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Em dezembro do ano passado, apresentei aqui alguns princípios para a construção de um regime fiscal mais robusto. Tratei de temas ligados à gestão da dívida pública e do orçamento, com vistas a viabilizar taxas de juros de curto e longo prazo bem mais baixas que as atuais, bem como espaço de credibilidade para fazer política anticíclica e para lidar com emergências como a pandemia, por exemplo.
Simplificando um pouco, a principal recomendação do artigo foi manter a dívida pública (como proporção do PIB) em nível confortável em épocas normais, de forma a ter espaço para aumentar o gasto (e por conseguinte o endividamento) quando necessário. Naturalmente, para evitar que a dívida só suba, é necessário que se reduza o endividamento em momentos de maior tranquilidade. Esse ponto é essencial, mas tende a ser ignorado.
A proposta tem como premissa uma situação fiscal inicial adequada, que se deseja preservar. Ocorre que, no momento, o endividamento público caminha para 85% do PIB e o saldo primário para um déficit de 1% do PIB. Tal combinação me parece bastante precária para o Brasil, dado que o Tesouro Nacional paga juros reais de 6%, para todos os prazos, os mais altos do mundo. Com base em um cenário bastante otimista de crescimento a 3% e juros de mercado, seria preciso um superávit primário de 2,5% do PIB para estabilizar a dívida nos níveis atuais. Mas claramente é preciso reduzir o endividamento. Para tal, seria necessário um superávit primário maior.
Importante notar que apenas um ajuste fiscal de natureza macroeconômica não é suficiente para o pleno desenvolvimento da nação. É também indispensável repensar as prioridades do gasto do Estado brasileiro nos três poderes e nos três níveis da federação. Espaços grandes para uma correção de rumo existem na folha de pagamentos, na previdência e nos gastos e subsídios tributários. Mas sinto que a ficha ainda não caiu quanto à importância de fazê-lo.
Faz falta também uma guinada nas prioridades qualitativas do governo, que afetam áreas como o cuidado com o meio ambiente, o combate às desigualdades, o respeito à ciência e a qualidade da nossa democracia. A resultante seria menos incerteza, mais bem-estar, mais eficiência, um ambiente de negócios melhor e, portanto, mais crescimento. Seria um círculo virtuoso que, bem aproveitado, reforçaria inclusive a saúde fiscal do Estado.
No fundo, faz falta a confiança de que temos um sistema político capaz de aprender com nossos erros e corrigir rumos de forma civilizada e sistemática. Esse a meu ver o maior problema de todos.
Voltando ao tema do dia, cabe aqui um alerta. A implantação de uma de uma política fiscal anticíclica requer certos cuidados. O orçamento no Brasil contém inúmeras vinculações, que introduzem um indesejável grau de prociclicalidade na política pública e precisam ser substancialmente reduzidas. Adicionalmente, é fundamental que não sejam criadas despesas permanentes sem fontes de receita também permanentes.
Um passo importante na direção desejada seria a adoção de um orçamento impositivo, que uma vez aprovado seja executado. De cara daria previsibilidade e mais eficiência à gestão pública. Outra vantagem seria sua característica anticíclica. Vejamos por quê. Em anos de crescimento acima da média, a receita fiscal será maior do que a projetada, com impacto contracionista sobre o saldo primário. Em caso de recessão ocorrerá o oposto, caracterizando a política anticíclica que em geral se tem em mente. Parece razoável que a política social também contenha elementos anticíclicos, como em tese o auxílio desemprego e similares (na prática, não ocorre no Brasil). Tais mecanismos são conhecidos na literatura como estabilizadores automáticos do PIB e seriam uma inovação extremamente bem-vinda em nossas bandas.
Os desafios de implantação são relevantes. Na prática, a política social contém elementos procíclicos que precisam ser corrigidos. Desvinculações exigiriam o uso de alocações plurianuais. Receitas ligadas a commodities teriam de ser tratadas de forma especialmente cuidadosa (fala aqui um carioca). Hábitos políticos arraigados, como reestimativas de receitas e contingenciamentos, teriam que ser coibidos. Tudo tem solução, mas nada é fácil. Não há como evitar um processo de aprendizado, mas as rodinhas da bicicleta têm que ser removidas.
Uma regra fiscal na linha do apresentado aqui guarda algum paralelo com o sistema de meta para a inflação. Ao Banco Central se dá uma meta clara e a liberdade de utilizar a política monetária para atingi-la, deixando também algum espaço para que procure minimizar as flutuações no nível de atividade. No caso da política fiscal, a definição de metas de endividamento e superávit primário é um tanto subjetiva e sujeita a conveniências de ocasião. Melhor então que se defina uma meta relativamente baixa de endividamento, que valha por longos períodos. Algo como 50% do PIB, acompanhado de um superávit primário suficiente para estabilizar essa relação daria conta do recado. Chegar a esse nível levaria um tempo, mas alguns passos concretos e uma sinalização crível trariam benefícios de imediato.
Nos países mais avançados, o longo período de taxas de juros nominais em torno de zero fez com que a política monetária ficasse prejudicada como instrumento anticíclico (posto não havia mais espaço para cortar os juros). Foi então necessário dar mais peso à política fiscal no combater ao risco de deflação, às grandes crises de 2008 e 2011 e à pandemia.
A política fiscal é um instrumento menos ágil e bem mais complexo do que a monetária para lidar com as flutuações da demanda agregada. No caso do Brasil há bastante espaço para a atuação da política monetária. Do lado fiscal, a plena implantação dos estabilizadores automáticos da política fiscal seria mais do que suficiente e representaria um grande avanço.
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