão de obra); e Austrália, Nova Zelândia e Noruega (exportando recursos naturais). Cada um de acordo com suas vantagens comparativas, todos integrados ao mundo. O Brasil segue isolado do comércio exterior.
Ao contrário desses países que ascenderam ao grupo dos ricos, o Brasil é um país grande, desigual e fechado. Mantendo a unidade nacional, deveria ser possível desenvolvê-lo reformando os outros dois polos da trindade que nos distingue dos casos de sucesso — a introversão e a desigualdade. Afinal, o tamanho do mercado interno poderia ser um trunfo para a abertura — uma plataforma para as empresas brasileiras se expandirem para o mercado externo. Entretanto atualmente parece ser um impedimento, em consequência de uma política protecionista que explora com preços surreais os consumidores brasileiros e dá as costas para o mundo. Exemplo disso é a recém-anunciada Nova Política Industrial, com suas tarifas, requisitos de conteúdo nacional e preferências para compras governamentais.
A democracia é nosso grande trunfo, como demonstra o sucesso do Plano Real — exemplo maior da união da boa técnica com a Política com P maiúsculo. Nosso desafio é conseguir canalizar a força da democracia para a construção de um país rico, justo, sustentável e aberto ao mundo. Diante dos desatinos de Bolsonaro, dos equívocos de Lula, da voracidade do Centrão e do desmonte da Lava-Jato pelo STF, é razoável duvidar da viabilidade dessa empreitada. Mas a busca por um país Real segue em frente.
*Edmar Bacha é economista. Este texto é extraído de artigo para livro sobre os 30 anos do Plano Real a sair em junho pelo Selo História Real da Editora Intrínseca
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